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O arianismo foi uma das maiores heresias do período da chamada Alta Idade Média, isto é, o período de transição entre queda do Império Romano e a formação da Cristandade Ocidental, que se deu de meados do século IV d. C a meados do século X d. C. Essa heresia (heresia vem do grego hairésis, e significa escolha) foi assim denominada por derivar-se do nome de Ário, ou Arius, presbítero de Alexandria, no Egito. Foi combatida por sábios da Igreja Cristã Primitiva, como Santo Atanásio.
A heresia de Ário se enquadra, segundo a ortodoxia da Igreja, no campo da cristologia, sobretudo no que tange ao entendimento teológico que se tem da Trindade Santa. A cristologia é um ramo da teologia que se dedica a pensar a natureza de Cristo. Para a ortodoxia da Igreja Católica (herdeira do cristianismo primitivo), Cristo partilha da substância do Deus Pai, Criador – Uma das pessoas da Trindade, sendo o Espírito Santo a terceira. Portanto, ao tempo que se fez homem, encarnado, Cristo também era coeterno a Deus e, consequentemente, o próprio Deus.
Ário se contrapôs a essa perspectiva ortodoxa, argumentando que Cristo não partilhava da mesma substância de Deus, mas foi criado por Deus, assim como todas as outras criaturas e o homem. Isso supunha a não eternidade de Cristo e a não encarnação do logos (o verbo divino) no Filho. Ário, que possuía uma formação intelectual respeitável e ocupava o posto de presbítero em Alexandria (o centro intelectual da Ásia Menor à época), conseguiu vários adeptos. Entretanto, o primeiro a confrontá-lo diretamente e a defender a concepção ortodoxa foi Alexandre, Bispo de Alexandria.
Alexandre de Alexandria reuniu um Sínodo local, em 318 d. C, com aproximadamente cem bispos, para deliberar a respeito das ideias de Ário. Os bispos condenaram Ário como herege e apresentaram a sua decisão a bispos de outras regiões do domínio cristão e ao papa da época, Silvestre. No entanto, Ário, ainda assim, conseguia mais adeptos à sua interpretação e as disputas teológicas começaram a ficar mais acirradas, gerando uma situação preocupante para o então imperador Constantino.
Constantino, que era assessorado pelo Bispo Ósio de Córdoba, na Espanha, convocou um Concílio ecumênico (reunião mais importante de membros da Igreja para deliberação sobre temas dogmáticos, pastorais etc.), em 325 d. C, que foi realizado na cidade de Niceia. O Concílio de Niceia reuniu cerca de trezentos bispos de várias regiões e chegou à conclusão de que Cristo tinha a mesma natureza de Deus Pai, sendo gerado da mesma substância do Pai, desde a eternidade e não como interpretou Ário, criado por Deus do nada (ex nihil) tal como as outras criaturas. Constantino então acatou as decisões do Concílio de Niceia e decidiu exilar Ário e condenar a leitura de suas obras.
Após a resolução do Concílio, 325 d. C, um presbítero da cidade de Nicomédia, de nome Eusébio, passou a difundir o semiarianismo, reabilitando assim grande parte das ideias de Ário. Esse fato exerceu pressão sobre o imperador Constantino que, em 327 d. C, anistiou o herege Ário, permitindo que ele regressasse à cidade de Alexandria. O Bispo de Alexandria neste ano já não era mais Alexandre e sim Atanásio, que seria considerado santo pela Igreja posteriormente.
Santo Atanásio de Alexandria foi um dos mais importantes sábios da Igreja Cristã Primitiva a combater a heresia do arianismo
Santo Atanásio (295 d. C – 373 d. C) mantinha-se dentro da perspectiva ortodoxa e repudiava o arianismo desde o seu início. Ao longo das décadas de 330 e 340 d. C, Atanásio teve de enfrentar duramente a organização ariana (ou semiariana) no Egito e em grande parte da Igreja oriental. Eusébio de Nicomédia, o partidário de Ário, conseguiu formar uma seita arianista que exerceu grande poder dentro da Igreja, e chegou a influenciar bispos do Oriente a excomungar Atanásio (e o papa Júlio, que apoiava Atanásio) e a desterrá-lo por duas vezes. Atanásio só seria reabilitado pela Igreja com o Concílio de Sárdica em 346 d. C, que reafirmou as concepções ortodoxas do Concílio de Niceia, confrontando mais uma vez o arianismo. Contudo, o imperador Constâncio, na década de 350 d. C, deu muito espaço à heresia ariana, chegando a obrigar o então papa Libério a excomungar Atanásio em 357 d. C.
Nas décadas seguintes, de 360 e 370 d. C, sobretudo após a morte do imperador Cônscio, Atanásio e outros sábios da Igreja, como Santo Hilário, continuaram a defender a posição ortodoxa relativa à Trindade e a combater a heresia do arianismo. Isso prevaleceu nos séculos posteriores e se reforçou através do pensamento de outros intelectuais importantes, como Santo Tomás de Aquino.
Por Me. Cláudio Fernandes