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A crônica está entre os gêneros textuais mais populares entre os leitores, e isso não acontece por acaso: além de ser um gênero marcado pela brevidade, tem sua circulação democratizada nas páginas dos jornais, seu principal meio de publicação. A crônica literária, diferentemente da crônica jornalística, abusa de recursos próprios da literatura sem nunca perder sua essência ligeira e prosaica que tanto agrada os leitores.
Muitos foram os escritores de nossa literatura que viram na crônica uma oportunidade de fazer literatura e ao mesmo tempo denunciar costumes e mazelas da sociedade brasileira. No início do século XX, nomes como Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio ficaram famosos por seus textos ácidos e pouco complacentes com a sociedade brasileira (sobretudo a sociedade carioca) da época, combinando o “texto-denúncia” com elementos próprios da literatura. Por isso, por tornarem o gênero crônica ainda mais rico e interessante, esses autores estão entre os melhores cronistas brasileiros do início do século XX.
Para que você conheça um pouco mais sobre os grandes cronistas do início do século XX, o Brasil Escola traz para você os principais aspectos literários de alguns de seus maiores representantes, bem como trechos de crônicas que têm como característica em comum o olhar aguçado sobre o panorama social e cultural daquele Brasil que, ironicamente, ainda apresenta similaridades com nosso Brasil contemporâneo. Bons estudos, boa leitura!
Machado de Assis
Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho de 1839. Faleceu em sua cidade natal em 29 de setembro de 1908, aos 69 anos
Machado de Assis dispensa apresentações. O “Bruxo do Cosme Velho”, alcunha criada pelo igualmente genial Carlos Drummond de Andrade, está entre os maiores cronistas de seu tempo. Não bastasse ser romancista e contista de invejável habilidade, Machado também compôs, por intermédio de suas crônicas, um interessante quadro da sociedade carioca do início do século XX. Por meio da fina ironia que lhe foi tão peculiar, abordou em suas crônicas as mazelas sociais e os desmandos políticos de sua época.
"Guerras africanas, rebeliões asiáticas, queda do gabinete francês, agitação política, a proposta de supressão do senado, a caixa do Egito, o socialismo, a anarquia, a crise europeia, que faz estremecer o solo, e só não explode porque a natureza, minha amiga, aborrece este verbo, mas há de estourar, com certeza, antes do fim do século, que me importa tudo isso? Que me importa que, na ilha de Creta, cristãos e muçulmanos se matem uns aos outros, segundo dizem telegramas de 25? E o acordo, que anteontem estava feito entre chilenos e argentinos, e já ontem deixou de estar feito, que tenho eu com esse sangue e com o que há de correr?" (A Semana, 26 de abril de 1896).
Lima Barreto
Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1881. Faleceu no dia 1º de novembro de 1922, aos 41 anos
A denúncia das mazelas sociais é uma das principais características da obra de Lima Barreto. O escritor dava tamanha importância para o tema que chegou a ser acusado pela crítica literária de ser um autor panfletário e sem maiores dons literários, visto sua preocupação em fotografar com cores exatas as agruras de seu tempo. Lima Barreto, por meio de seu estilo coloquial e direto, criticou, sobretudo, as desigualdades sociais do século XIX e XX. Engana-se quem acredita que, fazendo uso comedido da linguagem, o escritor o faria também no conteúdo de suas crônicas.
“Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba. Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, e os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico...
Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico (...)”. (País rico, Marginália, 8 de maio de 1920).
João do Rio
João do Rio nasceu no dia 5 de agosto de 1881, no Rio de Janeiro. Faleceu na mesma cidade, no dia 23 de junho de 1921
João do Rio é um dos pseudônimos de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, considerado pela historiografia como o maior jornalista de seu tempo. Além de jornalista, João do Rio foi escritor e precursor da crônica social moderna: sua obra foi produzida a partir da observação direta da vida e da linguagem de diferentes grupos sociais do Rio de Janeiro do início do século XX. Figura querida e popular, João transitava com facilidade entre as camadas populares e marginalizadas, produzindo crônicas que investigavam a vida da gente esquecida com grande realismo e sensibilidade.
“Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia — o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua (...)”. ( A rua, em “A alma encantadora das ruas”).
Por Luana Castro
Graduada em Letras