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Madagáscar é uma ilha localizada na costa sudeste africana, na região também conhecida como África Oriental. Durante o século XIX, o país tornou-se alvo da ambição colonial francesa e foi progressivamente absorvido e transformado em uma colônia da França. O domínio francês destituiu o governo vigente, formado pelo primeiro-ministro Rainilaiarivony e pela rainha Ranavalona III, e provocou a reação de inúmeros movimentos de resistência popular.
Madagáscar no século XIX
O Reino de Madagáscar teve sua soberania ratificada em 1820, a partir do Tratado Anglo-Merina feito com os britânicos. Esse tratado declarou Radama I como rei de Madagáscar e garantia à ilha da África Oriental uma representatividade no cenário internacional. Entretanto, esse acordo somente foi reconhecido pelos franceses, desejosos em manter seus privilégios econômicos em Madagáscar, em 1862.
Em 1864, Rainilaiarivony assumiu o cargo de primeiro-ministro e, percebendo as ambições francesas em Madagáscar, tratou de iniciar um processo modernizador no país, que tinha como objetivo garantir a soberania da ilha. O relato abaixo traz algumas das medidas modernizadoras implantadas por Rainilaiarivony:
Em 1877, o governo real libertou os escravos masombika trazidos do continente, prevendo sua instalação em terras para eles alocadas. Em 1878, reorganizou a justiça, daí em diante confiada a três tribunais, que procederiam à instrução dos processos, ficando a decisão com o primeiro-ministro. Em 1881, foi promulgado “o Código dos 305 artigos, legislação inovadora que abrange ao mesmo tempo o direito civil, o direito penal e o processo”. Todas essas medidas, além de outras, mostram a vontade de Rainilaiarivony de “modernizar” o país, transformando-o num “Estado civilizado” à face da Europa|1|.
Atritos com a França
Na década de 1860, os franceses haviam assinado um acordo com o governo malgaxe (termo usado para referir-se a tudo que tem origem em Madagáscar) no qual reconheciam a soberania de Madagáscar e abandonavam as pretensões territoriais sobre o reino. No entanto, apesar do tratado, o que se viu a partir da década de 1870 foi o aumento do interesse francês que acabou resultando na colonização de Madagáscar.
A mudança na política da França em relação à ilha malgaxe deu-se a partir do lobby realizado pela elite colonial da ilha de Reunião, que tinha como interesse fazer uso dos entrepostos comerciais e dos recursos naturais presentes em Madagáscar. Além disso, era interesse dessa elite colonial enviar para a ilha vizinha o excesso populacional existente em Reunião, o que somente seria alcançado com a colonização de Madagáscar.
Assim, foi desenvolvida uma propaganda colonial – assim como muitas outras que aconteceram em diferentes partes da África – que evocavam os interesses coloniais em Madagáscar como uma “missão civilizatória”, com a finalidade de promover o desenvolvimento do país. Além disso, Madagáscar era apresentado como um “'Estado bárbaro', dirigido por uma 'tribo estrangeira', que erigira a 'tirania em sistema de governo' e continuava a praticar o tráfico de escravos”|2|.
O lobby colonial promovido contra Madagáscar, e iniciado pela elite colonial de Reunião, foi apoiado pela direita católica francesa, interessada em conter o avanço do protestantismo nas elites econômicas existentes na ilha. Além disso, políticos republicanos franceses passaram a defender de maneira cada vez mais aberta a possibilidade de novas conquistas coloniais por parte da França.
O renovado interesse colonial da França em Madagáscar levou a uma série de atritos entre os dois governos por questões econômicas e comerciais, com os franceses exigindo pesadas indenizações. Rainilaiarivony, percebendo as intenções francesas, passou a comprar armas e munições para garantir a defesa da ilha.
Para conseguir pagar as indenizações exigidas pelos franceses e garantir a compra de armas, o primeiro-ministro precisou aumentar os impostos, o que provocou o crescimento da impopularidade do seu governo. Sentido-se ameaçado, o governo malgaxe buscou apoio internacional para sua soberania, porém suas missões diplomáticas fracassaram.
Sem apoio internacional, Madagáscar foi atacado pela marinha francesa em Majunga, em maio de 1883, o que deu início à primeira guerra franco-merina (o termo “merina” faz referência à Imerina, região central de Madagáscar onde se localiza a capital Antananarivo). A guerra entre malgaxes e franceses estendeu-se até 1885, quando foi assinado um cessar-fogo.
Como consequência da guerra, Madagáscar foi obrigado a pagar aos franceses uma indenização de 10 milhões de francos. Para pagar a dívida, o governo malgaxe precisou contrair empréstimos bancários, os quais sufocaram a economia do país e iniciaram uma grave crise econômica que desestabilizou o governo de Rainilaiarivony.
A instabilidade do governo malgaxe, aliada à crise econômica, levou a uma onda de banditismo em diversas regiões de Madagáscar. A crescente desordem interna foi utilizada pelos franceses como pretexto para alcançar os seus objetivos e, assim, anexar totalmente o país e transformá-lo definitivamente em colônia francesa.
A partir de 1894, foi iniciada a segunda guerra franco-merina que acabou por consolidar o domínio francês sobre Madagáscar. A nova guerra foi rapidamente vencida pelos franceses, pois o governo de Rainilaiarivony estava notoriamente enfraquecido, e os exércitos malgaxes, despreparados e desmotivados, foram rapidamente derrotados. Em 1895, o poder dos franceses em Madagáscar estava “consolidado”.
Resistência popular
Apesar da impopularidade do governo de Rainilaiarivony entre a população de Madagáscar, o domínio dos franceses não foi bem recebido, e movimentos de resistência surgiram em diferentes partes do país. Muitos desses movimentos estavam aliados com o desejo popular de romper com as transformações em curso na sociedade malgaxe e de promover um resgate das tradições locais.
O primeiro movimento popular de resistência malgaxe aconteceu em novembro de 1895, com o levante de Amboanana que deu início ao Menalamba, nome pelo qual ficou conhecida essa rebelião. O nome do movimento faz menção à cor vermelha da roupa dos rebeldes que era manchada de terra como forma de camuflagem.
O movimento Menalamba lutava contra a oligarquia local, taxando-os de culpados pela derrota do país para os franceses. Além disso, os Menalamba atacavam missionários estrangeiros e malgaxes convertidos ao cristianismo e defendiam a restauração do culto tradicional e ancestral da região conhecido como sampy.
A repressão colonial aos Menalambas, aliada à falta de organização do movimento, fez com que essa rebelião, assim como muitas outras, fosse derrotada pelos franceses. Outros movimentos rebeldes surgiram em Madagáscar contra o domínio francês nas décadas de 1900, 1910 e 1920. A colonização francesa em Madagáscar teve fim somente em 1960.
|1| ESOAVELOMANDROSO, Manassé. Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais. In.: BOAHEN, Alber Adu (ed.). História Geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010, pp. 255-256.
|2| Idem, p. 255.
*Créditos da imagem: Wikimedia Commons e William John Edmonds
Por Daniel Neves
Graduado em História