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A lenda do negrinho do pastoreio é uma das mais populares do folclore do Rio Grande do Sul, e sua origem recebeu influência da cultura africana e da religião católica. Na lenda, um menino escravizado e órfão é severamente punido por seu senhor, ficando muito machucado e abandonado sobre um formigueiro. Tempos depois o patrão volta ao local onde abandonou o corpo e encontra o menino, sem qualquer ferimento, sobre um cavalo e com a Virgem Maria ao seu lado. O patrão se arrepende das violências praticadas, e o menino passa a perambular, montado em um cavalo, por campos e estradas riograndenses.
A lenda, de provável origem no século XIX, mostra muitos aspectos importantes presentes na sociedade do período, como a importância da pecuária, a violência da escravidão e a forte religiosidade popular. Ainda hoje nas áreas rurais, as pessoas acendem velas próximo de formigueiros quando perdem algo, pois acreditam que o negrinho do pastoreio ajudará na procura.
Leia também: Principais lendas e personagens do folclore brasileiro
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre o negrinho do pastoreio
- 2 - O que diz a lenda do negrinho do pastoreiro?
- 3 - Origem da lenda do negrinho do pastoreiro
- 4 - Canção do negrinho do pastoreiro
- 5 - Curiosidades sobre o negrinho do pastoreiro
- 6 - Outras lendas do folclore brasileiro
Resumo sobre o negrinho do pastoreio
- Negrinho do pastoreio é um dos principais personagens do folclore do Rio Grande do Sul.
- Como se trata de uma lenda, existem diversas versões, mas em todas elas se trata de um jovem escravizado que é castigado por seu proprietário.
- A lenda está fortemente relacionada à pecuária, atividade econômica principal do Rio Grande do Sul no século XIX.
- Alguns membros do movimento abolicionista utilizavam a narrativa para ilustrar os horrores da escravidão.
- Ainda hoje, em áreas rurais do Sul do Brasil, pessoas acendem velas e rezam para o negrinho do pastoreio.
O que diz a lenda do negrinho do pastoreiro?
A lenda conta que o negrinho do pastoreio era órfão, não tinha padrinhos e não recebeu um nome, sendo chamado pelo seu malvado proprietário, um estancieiro gaúcho, apenas como “negrinho”. O menino afirmava que a Virgem Maria era sua madrinha, e sempre acendia velas e rezava para ela.
Um dia ele apostou uma corrida de cavalo com o escravizado de outro estancieiro e acabou perdendo. Como punição, seu senhor ordenou que ele cuidasse de alguns cavalos. O menino, extremamente cansado, acabou pegando no sono, e um cavalo baio, o preferido do patrão, acabou fugindo. Em outras versões, é o filho do patrão, tão maldoso quanto o pai, que abre a porteira e deixa o cavalo fugir para prejudicar o negrinho do pastoreio.
Ao saber da perda do animal, o patrão chicoteou o menino e ordenou que este fosse à floresta procurar o cavalo. Negrinho do pastoreio acendeu uma vela para Nossa Senhora e partiu para a floresta, encontrando o cavalo, mas não conseguiu amarrá-lo e levá-lo para o patrão. Este, enfurecido por não ter o cavalo recuperado, chicoteou e espancou o menino, deixando-o gravemente ferido e jogando seu corpo imóvel sobre um formigueiro, esperando que as formigas o devorassem.
Tempos depois (em algumas versões da lenda, após um dia, e, em outras, após três dias), o fazendeiro retornou ao local onde havia jogado o corpo, esperando encontrar boa parte dele já devorado pelas formigas. Ao chegar lá, no entanto, o fazendeiro encontrou o menino sobre o cavalo baio, com seu corpo intacto e com Nossa Senhora ao lado dele. O fazendeiro se arrependeu dos seus pecados e se ajoelhou pedindo perdão à Virgem Maria e ao menino.
O negrinho do pastoreio passou a cavalgar pelos sertões e estradas do país e a ser considerado uma espécie de santo das causas perdidas. Quando uma pessoa perde algo, deve acender uma vela próximo de um formigueiro, que o negrinho do pastoreio ajudará na procura. Em algumas versões da lenda, ele exige como pagamento uma vela, que deve ser acesa para Nossa Senhora.
Origem da lenda do negrinho do pastoreiro
A lenda se originou provavelmente na metade do século XIX. Nessa época, a economia do Rio Grande do Sul girava em torno da pecuária, e os donos das fazendas eram chamados de estancieiros. A escravidão vigorava no Brasil e os primeiros movimentos pela abolição se iniciavam.
O primeiro relato sobre a lenda do negrinho do pastoreio foi feito pelo cônsul português no Brasil, Antônio Maria do Amaral Ribeiro, em 1857. Em seu Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiras, ele afirma que, quando esteve na província do Rio Grande do Sul, ouviu certa superstição da população local. Segundo ele, era comum ver algumas velas acesas em lugares inóspitos, e elas eram acesas por escravizados que pediam a uma entidade que ela acalmasse seus senhores.
Em 1875, foi publicada a obra O crioulo do pastoreio, escrita pelo folclorista Apolinário Porto Alegre. Depois dela, diversas outras obras foram publicadas sobre a lenda, mas foi a obra de Simões Lopes Neto, a coletânea Lendas do Sul, publicada inicialmente em folhetim em 1906 e em forma de livro em 1913, que popularizou a lenda em outras regiões do Brasil.
A lenda possui muitos elementos presentes na sociedade rio-grandense do século XIX: a forte influência da pecuária na economia e vida social da região, a escravidão, a violência com a qual os escravizados eram tratados, e a forte religiosidade católica. Na década de 1880, a lenda foi muito utilizada por membros do movimento abolicionista para mostrar a violência que os escravizados sofriam, tão comum que se manifestava até mesmo na cultura popular.
A lenda também desconstrói uma versão historiográfica que defende que existiu no Sul uma espécie de “democracia pastoril”, na qual supostamente existiram poucos escravizados e que estes eram bem tratados pelos estancieiros da região.
Leia também: Saci-pererê — tudo sobre uma das mais famosas lendas do folclore brasileiro
Canção do negrinho do pastoreiro
A música “Negrinho do pastoreio”, também chamada popularmente de “Oração ao negrinho do Pastoreio”, foi composta em 1957 pelo folclorista Barbosa Lessa e se tornou muito popular na Região Sul do Brasil. Ainda hoje ela é cantada em escolas e em áreas rurais do estado.
Negrinho do Pastoreio,
Acendo esta vela pra ti.
E peço que me devolvas,
A querência que perdi.
Negrinho do pastoreio,
Traze a mim o meu rincão.
Eu te acendo esta vela,
Nela está meu coração.
Quero ver meu lindo pago.
Coloreado de pitanga.
Quero ver a gauchinha,
A brincar n’água da sanga.
Quero trotear pelas coxilhas,
Respirando a liberdade,
Que eu perdi naquele dia.
Que me embretei na cidade.
Negrinho do pastoreio,
Acendo esta vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que perdi.
Negrinho do pastoreio,
Traze a mim o meu rincão.
A velinha está queimando,
E aquecendo a tradição.
Curiosidades sobre o negrinho do pastoreiro
- No Palácio do Piratini, a sede do governo estadual do Rio Grande do Sul e residência oficial do governador desse estado, possui um salão principal com o nome Salão Negrinho do Pastoreio. Ele é decorado com 18 obras produzidas por Aldo Locatelli que retratam a lenda. Você pode visitar virtualmente essas obras por meio do Google Arts and Culture.
- Em 1973, foi laçado um filme sobre a lenda do negrinho do pastoreio. O filme contou com grande elenco, composto por Grande Otelo, Breno Mello e Darcy Fagundes, e foi dirigido por Nico Fagundes.
- A lenda do negrinho do pastoreio, ainda no século XIX, extrapolou as fronteiras do Rio Grande do Sul, sendo contada nos Pampas da Argentina e do Uruguai, regiões que também tinham na pecuária a principal atividade econômica.
Outras lendas do folclore brasileiro
- Saci-pererê
- Mãe do ouro
- Curupira
- Negrinho do pastoreio
- Boitatá
- Mula sem cabeça
- Caipora
- Cuca
- Matinta perera
- Maria degolada
Fontes
CASCUDO, Luís da Câmara. Folclore do Brasil. Editora Global, Rio de Janeiro, 2017.
MAGALHÃES, Basílio de. O folclore do Brasil. Edições do Senado Federal, Brasília, 2006.
NETO, Simões Lopes. Contos gauchescos e lendas do Sul. Editora L&PM, Porto Alegre, 1998.
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