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O catarismo foi uma heresia medieval que se desenvolveu, principalmente, no sul da França e partes da Itália a partir do século XII. Foi um dos maiores movimentos heréticos da Baixa Idade Média e levou a Igreja Católica a convocar uma Cruzada para conter o seu crescimento. Os cátaros também são conhecidos como albigenses, em referência a uma importante cidade do sul da França que se converteu ao catarismo – Albi. A palavra cátaro vem do grego katharos e significa “puro”.
Origem
Em virtude das semelhanças de doutrina, os historiadores afirmam que o catarismo é herdeiro de determinadas seitas gnósticas de caráter dualista, como o bogomilismo, que eram extremamente comuns no leste europeu. Acredita-se que o bogomilismo tenha adentrado na Europa Ocidental a partir de rotas comerciais. Na primeira metade do século XI, surgiram pequenos núcleos de cátaros em regiões da França, Alemanha e Itália.
O dualismo dos cátaros afirmava que toda criação vinculada ao mundo material era obra de um deus mau ou satã. A um deus bom os cátaros atribuíam apenas o mundo espiritual. Logo, para os cátaros, o ideal era o total afastamento das coisas materiais, pois, segundo sua crença, estavam vinculadas ao deus mau. Isso significa que os cátaros não atribuíam a criação a Deus, mas acreditavam que o mundo tinha sido criado pelo deus mau.
O catarismo foi muito comum entre as camadas populares da população, principalmente artesãos e mercadores, mas também chegou a converter membros da alta nobreza de Languedoc (região no sul da França). A partir do século XII, a heresia estabeleceu-se de maneira considerável e passou a instalar bispos em partes da Europa, conforme registra Nachman Falbel:
Por volta de 1149, o primeiro bispo cátaro estabeleceu-se no Norte da França; anos mais tarde, outros estabeleceram-se em Albi e na Lombardia. […] Nos anos seguintes mais bispos foram se instalando na Itália, e no fim do século já havia onze bispados no total: um no Norte da França, quatro no Sul (Albi, Toulouse, Carcassonne, Val d’Aran), outros dois foram acrescentados mais tarde, e seis na Itália (Concorezzo, perto de Milão, Desenzano, Bagnolo, Vicenza, Florença e Spoleto) |1|.
Atribui-se o crescimento do catarismo, principalmente, ao descontentamento que existia com a Igreja a partir do século XI. A opulência e corrupção da Igreja já eram questões que geravam inúmeras críticas. Além disso, o catarismo acreditava que todas as almas salvar-se-iam no fim dos tempos e isso pode ter contribuído para a adesão de fiéis nas regiões onde foi difundido.
Doutrina
A doutrina cátara acreditava que o mundo material era mau desde a criação e que a restauração do homem acontecia por meio do ascetismo (penitência) e comunhão com Deus. Assim, os cátaros acreditavam no celibato (permanecer solteiro), condenavam o casamento e a procriação e não comiam carne (a exceção era peixe), gorduras, ovos, leite e queijo |2|.
Distinguiam-se dois grupos dentro do catarismo: os “perfeitos” e os “crentes”. Os perfeitos eram pessoas que já haviam restaurado sua alma e não se misturavam com os crentes. Mantinham uma vida rígida de ascetismo e procuravam ter uma vida de negação aos bens materiais. Uma pessoa tornava-se perfeito após receber o sacramento dos cátaros chamado de consolamentum.
Os crentes eram pessoas que oficialmente não eram consideradas parte da Igreja Cátara por não terem sido remidas pelo consolamentum. Deveriam demonstrar respeito pelos perfeitos e, se possível, confessar seus pecados para eles. Como os cátaros condenavam o casamento, os católicos condenavam os crentes cátaros de manterem uma vida de libertinagem sexual.
Por fim, acreditavam que as almas humanas eram, na verdade, anjos aprisionados pelo deus mau em corpos humanos. Consideravam Cristo também como um anjo, que foi enviado para salvar as almas aprisionadas. Além disso, acreditavam que Cristo não se materializou literalmente em corpo humano, que seria uma criação do deus mau. Por fim, negavam o Velho Testamento, acusando-o de ser obra do deus mau.
Cruzada contra os albigenses
O crescimento do catarismo no sul da França e norte da Itália motivou a mobilização da Igreja Católica no combate à heresia, o que resultou em duas cruzadas:
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Cruzada espiritual (1147-1209)
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Cruzada albigense (1209-1229)
Na Cruzada espiritual, destacou-se o papel inicialmente pacífico da Igreja ao tentar combater a difusão do catarismo a partir da pregação e exortação dos padres enviados. Em concílios realizados pela Igreja Católica, o catarismo foi considerado heresia e os seus adeptos foram excomungados. O término da Cruzada espiritual ocorreu quando um enviado do papa, chamado Pedro de Castelnau, foi assassinado em 1208.
A Cruzada albigense foi a fase em que houve a utilização de meios militares para esmagar o catarismo na França. O papa Inocêncio III convocou as autoridades seculares francesas para mobilizar exércitos na luta contra os cátaros. Ao longo de vinte anos aconteceram combates na região de difusão do catarismo entre as autoridades convocadas pelo papa contra a alta nobreza que aderiu ao catarismo. Os historiadores relatam a violência dos combates de ambas as partes.
A Cruzada albigense encerrou-se em 1229, quando o maior representante do catarismo, Raimundo VII, aceitou as imposições da Igreja Católica. O fervor dos cátaros diminuiu a partir daí, porém, foram registradas outras rebeliões, o que motivou um aumento na perseguição contra os pequenos núcleos cátaros que haviam sobrevivido às Cruzadas. A partir do século XIV, o catarismo foi erradicado na França. Poucos fiéis fugiram da perseguição e foram para a Itália, entretanto, nesse país, foram alvos da Inquisição.
|1| FALBEL, Nachman. Heresias medievais. São Paulo: Perspectiva, 1977, p.38-39
|2| Idem, p.55.
Por Daniel Neves
Graduado em História