PUBLICIDADE
Ao longo de toda a história, sempre que houve ocasiões de guerras (e tais ocasiões estiveram presentes em quaisquer culturas, em todos os continentes do planeta), houve também as consequências delas derivadas. A pilhagem, isto é, a prática que os soldados vencedores tinham de espoliar, apropriar-se de bens materiais (cujo nome usual, em termos de guerra, é butim) de seus inimigos, esteve presente nas mais remotas civilizações. Frequentemente, entre o “espólio de guerra”, incluíam-se também as mulheres, que se tornavam escravas sexuais. Com o passar dos séculos, a prática da pilhagem, incluindo violação sexual de mulheres, foi sendo concebida (ao menos no mundo ocidental) como crime de guerra. Acontece que, mesmo com toda sofisticada legislação contra crimes de guerra que veio a ser gestada, a história das guerras modernas e, em especial, da Segunda Guerra Mundial mostra que o horror dos estupros em massa prosseguiu de forma ainda mais terrível.
A Segunda Guerra Mundial ficou caracterizada pela grande movimentação de tropas no continente europeu. Essas movimentações implicavam invasões e ocupações de vastos territórios, mas, sobretudo, de cidades e vilarejos bastante populosos. Sabemos que, diferentemente das guerras aristocráticas dos séculos XVIII e XIX, a população civil foi duramente massacrada e vilipendiada durante as duas guerras mundiais por tropas invasoras. As mulheres jovens, claro, eram alvos do apetite sexual imoderado e cruel dos soldados.
No caso específico da Segunda Guerra, os casos mais gritantes de abusos sexuais foram cometidos na Europa por tropas alemãs e soviéticas. Não que esse tipo de crime não fosse cometido por outros exércitos, mas, no caso dessas duas nações à época, os estupros coletivos eram tolerados e até estimulados em alguns casos. Os nazistas, como é sabido, transformavam as mulheres judias, polonesas e holandesas em escravas sexuais antes que fossem mortas. A concepção eugenista e racista dos alemães nessa época dava sustentação a ideia de que essas mulheres não passavam de entidades subumanas, de objetos, grosso modo.
Já o caso soviético foi ainda mais complexo. É sabido que as tropas do Exército Vermelho aliaram-se às forças ocidentais contra as Potências do Eixo. Os soldados soviéticos confrontaram os nazistas no front oriental e chegaram a “libertar”, isto é, ocupar e estabelecer posições de defesa em Berlim, na Alemanha, em 1945. Foi nesse processo de ocupação pelos soviéticos que ocorreram os estupros em massa das mulheres alemãs. Centenas de milhares de mulheres foram violentadas e muitas mortas após o estupro. Vários historiadores e escritores contemporâneos tratam desse tema em suas obras. Um autor, em especial, o romancista Hans Ulrich Treichel, aborda esse assunto em seu livro “O perdido”, que conta a história de uma criança que cresce durante a Guerra Fria na Alemanha Oriental e acaba descobrindo, aos poucos, que sua mãe, em 1945, foi estuprada por soldados soviéticos – fato que resultou em seu nascimento.
Historiadores, como Antony Beevor e Norman Davies, fizeram um trabalho de levantamento dos dados e análise das ocorrências de violação de mulheres alemãs a partir do último ano da guerra. Segundo Davies (referindo-se aos soviéticos):
A cultura da violação em massa foi encorajada tanto pelas atitudes dos homens, como pelas disposições das autoridades militares. ''Os soldados do Exército Vermelho não acreditam em 'ligações individuais' com mulheres alemãs'', escreveu um dramaturgo soviético no seu diário de guerra. ''Nove, dez, doze homens ao mesmo tempo violam-nas coletivamente.'' Podiam prevaricar impunemente. ' A NKVD (…) não punia os seus soldados por violação, mas apenas se apanhassem doenças venéreas através do contato com as vítimas que, na maioria das vezes, tinha sido contaminadas por outros violador''. Este procedimento lembra a prática instituída pelo Exército americano, cujos soldados depois de terem sido proibidos de ''confraternizar'' pagavam uma multa de 65 dólares ao receberem tratamento para doenças venéreas. [1]
Além dessa tolerância por parte dos oficiais soviéticos, houve também, entre as mulheres alemãs, os efeitos colaterais psicológicos provocados pelos estupros, como o suicídio:
A violação é sempre uma transgressão criminosa. A violação praticada em grupo é um delito ainda mais grave. E, perpetrada ao estilo soviético, era frequentemente acompanhada de homicídio, duplo homicídio (se a mulher estivesse grávida) ou suicídio. Dezenas, ou talvez centenas de milhares de mulheres alemãs mataram-se para escapar ao destino das suas irmãs, ou devido a um estado de auto-repulsa pós-traumática. [2]
* Créditos da imagem: Shutterstock e IgorGolovniov
NOTAS
[1] DAVIES, Norman. A Europa em Guerra. Edições 70: Lisboa, 2008. pp.376-77.
[2] Idem. p. 378.
Por Me. Cláudio Fernandes