PUBLICIDADE
Que o uso da ciência e da tecnologia foi imprescindível para o desenvolvimento das guerras modernas (conflitos que se desencadearam no mundo sobretudo após o advento da Revolução Industrial, no século XVIII) é fato cabal. No entanto, o fato de a mesma ciência e a mesma tecnologia serem capazes de levar a humanidade à extinção, até o início dos anos 1930, constituía uma hipótese que só era abordada pela ficção científica. O fato é que essa hipótese começou a se tornar viável a partir da combinação das equações de Einstein sobre a teoria da relatividade com os experimentos sobre radioatividade, levados a cabo por pesquisadores como o casal Marie e Pierre Curie. A associação entre esses dois campos conduziu um pesquisador, em especial, a elaborar teses sobre a possibilidade da invenção de uma bomba atômica. Esse pesquisador era o húngaro Leo Szilard.
Szilard era um físico de renome que chegou a tentar desenvolver uma ampla pesquisa, com Albert Einstein, sobre o sistema de refrigeração caseira. Todavia, foi o terreno da fissão nuclear e a consequente liberação de energia desse processo que atraíram o húngaro. Entre 1923 e 1932, Szilard trabalhou como professor e pesquisador na Universidade de Berlim, Alemanha. Do mesmo modo que muitos de seus colegas, Szilard viu a ascensão do nazismo nesse país e decidiu ir para a Inglaterra. A saída de Szilard ocorreu em um momento em que ele trabalhava intensamente na possibilidade de manipular artificialmente a energia liberada pela estrutura nuclear do átomo, isto é, conseguir o “segredo da bomba atômica”. Como diz o pesquisador P. D. Smith, em seu livro Os homens do fim do mundo – o verdadeiro doutor fantástico e o sonho da arma total, a respeito da relação do físico húngaro com a física austríaca Lise Meitner, uma das responsáveis pela descoberta do processo de fissão do átomo:
Em 1932, Szilard contatou Lise Meitner no Instituto Kaiser Wilhelm de Química, em Dahlem, a propósito de uma colaboração em experimentos nucleares. Embora os dois tivessem trabalhado juntos como professores, Meitner tinha dúvidas sobre se os conhecimentos de Szilard no campo da estatística e da teoria das probabilidades o credenciavam como parceiro adequado para as tentativas que ela vinha desenvolvendo no sentido de decifrar a estrutura do núcleo atômico. É interessante especular sobre o que poderia ter acontecido se os dois tivessem realmente começado a trabalhar juntos em 1932. Em poucos meses, Szilard descobriria como usar o nêutron para liberar o poder do átomo. Mas nesse momento, com a chegada do fascismo, Szilard deixava a Alemanha, indo para a Inglaterra. Se ele tivesse permanecido, é possível que a Alemanha, e não os Aliados, houvesse descoberto o segredo da bomba atômica. [1]
A ascensão do nazismo, entretanto, impediu que Szilard participasse da referida descoberta sobre a fissão, que foi efetuada pelo grupo de outro físico, Otto Hahn, em 1938. Todavia, a descoberta de Hahn só contribuiu para aumentar a obsessão de Szilard de construir uma arma com tal tecnologia. Da Inglaterra, Szilard deslocou-se para os Estados Unidos, onde conheceu o italiano Enrico Fermi, em Chicago, no início dos anos 1940. Fermi foi o responsável pela construção do primeiro reator nuclear, chamado de CP-1, uma estrutura de seis metros de altura por oito de largura que comportava 57 camadas de blocos de grafite talhados à mão. A cada fila de grafite maciço, seguia outra com grafites perfurados, nos quais estavam inseridos lingotes do elemento químico Urânio. A invenção de Fermi entusiasmou ainda mais Szilard, que começou a trabalhar com o físico italiano no sentido de manipular melhor as reações atômicas.
Ao tempo em que desenvolvia suas pesquisas, Szilard preocupava-se, também obsessivamente, com o desenvolvimento da Segunda Guerra e com a possibilidade de os nazistas, que ainda estavam de posse de alguns dos melhores físicos europeus da época, conseguirem ser os primeiros a inventarem uma bomba à base de fissão atômica. Essa hipótese levou Szilard a tentar convencer as autoridades militares e políticas dos Estados Unidos a desenvolverem um programa de construção da bomba atômica. Szilard chegou a persuadir Albert Einstein a assinar uma carta, com ele, para que fosse realizado tal programa. O então presidente dos EUA, F.D. Roosevelt, achou oportuno e estratégico acatar o pedido de Szilard e autorizou a criação do programa, que foi batizado de Projeto Manhattan. Os principais coordenadores do projeto foram o físico americano J. Robert Oppenheimer e o militar Leslie Groves.
O Projeto Manhattan, que contou com a colaboração de Szilard e Fermi, conseguiu em três anos construir um amplo complexo para exploração de minério, refinamento e enriquecimento em usina nuclear – tudo isso como forma de mobilização para a construção da bomba. Para Szilard, a ideia de uma arma nuclear deveria funcionar como um recurso de última instância, isto é, deveria existir apenas enquanto possibilidade de uso, apenas para demonstração de potência de destruição. O problema é que o uso ou não uso de uma arma como essa não dependia de físicos, mas, sim, dos atores políticos. Tão logo conseguiram fazer detonar o primeiro protótipo da bomba nuclear, chamado “Trinity”, no deserto de Los Alamos, Novo México, as autoridades americanas já pensaram em uma forma de intimidar a outra potência que vinha se sobressaindo na guerra, a União Soviética.
Ainda que sob forte protesto de Szilard, de Einstein e de outros cientistas, em agosto de 1945, os Estados Unidos detonaram duas bombas atômicas sobre o solo japonês, uma feita de Urânio, lançada sobre a cidade de Hiroshima, e outra, à base de Plutônio, na cidade de Nagasaki. O sonho da “arma total” como expressão de triunfo da ciência havia se realizado, mas os “monstros” que com ele foram despertados ainda rondam a humanidade.
NOTAS
[1] SMITH, P.D. Os homens do fim do mundo – o verdadeiro doutor fantástico e o sonho da arma total. Trad. José Viegas Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. pp. 230-31.
Por Me. Cláudio Fernandes