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Dia da Vitória: veja histórias de um brasileiro que lutou contra as potências do eixo

Poucos conhecem a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial. Veja o que um veterano de guerra do Rio Grande do Norte tem a nos contar sobre o que viveu neste conflito.

Em 08/05/2024 07h44 , atualizado em 08/05/2024 08h02
Soldado segura a bandeira do Brasil no topo de um monte
O Brasil teve uma participação importante na 2ª Guerra Mundial Crédito da Imagem: Shutterstock
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O Dia da Vitória é comemorado hoje, 8 de maio. Pois, há 79 anos, a Alemanha nazista assinava sua rendição diante das tropas aliadas. 

Foram 6 anos de sangrentos combates para derrotar a sanha genocida de um ditador que tentou dobrar o mundo a sua máquina de guerra, que terminou derrotada. Essa vitória carrega o nome e o sacrifício de milhões de homens e mulheres que arriscaram suas vidas em defesa dos seus povos. 

Dentre esses nomes, há mais de 25 mil brasileiros que deixaram o conforto do lar nos trópicos para guerrear no frio da Itália, esses formaram a Força Expedicionária Brasileira, também conhecida como FEB. Um destes homens é o potiguar Severino de Souza, também chamado de Capitão Souza, fora elogiado por seus comandantes pelo sangue-frio, inteligência e coragem diante do calor das batalhas.

Hoje, aos 99 anos, vive em Recife e nos concedeu uma entrevista sobre suas experiências vividas na guerra.

Severino de Souza. Brasileiro que lutou na 2ª Guerra. Créditos: Acervo Pessoal

Convocação para guerra

Primeiro, procuramos entender qual foi a motivação que o levou a ir para a 2ª Guerra Mundial. O Capitão explica que ele ainda estudava quando a Alemanha invadiu a Polônia, já neste momento, ele e seus colegas debatiam sobre o conflito e criavam um imaginário sobre a guerra.

À medida que os conflitos avançaram e os nazistas começaram a afundar navios brasileiros, Severino se sentiu motivado e se voluntariou para ir à guerra. Isso aconteceu em novembro de 1941, o futuro capitão não havia completado nem 20 anos. 

O ingresso dos brasileiros na guerra era visto como algo impossível, inclusive, o ditado era: “é mais fácil uma cobra fumar que o Brasil entrar na guerra”. Bom, seguindo o espírito irreverente do nosso povo, escolheu-se o símbolo das tropas brasileiras, uma cobra fumando:

Símbolo da FEB. Créditos: Shutterstock

O que pensavam os brasileiros a caminho da guerra?

Severino nos conta que o sentimento de brasilidade era muito forte, a educação nas escolas incutia uma sensação de nacionalismo nos alunos desde cedo. Do ponto de vista do Capitão Souza, a motivação de ir à guerra era uma paixão pelo país.

Ele, inclusive, faz uma metáfora com outra paixão comum aos brasileiros, o futebol. Severino disse:

O Brasil era Brasil e era nosso. Então, nós éramos explicitamente patriotas, assim, como estudantes… Como quem torce pelo Vasco, como eu torço, aí, eu torcia pelo Brasil, independentemente do conflito, né!?

Ele também diz que, após ser convocado, as sensações pelo Brasil se intensificaram. Veja Severino, ainda jovem, mas já com as roupas de ir à guerra:

Capitão Severino de Souza na década de 40. Créditos:Arquivo pessoal

Relacionamento dos brasileiros com os aliados

Para entrar na 2ª Guerra Mundial, o exército brasileiro foi incorporado aos regimentos do exército estado-unidense. O Capitão Souza nos contou alguns relatos da convivência entre os brasileiros e os soldados de outras nacionalidades.

Ele cita um episódio que aconteceu na Itália. 

Em determinado momento, na fase do inverno, tive, como prêmio, uma dispensa para ir à Roma. Juntamente comigo, é claro, tinha um contingente enorme de tropas americanas, inglesas, canadenses e etc.

Nós viajamos de trem. Em uma estação, estavam vendendo uvas; um soldado americano (dos mais atrevidos) pulou quando o trem estava parado na estação, pulou a janela, foi lá e comprou um bocado de uvas, trouxe e nós o puxamos de volta para o vagão.

Ele distribuiu, como presentes, as uvas. Ao invés de dirigir-se diretamente a outros americanos, o primeiro punhado de uvas que ele entregou foi a mim, como brasileiro. Então, havia, sim, um relacionamento cordial.

Severino ainda nos conta outra história, que aconteceu após o fim da guerra, mas ainda na Itália. O brasileiro saiu para dar um passeio e foi a um bar com 4 companheiros, nesse lugar, havia soldados de vários países diferentes. Ele pediu um vinho ao garçom, de repente, um militar inglês (povo conhecido por ser reservado) foi até a mesa dos brasileiros com uma garrafa de vinho e serviu os copos de todos.

Em retribuição, os brasileiros pagaram outro vinho e petiscos aos soldados aliados. Logo mais, estavam todos sentados juntos e compartilhando histórias. 

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O Capitão conta que o relacionamento era bom entre as tropas, apenas os ingleses que eram mais resguardados, mas, sem grandes conflitos. Salvo alguns episódios que um ou outro soldado exagerava no vinho e acabava por criar intrigas, mas nada que fosse levado a sério, segundo Severino.

Capitão Souza (à esquerda) com família italiana. Créditos: Acervo Pessoal

Segregação racial nas tropas aliadas 

O exército brasileiro foi o único a participar da guerra sem uma segregação racial oficial. Negros e brancos lutavam lado a lado, diferentemente do exército dos Estados Unidos, por exemplo, que tinha unidades de brancos separadas das unidades formadas por negros. O mesmo acontecia em outros países aliados.

Perguntamos, também, ao Severino, sobre este aspecto, como ele sentia as relações raciais dentro das tropas brasileiras em comparação às tropas estrangeiras. O Capitão Souza revela que o contato com as tropas americanas escancarou a diferença entre os dois países.

Ele se mostravam, os brancos (estado-unidenses), um tanto reservados, assim e tal. De modo que, a gente percebia perfeitamente, basicamente, a distinção permaneceu. Aos poucos foi arrefecendo, e ao final da guerra, já não havia.

Mas, houve de tal modo isso que os soldados pretos foram retirados da frente de combate por que uma vez um batalhão da divisão Búfalo, que era a divisão negra americana, abandonou o front e disse “é uma guerra dos brancos”. Foi uma espécie de protesto contra o racismo americano.

Severino nos diz que a FEB contribui muito para que os estado-unidenses revissem a sua postura quanto a políticas raciais.

Capitão Souza (ao meio) jogando cartas no Hospital de Evacuação

Como o Brasil recebeu os expedicionários após a guerra?

Procuramos entender como foi a recepção dos pracinhas ao retornarem da guerra. Severino conta sobre uma contradição que eles viveram:

Nós chegávamos de volta ao Brasil e encontrávamos o quê? No poder, no governo, estava exatamente um ditador e nós fomos para a Europa, fomos para a Itália, defender o quê? A democracia. Então, começou a surgir, entre oficiais e sargentos, a ideia de que isso não era possível.

Quer dizer, saí daqui pôr a vida pela democracia e ao voltar ao meu país, encontro um ditador, Getúlio Vargas... Embora, com o coração grande, um bom gaúcho, mas era um ditador.

Nessa contradição, começou a germinar uma revolta com o regime ditatorial varguista dentro do exército brasileiro. Severino conta de conversas que os soldados brasileiros tinham, ainda na Itália, em que comentavam que não podiam voltar ao Brasil e encontrar com um ditador, era preciso mudança. A consciência das tropas brasileiras da FEB por democracia se intensificou na 2ª Guerra.

Por fim, o Capitão Souza nos agradece a entrevista e diz:

Eu não me considero ainda liberado da missão de termos, neste país, uma democracia, um Brasil progressista, um Brasil de todos os brasileiros. Para mim, é crucial, é importante que haja isso, que haja, de fato, um Brasil.

Conversa com o Capitão Souza via Google Meet

Severino diz que foi esta missão que o fez participar da entrevista, ainda que retornar às memórias da guerra seja doloroso.

 

Por Tiago Vechi

Jornalista

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