PUBLICIDADE
O renascimento comercial e urbano aconteceu na passagem da Alta Idade Média para a Baixa Idade Média. Esse processo resultou em grande crescimento comercial, adormecido desde a desagregação do Império Romano do Ocidente, e em grande crescimento urbano. O renascimento em questão está diretamente relacionado com os avanços técnicos que permitiram maior produção agrícola e impulsionaram um crescimento populacional.
Leia mais: A chegada dos normandos (século IX) contribuiu para o isolamento da Europa medieval
Tópicos deste artigo
Contexto
A Europa passou por diversas transformações que resultaram em grande crescimento populacional, urbano e comercial. Essa Europa com população reduzida, comércio enfraquecido e cidades pouco habitadas foi consequência direta da desagregação do Império Romano do Ocidente e do estabelecimento dos povos germânicos na Europa Ocidental.
As transformações disso resultaram em pestes, guerras e fome, traduzidas em morte. A falta de segurança levou as pessoas a mudarem-se para as zonas rurais a fim de aproximar-se dos locais produtores de alimentos e buscar refúgio junto de algum nobre. Esse fechamento em torno das zonas rurais deu surgimento à feudalização da Europa, enfraquecendo a troca comercial.
Esse quadro manteve-se até o século X, e as mudanças podem ter tido como ponto de partida os avanços técnicos na produção agrícola. Esses avanços garantiram um aumento considerável na produção, com o historiador Hilário Franco Júnior afirmando que, durante a Baixa Idade Média, cada semente plantada resultava, em média, em 5,5 grãos de centeio, 4 grãos de trigo e 3 grãos de aveia|1|. Com base nesse cenário é que tivemos as diversas transformações que originaram o crescimento urbano e comercial.
Leia mais: Os principais acontecimentos da Idade Média nos séculos V e X
Renascimento urbano
Como mencionado, o renascimento urbano tem relação direta com o aumento da produção agrícola. Esse aumento, além de ser resultado de melhorias técnicas, adveio de uma melhora na temperatura geral na Europa que garantiu mais terras para serem cultivadas. Com mais alimento disponível, a população europeia aumentou significativamente.
Assim, no ano 600, a população da Europa Ocidental, que era de 16,3 milhões, saltou para 22,1 milhões, no ano 1000, segundo dados trazidos por Hilário Franco Junior|2|. O historiador francês Jacques Le Goff, por sua vez, traz dados que afirmam que, no ano 600, a população europeia era de 14,7 milhões, enquanto que, no ano 1000, ela havia saltado para 22,6 milhões|3|.
Esse crescimento populacional refletiu diretamente no crescimento urbano na Europa Ocidental, uma vez que muitos servos fugiam dos feudos que habitavam para escapar das obrigações impostas. Esse crescimento urbano fez com que os núcleos da cidade fossem expandidos para além de suas muralhas, formando os burgos.
Além disso, o crescimento urbano promoveu uma diversificação das atividades econômicas, uma vez que uma série de ofícios começou a surgir para atender as demandas internas da cidade. Com o crescimento citadino, o poder também foi transferido, dos bispos, para os habitantes dos burgos cada vez mais ricos e influentes, os burgueses.
O renascimento urbano também tem relação direta com o renascimento comercial, pois as demandas do primeiro âmbito permitiram o fortalecimento do segundo, e o estabelecimento de comerciantes nos arredores das cidades, para atender as demandas das cidades, atraía pessoas e intensificava o aumento populacional urbano na Europa.
O crescimento urbano, por sua vez, não pode ser enxergado de maneira exagerada, uma vez que, no século XII, a população das cidades representava apenas 20% de toda a população na Europa Ocidental, que seguia, portanto, como um mundo majoritariamente ruralizado. Algumas cidades europeias, porém, possuíam população significativa, como Paris, com 200 mil habitantes em 1300; já Florença e Veneza possuíam população superior a 100 mil habitantes na mesma época|5|.
Acesse também: Valdenses: grupo herético excomungado pela Igreja na Idade Média
Renascimento comercial
O renascimento comercial, como mencionado, também está relacionado com o aumento da produção agrícola e o crescimento urbano. Esse aumento na produção garantiu um excedente que poderia ser comercializado. A atuação dos comerciantes itinerantes nesse contexto contribuiu significativamente para a circulação de mercadorias.
No entanto, as dificuldades na locomoção pela quantidade de estradas ruins, os perigos da vida itinerante e as dificuldades monetárias empurraram muitos comerciantes para a sedentarização. Eles instalaram-se nos arredores das cidades, os burgos, porque ali havia uma demanda constante de mercadorias dos mais variados tipos.
A princípio, o comércio instalado próximo às cidades tinha enfoque na venda de mercadorias de luxo ou itens de primeira necessidade, como sal, segundo Jacques Le Goff|6|. Só com o passar do tempo é que a variedade de produtos começou a incluir itens básicos, como os grãos do excedente da produção.
O excedente que passou a ser comercializado deu um grande impulso para o comércio marítimo na região do mediterrâneo, sobretudo porque cidades como Veneza e Gênova eram compelidas à navegação pela proximidade do mar. O comércio mediterrâneo teve um impulso considerável com o início das Cruzadas — acontecimento que abriu o comércio oriental para os comerciantes italianos.
O desenvolvimento no comércio utilizando-se a navegação como meio de transporte deu surgimento a dois importantes polos comerciais: um dominando pelos italianos, ao sul, e outro dominado pela chamada Liga Hanseática, ao norte. As feiras de Champagne, na França, eram o ponto de encontro entre os comerciantes desses dois polos. Elas estendiam-se por todo ano em Lagny, Bar-sur-Aube, Provins e Troyes.
Apesar desse ponto de encontro em Champagne, as estradas, como referido, eram locais perigosos para os comerciantes. Sendo assim, o contato entre os italianos e a Liga Hanseática dava-se, principalmente, por mar, em rotas que ligavam a Itália à Bélgica e Inglaterra. Os comerciantes medievais ainda abriram importantes rotas que os levaram ao Oriente, incluindo a Palestina e o Egito, à região dos países bálticos e até mesmo à região da atual Rússia, na época, ocupada pela Rus Kievana.
Não podemos esquecer que o renascimento comercial trouxe uma demanda que, havia muito, estava enfraquecida: o uso da moeda. O crescimento comercial fez com que comerciantes e compradores precisassem das moedas, uma vez que o escambo era inviável em alguns casos. No século XIII, uma série de regiões na Europa já possuía suas próprias moedas cunhadas.
O renascimento comercial abriu caminho para o encarecimento das mercadorias, e Jacques Le Goff afirma que se o frumento (qualquer tipo de grão) custava índice 100 (medida de valor criada por ele como exemplo) entre 1160-1179, alguns séculos depois, no período entre 1320-1339, o mesmo frumento custava 289,7. Os salários, por sua vez, não acompanharam esse aumento significativo.
Notas
|1| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: o nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 39.
|2| Idem, p. 24.
|3| LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 56.
|4| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: o nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 23.
|5| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 147.
|6| LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 69.
Créditos da imagem
[1] A. Aleksandravicius e Shutterstock
Por Daniel Neves
Professor de História