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Dia em Memória às Vítimas do Holocausto: a história de um bom aluno

Conversamos com três sobreviventes do Holocausto. Veja as emocionantes histórias que compartilharam conosco.

Em 27/01/2024 00h01 , atualizado em 27/01/2024 09h28
Texto da imagem: Conversa com um sobrevivente . A história de Joshua Strul. Abaixo do texto há uma foto de Joshua Strul
Joshua Strul, romeno. Crédito da Imagem: Divulgação/StandWithUs
Ouça o texto abaixo!

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Hoje é o Dia Internacional de Homenagem às Vítimas do Holocausto. O Holocausto foi um projeto de extermínio empregado pelo Estado Nazista da Alemanha para cometer um genocídio contra o povo judeu.

Esta data foi escolhida por conta da libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz pelo exército soviético, em 1945.

Mais de 6 milhões de judeus foram mortos entre 1933 e 1945. Alguns conseguiram escapar da morte e se refugiaram em países de todo o mundo. Dentre as nações que o povo judeu procurou refúgio, está o Brasil.

A estimativa do Museu do Holocausto de Curitiba é que cerca de 25 mil judeus sobreviventes vieram para o Brasil. Alguns deles vivem até hoje e carregam a memória viva da política de morte empregada pelos ditadores nazistas europeus.

Conseguimos conversar com três destes sobreviventes que, hoje, moram em São Paulo e colaboram com uma ONG educativa que combate o antissemitismo, a StandWithUs Brasil.

Nos contaram suas histórias Joshua Strul, romeno de 90 anos; Gabriel Waldman, húngaro de 85 anos e Ariella Segre, italiana de 84 anos. Fizemos uma série com três textos em que contamos os relatos de cada um destes sobreviventes.

Agora, vamos falar sobre a história de Joshua Strul. Ele, ainda criança, conheceu a fome, o luto e quase foi levado para o campo de concentração mais cruel da história, Auschwitz, junto de sua família. 

Veja tudo que ele compartilhou conosco.

Joshua Strul. Divulgação: StadWithUs

O começo do fim, uma criança em meio ao caos 

Joshua, nos primeiros segundos de nossa conversa, começa a me dizer como é grato por ter sobrevivido ao holocausto e “não ser mais um, no balanço macabro de 1,5 milhão de crianças massacradas pelo único motivo de carregarem a estrela de Davi, por serem judias”.

Ao falar sobre as crianças mortas, Joshua relembra de seu irmão que morreu aos dois anos, em 1943, durante um inverno rigoroso da Romênia. O sobrevivente afirma que sua história, por mais pungente que seja, é só mais uma gota em comparação aos que foram enviados para os campos de concentração. 

Joshua nasceu em um lar judeu secular na cidade de Moinesti, distrito de Bacau, na Romênia, sobre sua infância, antes da guerra chegar ao seu país, ele diz:

Minha vida de criança era maravilhosa, eu brincava com qualquer outra criança da minha idade, jogava futebol e era um ótimo aluno. Frequentei as escolas judaicas.

Ele conta sobre as tradições educacionais judaicas e sobre a profissão de seu pai, comerciante de cereais. Diz que não sentia o antissemitismo antes da guerra, sua família tinha boa relação com os cristãos da cidade, inclusive os clientes do seu pai, eram, na maioria, não judeus.

Até então, uma infância comum e feliz.

Bucareste em1926. Estrada Alex Constantinescu (parte baixa da cidade) Créditos: Wikicommons 

Mas, em 1941, tudo mudou, Joshua diz se lembrar muito bem desta data. A Romênia foi invadida e seu mundo virou do avesso. Veja o relato:

Quando decretaram as leis raciais iguais  as da Alemanha e nomearam Ion Antonescu, um fascista e antissemita de carteirinha. O mundo da comunidade judaica virou um caos.

Me lembro muito bem do meu pai com minha mãe quando soube que aplicaram as draconianas leis raciais em que os judeus não tem direito, não tem nenhum privilégio. Éramos considerados humanos de segunda classe, perdemos todo nosso significado. 

Ele diz que seu pai era obrigado a por um aviso em cima da porta de sua loja, escrito:

Loja de Judeu, não comprem aqui.

Joshua, nesse momento, fala sobre as perseguições que acontecem aos judeus, ainda hoje, e diz que fica revoltado e triste com a permanência do antissemitismo. Então, ele fala sobre uma tradição judaica de pedir paz (Sahlom) três vezes ao dia, em orações matutinas, vespertinas e noturnas.

Após a breve reflexão, ele volta a contar sobre a guerra. Quando a Alemanha Nazista invadiu a Romênia, as leis antissemitas foram impostas rapidamente.

Ele lembra de uma fatídica segunda-feira em que ele se arrumou todo para ir à escola e sua mãe quando o viu, o abraçou e disse:

Filho, você não pode mais ir à escola

Ele perguntou:

Mas, mamãe, sou um bom aluno, por que não posso ir estudar?

Sua mãe caiu em lágrimas e pediu auxílio aos céus e a Deus para tirar o povo judeu da situação em que viviam. 

Joshua, com 90 anos, diz que há feridas que ficam marcadas para toda a vida. 

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Perseguição aos judeus na Romênia Nazista

Joshua conta sobre quando Ion Antonescu chegou ao poder em seu país. O ditador era ultranacionalista e disseminava ódio aos judeus na rádio e na imprensa.

Os judeus eram culpados por tudo de ruim que acontecia na Romênia. Além da campanha de ódio, seus direitos foram todos retirados, foram considerados apátridas e começaram a ser expulsos do país.

Em 1942, judeus começaram a ser obrigados a carregar a “estrela amarela”, um símbolo de humilhação imposto aos judeus que os identificava, a fim de solidificar a segregação. Quem a carregava, cedo ou tarde, era sentenciado a morte.

Joshua diz que eles começaram a ser humilhados e xingados no meio da rua. Não havia mais lugar seguro.

Segundo a enciclopédia do Holocausto, cerca de 150.000 a 200.000 judeus foram mortos em áreas sob domínio romeno, durante o genocídio que esteve em curso na Europa.

Bucareste, Romênia - 11 de outubro de 2021: Imagem de profundidade de campo rasa (foco seletivo) com vítimas do Holocausto dentro do Memorial do Holocausto da Romênia. Créditos: Shutterstock / Mircea Moira

Justa entre as nações

Em 1941, legionários da Guarda de Ferro (movimento nazista romeno) planejaram um pogrom contra os judeus na cidade de Iasi. Pogrom é uma palavra russa usada para descrever ataques massivos contra grupos específicos, neste caso os judeus.

Os pogroms eram realizados pelas forças estatais (polícia e exército) juntamente com populares. Entretanto, uma mulher chamada Elisabeta Nicopoi, que não era judia, mas tinha vizinhos e colegas de trabalho judeus, ficou sabendo dos ataques que estavam por vir.

Ela descobriu ouvindo a conversa de seus vizinhos cristãos que comentavam sobre os ataques, prestes a acontecer. Ao saber do perigo, foi a casa de um de seus amigos judeus, Marcos Strul (primo de Joshua), avisou o homem, sua família, os vizinhos judeus e abrigou a todos em seu porão. 

Elisabeta protegeu em sua casa mais de 20 judeus, quando tinha apenas 21 anos. As pessoas ficaram escondidas por duas semanas, ela forneceu água e comida para todos. 

Neste pogrom, 4.330 judeus foram trancados em vagões que estavam no pátio do quartel-general da polícia. Mais da metade deles morreu sufocado ou de sede. 

Dias depois do pogrom, algumas das pessoas que ela salvou foram levadas para campos de concentração. Ainda assim, ela ia visitá-los para levar comida e roupas. Em uma dessas visitas, foi espancada e presa. 

Em 1949, após o fim da guerra, Elisabeta e Marcos Strul se casaram, mudaram-se para Israel em 1963. Ela foi homenageada com o título de “Justa entre as Nações” e faleceu em 2013.  

“Justo entre as Nações” é um título concedido pelo Museu Yad Vashem às pessoas não-judias que assumiram grandes riscos para salvar a vidas de judeus durante o Holocausto

Elisabeta Strul. Divulgação: Yad Vashem

Escapando de Auschwitz, as estratégias de sobrevivência

Joshua conta como sua família chegou perto de ser enviada para Auschwitz. Neste campo de concentração, mais de um milhão de pessoas foram mortas.

Em outubro de 1941, um decreto da Gestapo foi baixado em Moinesti. Por conta da cidade não ter linhas férreas, todos os judeus deveriam ser levados para outra cidade romena e seus bens serem completamente desapropriados.

Depois da expulsão, os judeus foram levados para uma cidade maior, que havia linhas de trem. Joshua conta que até chegarem lá, não sabiam o destino que iriam tomar.

Joshua e sua família foram levados para um campo de detenção, ele lembra da sujeira e da precariedade do local, lotado de percevejos e sem saneamento básico. Disseram que seriam pouco dias neste lugar, mas esse período se transformou em uma voraz luta pela sobrevivência.

Não era um campo cercado, era uma construção provisória, sem infraestrutura. No verão, o calor era insuportável, assim como o frio era, no inverno, estremecedor.

Joshua diz:

No campo, uma mísera migalha de pão era a diferença entre a avida e a morte

Ele também diz que muito de sua sobrevivência se deve aos esforços de sua mãe, uma exímia cozinheira. Ela trabalhava com faxina e na cozinha das casas cristãs, quando cozinhava para eles, cortava cascas grossas de batatas e cenouras para transformá-las em refeições para a sua família. 

Em uma manhã com a temperatura bem abaixo de zero, os judeus no campo de detenção foram acordados com barulhos e gritos de “judeus sujos”. Foram levados para a estação ferroviária, Joshua diz que viu um quadro sinistro: mulheres com bebês de colo gritando, meninos agarrados às mães, uma massa compacta de judeus na estação ferroviária cercada por soldados da Gestapo.

Indescritível 

Diz ele com a voz embargada.

Até hoje, Joshua se lembra do brilho dos coturnos pretos, em meio a neve. Rampas de madeira foram postas nas portas dos vagões de gado e os judeus foram sendo jogados, um a um, lá dentro.

Os cachorros dos soldados alemães rosnavam e latiam, fazendo um barulho ensurdecedor em meio a um frio de 30 graus abaixo de zero.

A família de Joshua (e ele) estavam na fila para embarcar, quando todos os vagões ficaram lotados. Vieram trazer mais compartimentos vazios, entretanto, por conta do frio extremo, não conseguiram acoplá-los.

Joshua, ouvindo o ronco da fome em sua barriga, chegou a dizer para sua mãe:

Mamãe, vamos para os vagões, que nos prometeram. Lá disseram que iremos trabalhar e nossa vida vai melhorar bastante

Mas, não foi possível acoplar novos vagões para levar mais judeus. Entre 80 e 100 pessoas ficaram para ser levadas na próxima convocação para os campos de concentração

Joshua diz que, por milagre, a outra convocação nunca veio, pelo menos, não a tempo de levá-los. Tempos depois, o exército soviético libertou sua cidade do regime nazista.

ROMÊNIA - 1952: Selo postal vermelho-alaranjado, representando o brasão de armas da União Soviética e da Romênia, sobretaxado em preto. Créditos: Shutterstock / World of Stamps

Vida depois do Holocausto

Joshua conta que foi estabelecido o regime comunista na Romênia, e que seus vizinhos e amigos da família os ajudaram a se reconstruir. Entretanto, sua família enfrentou grandes dificuldades, sua casa havia sido saqueada e a loja de seu pai tomada pelo governo. 

A família de Joshua não se acostumou com o regime comunista e foram parte para Israel e parte para o Brasil. Mesmo após o estabelecimento do estado de Israel, as guerras continuaram e Joshua perdeu mais um irmão, desta vez, em campo de batalha, aos 19 anos. 

Sua mãe, com medo de perder mais filhos, decidiu conversar com os parentes que vieram para o Brasil e veio com Joshua para cá. Aqui, Joshua conta que é muito grato ao povo brasileiro, que o recebeu de braços abertos.

No Brasil, ele diz ter sentido o verdadeiro gosto de liberdade. Joshua pôde professar sua fé livremente e constituiu uma família com quatro filhos, que, diz ele com voz alegre, vivem dignamente.

 

Por Tiago Vechi

Jornalista