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O mês de maio de 1968 ficou internacionalmente conhecido por ter sido um período de efervescência social que se iniciou a partir de protestos estudantis em Paris. Esses protestos alastraram-se pelo país e chegaram a abalar a ordem da Quinta República Francesa (iniciada em 1958). O movimento de maio de 1968 também ficou internacionalmente conhecido por ter motivado a continuidade de movimentos revolucionários em outras partes do mundo.
Tópicos deste artigo
Antecedentes
As manifestações e agitações sociais da França em maio de 1968 estão inseridas dentro de um contexto global extremamente tenso. Ideais revolucionários atuavam em diversas partes do mundo. Um primeiro destaque pode ser feito para a Guerra do Vietnã, travada entre EUA e os norte-vietnamitas de 1959 a 1975.
A Guerra do Vietnã, em 1968, encontrava-se exatamente em sua fase mais violenta, iniciada com a Ofensiva do Tet. Essa ofensiva foi organizada pelos exércitos norte-vietnamitas com o objetivo de forçar a retirada das tropas americanas. Apesar de ter sido um fracasso militar, foi a responsável por criar uma imagem extremamente negativa do governo dos EUA.
As imagens dos combates e das violências cometidas pelas tropas americanas espalharam-se pelo mundo e motivavam protestos tanto nos EUA quanto na Europa. Além disso, em abril de 1968, Martin Luther King foi assassinado. Sua morte provocou inúmeras revoltas nos EUA e, claro, também se refletiu nos grupos estudantis da França.
Outro evento importante que estava em curso desde o início de 1968 e que repercutia nos meios estudantis franceses eram os acontecimentos da Primavera de Praga. Na extinta Checoslováquia acontecia uma tentativa do governo de realizar reformas no país no sentido de romper com o autoritarismo imposto pelos soviéticos. Os acontecimentos em Praga eram acompanhados de grande mobilização estudantil.
Por fim, vale o destaque para a luta armada revolucionária que estava em curso nos países sul-americanos contra as ditaduras militares instaladas em diversos países, além da luta revolucionária que era travada no continente africano, que estava em seu processo de descolonização. Esses movimentos revolucionários repercutiam bastante nos movimentos estudantis franceses, que eram muito influenciados pelo marxismo trotskista e maoista.
Todo esse contexto colocava os grupos estudantis franceses em um grande estado de efervescência, que acabou tendo o seu gatilho acionado com reformas propostas pelo governo francês para o sistema educacional do país.
Eventos de maio de 1968
O maio de 1968 iniciou-se a partir das mobilizações realizadas por estudantes franceses na Universidade Paris, em Nanterre (região metropolitana de Paris). O fortalecimento do movimento estudantil na França (e no mundo) está diretamente relacionado com o aumento no ingresso de jovens na Universidade. Esse fenômeno tem relação com o desenvolvimento da Europa Ocidental no pós-guerra.
A sociedade francesa vivia um período de aparente calma após o fim da guerra travada na Argélia, mas, ainda assim, existiam tensões evidentes que repercutiam na sociedade. Entre os estudantes existia uma insatisfação com as incertezas de sua vida profissional e pelas características do ensino francês, enxergado como antiquado. Entre os trabalhadores, existia insatisfação por causa do aumento do desemprego no país.
Nas universidades francesas, os estudantes organizavam-se em grupos, que eram consideravelmente influenciados pelo marxismo de orientação trotskista e maoista (o stalinismo sofria fortes críticas nesse momento). No caso de Nanterre – onde tudo se iniciou – a agitação já acontecia bem antes de maio. Em março de 1968, Michel Thiollent destacou que já havia manifestações em curso |1|.
Em uma visão mais ampla, as manifestações estudantis na França aconteciam esporadicamente desde 1966. Michel Thiollent resume as razões da insatisfação estudantil no período:
De modo geral, entre os principais temas de contestação universitária, destacam-se: a recusa do caráter classista da universidade; a denúncia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber; a denúncia da parcelização e tecnocratização do saber; a contestação dos cursos ex cathedra; a denúncia dos professores conservadores ligados à política do governo; o questionamento do lugar que, na divisão capitalista do trabalho, os diplomados irão ocupar; a denúncia da escassez de possibilidade de empregos qualificados [...]|2|.
O início das manifestações ocorreu em 2 de maio de 1968, quando os estudantes iniciaram um protesto contra a decisão de realizar a separação dos alojamentos de homens e mulheres em Nanterre (atualmente uma das treze unidades da Universidade de Paris). Os estudantes envolvidos nos protestos foram ameaçados de expulsão pela administração da universidade e, no dia seguinte, novos protestos aconteceram.
A manifestação organizada pelos estudantes no dia 3 de maio de 1968 foi duramente reprimida. A administração da universidade autorizou que a polícia interviesse na situação, e o confronto foi violento. Os relatos afirmam que os policiais incendiavam carros como estratégia de criar uma imagem negativa do movimento, e os estudantes respondiam aos ataques lançando paralelepípedos |3|.
Após isso, os protestos espalharam-se por outras universidades francesas e chegou a locais importantes, como Sorbonne (unidade mais importante da Universidade de Paris). Os protestos tornaram-se cada vez mais violentos e espalharam-se pelas ruas de Paris. Barricadas começaram a ser construídas nas ruas e o número de presos e feridos – fruto da repressão policial – aumentou bastante.
O movimento que se iniciou exclusivamente estudantil alastrou-se para as classes trabalhadoras, que passaram a exigir melhorias nas suas condições de trabalho. Os trabalhadores convocados pelos sindicatos começaram a invadir os seus locais de trabalho e iniciaram uma greve. A mobilização dos trabalhadores na França foi tão grande que os historiadores falam que cerca de dez milhões de trabalhadores aderiram à greve.
Os protestos organizados pelos estudantes também ficaram marcados por frases de ordem que eram pichadas nas paredes das universidades. Frases como “Proibido proibir”, “Deus está morto, Marx está morto e eu mesmo não ando me sentindo muito bem” e “Sejam realistas, peçam o impossível” tornaram-se mundialmente conhecidas.
A mobilização estudantil e dos trabalhadores na França em maio de 1968 resultaram em melhorias nas condições de trabalho. No final de maio, foi decretado pelo governo francês um aumento de 35% do salário-mínimo e, com isso, a agitação dos trabalhadores foi perdendo sua força, as greves foram sendo abandonadas e a normalidade foi retomada com os trabalhadores ocupando novamente seus postos de trabalho.
As manifestações também exigiam a renúncia do presidente Charles De Gaulle. Apesar da sua grandeza, as manifestações de maio de 1968 não conseguiram mobilizar força política suficiente para derrubar o partido do presidente, que saiu vitorioso em eleição realizada em junho de 1968 com mais de 40% dos votos (Charles De Gaulle, no entanto, renunciou em 1969). A respeito desse fracasso de maio de 1968 em motivar mudanças políticas, Eric Hobsbawm afirma:
O motivo pelo qual 1968 (com seu prolongamento em 1969 e 1970) não foi a revolução, e jamais pareceu que seria ou poderia ser, era que apenas os estudantes, por mais numerosos e mobilizáveis que fossem, não podiam fazê-la sozinhos. A efetividade política deles estava em sua capacidade de agir como sinais e detonadores para grupos maiores mas que se inflamavam com menos facilidade. A partir da década de 1960, tiveram alguns êxitos nessa atuação. Provocaram enormes ondas de greves operárias na França e Itália em 1968, mas, após vinte anos de melhoria sem paralelos para os assalariados em economias de pleno emprego, revolução era a última coisa em que as massas proletárias pensavam|4|.
|1| THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Para acessar clique aqui.
|2| Idem nota 1.
|3| Idem nota 1.
|4| HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 293.
*Créditos da imagem: Kiev.Victor e Shutterstock
Por Daniel Neves
Graduado em História