Notificações
Você não tem notificações no momento.
Whatsapp icon Whatsapp
Copy icon

Dia da Consciência Negra: a educação como ferramenta antirracista

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro. O Brasil Escola conversou com historiadoras sobre o papel da educação nessa mobilização.

Em 18/11/2022 15h58 , atualizado em 18/11/2022 16h55
Rostos de uma mulher e homem negros
Entre as pautas do Dia da Consciência Negra está a valorização das culturas afrodescendentes e o combate ao racismo. Crédito da Imagem: Shutterstock
Ouça o texto abaixo!

PUBLICIDADE

No próximo domingo, 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra. A data foi criada em referência à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. Ele ficou conhecido pela atuação na resistência à escravização no Brasil e foi morto em 1695.

Os movimentos sociais que atuam em prol da igualdade racial, que formam o movimento negro, desempenharam papel fundamental para a consolidação desse dia. 

O debate levantado pelas ações realizadas no Dia da Consciência Negra envolve a valorização das culturas afrodescendentes e o movimento de luta e resistência da população negra contra as violências raciais.

Ao longo do mês de novembro, é comum espaços educacionais desenvolverem diferentes tipos de ações e atividades para compartilhar informações pertinentes sobre a temática.  

Para compreender quais são as relações entre a educação e a mobilização do Dia da Consciência Negra, o Brasil Escola conversou com historiadoras sobre o assunto. 

Saiba mais: Aspectos gerais sobre o racismo, as causas, o racismo estrutural e legislação

Dia da Consciência Negra

O Dia da Consciência Negra, para a historiadora Dra. Francisca Raquel da Costa, representa luta e resistência. Para ela, a data reforça a resistência da população negra que se persiste no cotidiano de mulheres e homens negros.

"É a possibilidade de ressignificar a história do Brasil sob a perspectiva negra", afirma a historiadora, arqueóloga e quilombola Dra. Rosinalda Olasèni C. da Silva Simoni.

Rosinalda conta que no dia 20 de novembro de 1995 houve uma manifestação de sindicatos, organizações populares e movimentos negros. Eles se reuniram para exigir ações concretas de políticas públicas de combate ao racismo e todas as formas de discriminações.

Mulher negra de tranças sorrindo
Rosinalda Olasèni é pós-doutora em História e faz parte da 
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN).

Essa foi a primeira Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida. Cerca de 30 mil pessoas participaram do movimento em Brasília, que relembrava os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares. 

O Dia da Consciência Negra passou, desde então, a ser realizado anualmente no 20 de novembro. A oficialização da data ocorreu no ano de 2011, a partir da Lei nº 12.519. 

Para a historiadora Rosinalda esse movimento tem se fortalecido com o passar do tempo. Ela cita o aumento da participação de mulheres negras em espaços de poder como é o caso da política.

Rosinalda considera preocupante o fato das ações sobre a consciência negra se concentrarem somente no mês de novembro, e não se estenderem de forma assídua ao longo do ano. 

"As pautas sobre racismo estrutural e todos os seus desdobramentos ganham força por uma falta de continuidade das ações antirracistas de pesquisa e extensão que só ocorrem nesses momentos esporádicos" - Rosinalda Olasèni

A professora Francisca reforça a importância da mobilização da consciência negra no ensino superior. De acordo com ela, essas discussões nesse nível do ensino contribuem para a formação de futuros profissionais, essencialmente aqueles que estão se formando para serem educadores.

"Se nós temos uma educação que pense todos os grupos, e que consegue representar esses grupos de forma positiva. Isso irá contribuir em uma formação que reforçe a luta contra o racismo, e que além de lutar, essas pessoas possam não reproduzir o racismo", completa. 

Confira também - Cotas raciais: a legislação e como funcionam

Educação antirracista

A professora Dra. Francisca Raquel compreende a educação antirracista enquanto uma educação que pensa a diversidade de possibilidades e contribuições que foram passadas à sociedade brasileira pelos vários grupos étnico-raciais

Na perspectiva da historiadora, esse modelo de educação não pretende extinguir o referencial eurocêntrico (produções advindas dos países europeus), mas sim incluir outras formas de conhecimento, como é o caso das referências afrocentradas e indígenas

Mulher negra sorrindo em frente a uma mesa com computador
Francisa Raquel da Costa é doutora em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Crédito: Rosinea Costa

Francisca reforça que uma educação antirracista não deve se concentrar somente nas disciplinas das Ciências Humanas. Ela envolve um currículo antirracista, um projeto pedagógico.

Para Rosinalda Olasèni, esse modelo educacional vai muito além da legislação que inclui o ensino de história sobre as culturas africanas, afrodescendentes e indígenas (Lei nº 11.645/2008).

A historiadora considera essencial a existência da lei, porém é necessário reconhecer que o racismo estrutural existe, inclusive no ambiente escolar.

Estratégias pedagógicas podem ser utilizadas como mecanismo de conscientização acerca do respeito à população negra.

A professora Francisca ressalta a importância de fomentar o debate sobre a temática da consciência negra. Levar obras literárias e do cinema, por exemplo, que foram produzidas, dirigidas, escritas e protagonizadas por pessoas negras, sugere.

A historiadora Rosinalda reforça a importância da arte, da oralidade e das vivências culturais como estratégias de ensino.

Eu acredito na arte educação, no poder da oralidade e das vivências culturais como ferramentas nesse processo [...] Compreender que cultura, religião, política e sociedade para o negro africano é algo que não se separa. Pensar esses corpos em movimento e pensá-los a partir de sua origem do seu continente. Precisamos conhecer nossos reis e rainhas, suas filosofias. Só assim compreenderemos suas estratégias no contexto escravocrata e saberemos o quanto é importante a coletividade. - Dra. Rosinalda Olasèni

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

Uma outra pedagogia

Na Cidade de Goiás, interior goiano, a Escola Pluricultural Odé Kayodê é uma iniciativa que tem como objetivo possibilitar aprendizagens que reconheçam a identidade plural brasileira.

O ponto de partida para a proposta educativa por lá são as culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, conta a coordenadora do espaço Adriana Rebouças.

Odé Kayodê é um nome de origem ancestral e do idioma iorubá, seu significado é o caçador que traz alegria. Esse é o nome de uma mulher negra chamada Ialorixá do Terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá de Salvador. Ela foi enfermeira e lutou pelo reconhecimento da riqueza da cultura afro-brasileira, explica Adriana. 

A criação da escola ocorreu no início da década de 90. Ela é gerenciada pelo Espaço Cultural Vila Esperança e atende crianças da educação infantil e da primeira fase do ensino fundamental. 

Crianças em roda na grama
Crianças realizam atividade ao ar livre na escola.
Crédito: Arquivo / Escola Pluricultural Odé Kayodê

De acordo com Adriana Rebouças a escola está localizada em uma cidade que foi construída pelo colonialismo. Em contrapartida, o modelo educacional adota referências advindas de culturas africanas e indígenas. Na sala principal da escola, chamada Passaredo, há um atabaque entre outros instrumentos de origem africana.

O protagonismo da criança é evidenciado no processo de ensino e aprendizagem da escola. A matriz curricular contempla "uma educação antirracista, transformadora, decolonial, intercultural, criativa, transdisciplinar e integral", aponta Adriana. 

"Trabalhar sobre as questões epistemológicas afro-indígenas é viabilizar a mudança do paradigma dominador-dominado. Uma educação multicultural trabalha sobre o paradigma da troca e da circularidade. Os elementos culturais estão presentes no cotidiano, no chão concreto da Escola, no tambor, no maracá, no som, na cor, no gosto, e também no jeito de organizar os espaços. Há um esforço permanente de neutralizar a marca da invisibilidade e do silêncio sobre a imensa riqueza das culturas indígenas e de matrizes africanas, como nosso legado, existentes no mundo e em nós." - Adriana Rebouças

A percepção do corpo é algo trabalhado nas atividades escolares. A coordenadora relata que na rotina de aprendizagem é reforçado o autoconhecimento. "Toda criança deve conhecer sua história, a história de seu povo, dos lugares onde seu corpo anda e dos lugares que se pode alcançar", conta. 

"Os corpos, se mexem, remexem, deitam, rolam e gingam atravessados pelos sons e pelas vibrações. É o berimbau, é o atabaque, é o maracá, é o canto da cigarra os das galinhas d’Angola.. Tudo em uma grande ciranda que possibilita conhecer a si e aos outros, seus limites, suas potencialidades e seus desafios." - Adriana Rebouças

Espaço redondo com crianças sentadas descalças com mácara. Há um palco com pessoas adultas se apresentado musicalmente
Atividade realizada no espaço escolar.
Crédito: Acervo / Escola Pluricultural Odé Kayodê

Segundo a coordenadora da escola, a aprendizagem por lá leva em conta a integralidade da criança. As e os estudantes são sujeitos ativos nos processos de interpretação e no aprendizado de conceitos, atitudes, valores e conhecimento. 

Ensino de História

A história por muitos anos foi contada e escrita pela perspectiva de colonizadores e reduziu a África a um país e africanos a objetos, entretando ela também trouxe riqueza e diversidade, afirma Rosinalda Olasèni.

O ensino de história, de acordo com a pesquisadora, possibilita "reescrever, ressignificar, repensar a presença dos africanos e afrodescendentes na nação brasileira". Rosinalda ressalta que todas as disciplinas das Ciências Humanas também possuem essa função. 

 

Por Lucas Afonso
Jornalista

PUBLICIDADE