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Dia em Memória às Vítimas do Holocausto: "sobreviver foi minha vitória"

Conversamos com três sobreviventes do Holocausto. Veja as emocionantes histórias que compartilharam conosco

Em 27/01/2024 00h01 , atualizado em 27/01/2024 09h27
Texto da imagem: Conversa com um sobrevivente . A história de Gabriel Waldman. Abaixo do texto há uma foto de Gabriel Waldman
Gabriel Waldman, húngaro. Crédito da Imagem: Divulgação/StandWithUs
Ouça o texto abaixo!

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Hoje é o Dia Internacional de Homenagem às Vítimas do Holocausto. O Holocausto foi um projeto de extermínio empregado pelo Estado Nazista da Alemanha para cometer um genocídio contra o povo judeu.

Esta data foi escolhida por conta da libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz pelo exército soviético, em 1945.

Mais de 6 milhões de judeus foram mortos entre 1933 e 1945. Alguns conseguiram escapar da morte e se refugiaram em países de todo o mundo. Dentre as nações que o povo judeu procurou refúgio, está o Brasil.

A estimativa do Museu do Holocausto de Curitiba é que cerca de 25 mil judeus sobreviventes vieram para o Brasil. Alguns deles vivem até hoje e carregam a memória viva da política de morte empregada pelos ditadores nazistas europeus.

Conseguimos conversar com três destes sobreviventes que, hoje, moram em São Paulo e colaboram com uma ONG educativa que combate o antissemitismo, a StandWithUs Brasil.

Nos contaram suas histórias Joshua Strul, romeno de 90 anos; Gabriel Waldman, húngaro de 85 anos e Ariella Segre, italiana de 84 anos. Fizemos uma série com três textos em que contamos os relatos de cada um destes sobreviventes.

Agora, vamos falar sobre a história de Gabriel Waldman. Ele começou a sofrer com perseguições com apenas 5 anos e perdeu o pai em um campo de concentração.

Veja tudo que ele compartilhou conosco. 

Gabriel Waldman. Divulgação: StandWithUs

Uma criança, muitos lutos

Gabriel revela que cerca de 70% da sua família morreu durante o Holocausto. Ele conta que sobreviveu com sua mãe por que tiveram sorte, “temos de aceitar isso”, diz ele.

Ele diz que tiveram iniciativas que podiam ter dado errado, mas deram certo. A família do seu pai morava no interior da Hungria e a da sua mãe em Budapeste, na capital. Do lado paterno, toda a família morreu, inclusive o pai do Gabriel; na parte materna muitos morreram, mas alguns sobreviveram.

Ele conta a razão desta diferença:

Quando os nazistas invadiram a Hungria, foi o último país que eles invadiram, isso já foi em 1944, um ano antes do fim da guerra.

Eles tinham um plano, primeiro liquidar os judeus do interior e depois, em último lugar, eliminar os judeus de Budapeste. Por que isso? Porque é mais fácil, Budapeste era uma cidade grande, era mais fácil de se esconder que no interior

Outra razão comentada por Gabriel é a proximidade do interior dos campos de concentração, segundo ele, Budapeste é mais afastada. A família de Gabriel foi dizimada, sobreviveram apenas alguns na família de sua mãe.

A compreensão de Gabriel sobre a situação era “epidérmica”, diz ele. Pois, ele sentia na pele, a começar pela fome, havia muito pouco alimento. Havia um cartão de racionamento restrito aos judeus, sem ele, não era possível comprar alimentos e até mesmo as famílias cristãs tinham acesso a pouca comida.

A sede era outro problema grave. O rio que abastecia Budapeste estava cheio de cadáveres, então, era absolutamente proibido beber água. Ocasionalmente era possível ferver água para beber, mas muito pouco.

Além disso tudo, havia as perseguições. Constantemente era preciso passar a noite inteira acordado andando pela cidade, pois, não se podia voltar para casa com receio de que houvesse batidas dos nazistas nas residências e os levassem para os campos de concentração.

Quando os soviéticos chegaram para invadir a cidade, uma batalha muito intensa se instaurou. Eram bombardeios, artilharia, tiroteios a todo instante, somados aos problemas que já existiam antes.

Budapeste na época da guerra. Créditos: Shutterstock

Gabriel diz que mesmo nesse turbilhão de acontecimentos ainda tinha de lidar com luto pela perca do pai e de seus outros familiares. Ele só tinha a sua mãe para apoiá-lo, tudo isso antes dos seus seis anos, idade que Gabriel tinha quando acabou a guerra.

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Como Gabriel escapou do Holocausto?

Questionei Gabriel sobre as estratégias de sobrevivência realizadas pela sua família. Então, Gabriel me conta as opções impostas aos judeus. Eram 3.

A 1ª opção era ir para o gueto, bairros e ruas, separados da cidade onde só judeus moravam, tiraram todo mundo e botavam os judeus. Mas, eles sabiam, também, que esses guetos eram temporários.

Rumores, que se espalhavam, contavam que, na verdade, o destino final eram os campo de concentração. O que acontecia nos campos de concentração ainda era segredo, entretanto os judeus sabiam que coisa boa, não era. Os guetos funcionavam como uma espécie de parada forçada antes dos campos.

A segunda era se esconder com amigos não judeus, as famílias cristãs. Mas, era muito difícil, porque se fossem descobertos, as pessoas que escondiam os judeus seriam imediatamente torturados e mortos, não só os que esconderam, mas também seus familiares. Gabriel diz:

A quem podíamos pedir para nos ajudar? Sabendo o tamanho risco que eles estavam correndo. Também a questão da confiança, podíamos pedir e depois o que aconteceria? Então, confiança também é uma parte importante

A terceira era (Gabriel diz que só viu isso acontecer em Budapeste) os países neutros podiam alugar prédios que eles colocavam sobre proteção consular

Segundo o sobrevivente, os países neutros eram, a Suíça, a Suécia, a Espanha e o Vaticano. Eles podiam alugar ou comprar casas, por nas casas um representante do consulado e emitir salvo-condutos. Essa foi a opção tomada pela mãe de Gabriel.

Primeiro, foram para uma casa da Suíça. Mas, como os soviéticos já haviam adentrado na Hungria, as leis não tinham mais o mesmo valor. Então, Gabriel nos conta, que as decisões eram tomadas pelo “senhores da guerra”.

Por esse motivo, as casas da Suécia, da Suíça e do Vaticano eram raramente respeitadas. Entretanto, a Espanha tinha mais respaldo em meio aos nazistas, isso acontecia porque a Espanha era o único país neutro que reconhecia o estado nazista da Hungria.

Gabriel, nesse momento, revela uma sensação paradoxal com a situação. Ele sente repulsa pelo que representa a ditadura espanhola e raiva pelo reconhecimento do estado nazista da Hungria. Entretanto, se não fossem estas circunstâncias, diz ele, “eu não estaria vivo”.

Isso porque conseguiram um salvo-conduto para um prédio da Espanha. Ele conta que as condições dos prédios eram degradantes.

Uma casa que devia caber entre 40 e 50 pessoas, abrigava 300. Até para dormir, havia turnos que se revezavam.

Gabriel conta que até hoje não sabe como sua mãe deu conta de sobreviver a isso tudo. Não havia espaço sequer para sentar na hora dormir, era preciso se agachar e dormir encostado nos outros; comida quase não tinha. Também aconteciam batidas nazistas que alegavam haver salvo-condutos falsos e levavam judeus para campos de concentração.

Palavras que nenhuma mãe devia ouvir

Gabriel conta de uma mulher que trabalhava com sua família como empregada, antes da guerra, e apenas por causa dela eles conseguiam comer. Ela tinha um cartão de racionamento, dessa forma, conseguia levar comida para eles nos prédios da Espanha.

Mas, em um bombardeio, essa mulher quebrou o braço e não pôde mais levar comida para Gabriel e sua família. Ele conta que nessa época, sua mãe ouviu as palavras que mãe nenhuma deveria ouvir:

Mamãe estou com fome

O único consolo que a mãe de Gabriel podia lhe dar era uma massagem uma na barriga. Pensaram que iam morrer de fome, mas, felizmente, a moça se recuperou antes disso.

Mulheres judias húngaras e seus filhos após chegada ao campo de concentração em Auschwitz (maio / junho de 1944). Foto do Álbum de Auschwitz - Divulgação/Terra

Gabriel revela que, apesar da situação ser impossível de aguentar, eles aguentaram. Ele disse:

A gente, em época de crise, a gente aguenta muito mais do que imagina

Sobreviver é uma vitória

Perguntamos ao Gabriel qual ele considerava que era a sua maior vitória. Ele respondeu:

Em primeiro lugar, ter sobrevivido. Hoje, não tenho nenhum vislumbre de como foi possível aguentar aquele negócio de não poder dormir, por exemplo

Outra vitória que ele conta foi a sua adaptação e afirmação como pessoa em um país totalmente diferente, o Brasil. Ele conta:

Cheguei aqui no Brasil sem conhecer a língua, sem parente nenhum, não conhecia ninguém. Minha mãe teve que trabalhar desde o início. Não tinha escola, não podia ler, não tinha amigos e consegui me impor apesar disso tudo.

Aprendi português, fiz amizades, muitas inclusive, consegui ser um empresário de razoável sucesso.

Ele também conta que se juntou a StandWithUS e faz palestras em escolas, faculdades contra todo tipo de intolerância:

Seja racial, seja cor da pele, seja religião, seja étnica, seja orientação sexual, qualquer tipo de intolerância, para mim é absolutamente odiosa. Vejo nazistas e intolerantes levantando suas cabeças hediondas, para mim, é muito importante espalhar a mensagem do amor e da tolerância, isso que faço agora.

Vida depois do Holocausto

Gabriel fala sobre o regime comunista instaurado na Hungria. Ele afirma que há várias vertentes do comunismo e, segundo ele, a de Stalin é a pior de todas. 

Stalin era o ditador da União Soviética, ele impôs um comunismo duro, duro, duro mesmo. Era muito difícil de aguentar. Aguentamos durante 4 anos, pelo menos não matavam os judeus. Não mataram especificamente judeus, mas depois, não aguentamos mais.

A família de Gabriel saiu da Hungria e foi para Áustria, um país neutro na guerra fria. Para o Brasil eles vieram na década 50.

Aqui, Gabriel diz ter encontrado com a liberdade. Ele nunca fora chamado de judeu na forma pejorativa. Diz que “viveu e sentiu um clima humano, extremamente benéfico.”

No final da nossa conversa, ele conta de experiências que teve com pessoas ligadas ao nazismo, depois que chegou no Brasil. 

Essas situações aconteceram, pois, assim que ele chegou, falava bem o alemão, mas ainda não falava português. Por isso conheceu várias pessoas que colaboraram com o nazismo e transformou essas histórias em um livro chamado “Ingrid, a filha do comandante”, que será publicado em abril.

 

Por Tiago Vechi

Jornalista