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Um dos maiores problemas que a região Nordeste do Brasil teve que enfrentar desde as épocas mais remotas foi a seca. Os longos períodos de seca que assolaram a região nordestina brasileira provocaram a ruína de várias culturas agrícolas e criações de animais, bem como ceifaram a vida de milhares de pessoas. Alguns historiadores, como Marco Antonio Villa, ressaltam que os registros dos danos provocados pela escassez de água no Nordeste remontam às primeiras décadas da colonização, especificamente o ano de 1552.
Na época do Segundo Império, em 1877, registrou-se uma das maiores devastações provocadas pela seca no sertão nordestino. Com o advento da República e o início do modelo político dos oligarcas regionais, alguns projetos para diminuir o impacto da seca na população sertaneja foram aventados. Em 1909 foi criada a Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOS), que tinha por missão a construção de barragens e açudes para armazenamento de água. Entretanto, as ações da IFOS não bastaram para reter o impacto de um dos maiores períodos de estiagem já vistos no Nordeste, isto é, aquele do ano de 1915. Tanto na seca de 1877 quanto na de 1915, um dos estados mais afetados foi o Ceará. Nas duas ocasiões, milhares de sertanejos migraram para os entornos dos centros urbanos, como a capital, Fortaleza. Esse fato também ocorreu na seca de 1932.
A massa de retirantes do Ceará configurou-se como uma diáspora, dispersando-se por várias regiões do país. A região da Amazônia, por exemplo, em razão do desenvolvimento econômico em torno das seringueiras, acomodou uma leva de milhares de nordestinos. Entretanto, grande parte dessa massa converteu-se em legiões de “flagelados”, como eram denominados. Uma das soluções que o governo do Ceará encontrou para a situação dos flagelados foi a construção de campos de concentração. Como aponta o jornalista Mauri König:
“O Ceará tinha 800 mil habitantes, dos quais 120 mil emigraram para a Amazônia e 68 mil se dirigiram a outros estados. Outra grande seca assolou a região em 1915. Para evitar nova invasão a Fortaleza, os governos estadual e federal criaram campos de concentração na periferia das grandes cidades para recolher os flagelados. [1]
O primeiro desses campos foi o de Alagadiço, próximo a Fortaleza, que inclusive foi o cenário em que se ambientou o romance “O Quinze” (publicado em 1930), de Raquel de Queiroz. Esse campo chegou a comportar cerca de 8 mil pessoas, que o chamavam de “curral do governo”. A construção dos campos seguia uma orientação higienista e, em muitos casos, eugenista*, como era típico em várias regiões da época. A própria capital do país, o Rio de Janeiro, sofreu um processo de reformulação urbanística que produziu milhares de desabrigados ao retirar cortiços e casebres do centro da cidade.
No campo de Alagadiço, relata-se que cerca de 150 pessoas morriam diariamente. Nas secas que vieram nos anos posteriores, mais campos foram construídos próximos a Fortaleza, mas também em outras cidades do Ceará. Somou-se a isso o problema do descaso das oligarquias políticas regionais do Nordeste em relação à situação da população atingida pela seca. Um fenômeno conhecido como “indústria da seca” exemplifica isso: durante muitas décadas, a verba federal destinada à construção de poços e açudes públicos para o arrefecimento dos efeitos da seca foi empregada na construção de poços e açudes privados em latifúndios das famílias de oligarcas.
Os efeitos da seca no Nordeste e a negligência política produziram várias reações por parte da população. Alguns exemplos são o messianismo de Antônio Conselheiro, na Bahia, e a consequente Guerra de Canudos dele derivada, bem como o cangaço e o aparecimento de figuras como o Lampião.
NOTA:
[1]: KÖNIG, Mauri. Diáspora da seca redesenha o Brasil.
* Eugenia (Do grego: Eu = “bom, belo”, mais Genia: “nascimento”/ “gênese”): tipo de ideologia que acreditava em um aperfeiçoamento biológico da espécie humana, tendo como parâmetro as “raças” supostamente superiores, como a “raça branca”, ou ariana.
Por Me. Cláudio Fernandes