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Heráclito de Éfeso foi um dos principais filósofos da Antiguidade pré-socrática. É classificado como partícipe da escola jônica apenas por sua localização geográfica e pela facilidade didática com que essa classificação permite entender seu pensamento. A obra do filósofo caracterizou-se por iniciar um movimento de ruptura na filosofia pré-socrática que, juntamente com as ideias dos eleatas, desembocaria nas filosofias socrática, platônica e aristotélica.
Veja mais: Tales de Mileto, filósofo considerado fundador da escola jônica
Tópicos deste artigo
Biografia
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Vida
As informações sobre a vida de Heráclito são, muitas vezes, contraditórias e desencontradas. Pouco se sabe com certeza sobre a trajetória biográfica e intelectual do filósofo, sendo que historiadores antigos, como Diógenes Laércio e Neantes de Cízico, são as principais fontes doxográficas|1| seguras.
Sabe-se que Heráclito nasceu na cidade de Éfeso em 540 a.C. É certo que ele era filho da alta aristocracia da cidade, filho do governante Blóson ou, segundo outra informação, de Heronte, rei de Éfeso. A personalidade complicada e orgulhosa de Heráclito fê-lo recusar a vida política e abdicar-se da herança do trono de Éfeso, passando-a a seu irmão.
Essa recusa pelas honrarias políticas deveu-se a um extremo desprezo que Heráclito tinha pelas pessoas e pela sociedade (em especial pela plebe), sendo classificado como um misantropo. O pensador foi muito criticado por essa atitude em sua época, mas, desde criança, era admirado por sua sabedoria.
Especula-se que a sua maturidade intelectual, quando desenvolveu a mais significativa parte de sua obra, ocorreu por volta dos 40 anos de idade, época em que ocorria a 69ª Olimpíada do mundo antigo. Apesar da alta produção filosófica do pensador, reconhecida hoje por sua importância histórica, em sua época ele foi rechaçado diversas vezes por sua vida isolada.
Em sua vida adulta, retirou-se, por um tempo, para o templo da deusa Ártemis e, mais tarde, foi para um retiro solitário e duradouro nas montanhas, alimentando-se apenas de plantas. Em sua velhice foi acometido por uma doença conhecida pelos antigos como hidropsia, também conhecida hoje como edema, que consiste no acúmulo anormal de líquido pelas células e cavidades do corpo, provocando inchaços e funcionamento anormal dos órgãos.
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Morte
Por ocasião da doença, Heráclito foi obrigado a voltar para a cidade e consultar os profissionais que ele tanto criticou: os médicos. O pensador perguntou aos profissionais se eles poderiam fazer da inundação de seu corpo uma seca, sem obter entendimento dos médicos do que se tratava. Desistindo do tratamento convencional, pensou que o calor do estrume produzido nos estábulos poderia fazer evaporar o líquido de seu corpo. Afundou-se no estrume.
Algumas fontes dizem que o seu corpo, já debilitado, não conseguiu despregar-se das fezes, tendo morrido submerso por asfixia e seu corpo continuado lá por muito tempo. Irreconhecível pela putrefação, pode ter sido devorado por cães. Outras fontes dizem que Heráclito conseguiu sair do esterco, e que teria morrido mais tarde por causas naturais, provavelmente ligadas à sua doença. É certo apenas que ele morreu no ano de 470 a.C., aos 70 anos de idade.
Principais ideias
Heráclito inaugura uma maneira de pensar o surgimento do Universo diferente da que fazia os jônicos e pitagóricos, pois, enquanto esses apresentavam uma unidade material como elemento originário de tudo, Heráclito depositou a sua especulação em um elemento (o fogo), por sua capacidade de movimentar, agitar e transformar as coisas. Segundo esse pensador, o mundo e a natureza são constantes movimentos. Tudo muda o tempo todo, e o fluxo perpétuo (movimento constante) é a principal característica da natureza.
Veja também: Pitágoras e sua ideia de origem das coisas com base em uma unidade
O professor José Cavalcanti de Souza explica a essência de todo o pensamento heraclitiano acerca da natureza, com base na seguinte passagem da coletânea de textos sobre filósofos pré-socráticos da coleção Os Pensadores: “Heráclito diz, em alguma passagem, que todas as coisas movem-se e nada permanece imóvel. E, ao comparar os seres com a corrente de um rio, afirma que não poderia entrar duas vezes num mesmo rio.”|2|
Essa afirmação condensa o significado do fluxo heraclitiano, pois o movimento constante é a marca principal da natureza. Nada fica estático, tudo se move, tudo muda. O rio muda a cada segundo, do mesmo modo que a pessoa muda a cada segundo, sendo assim uma mesma pessoa não pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois tanto ela quanto o rio já não são mais os mesmos no instante após o primeiro banho.
Heráclito defende que não há unidade natural no mundo, mas duelos e dualidade constante. “O mundo é um eterno devir”, afirma o filósofo, querendo dizer que há uma constante mudança, imprevisível, que caracteriza a natureza. O pensador despreza a noção de essência e defende que existe uma mutabilidade, surgida de vários processos contínuos, que resulta no que é o mundo. Essa relação é composta pelo duelo entre os contrários, o qual gera novas características. Por pensar assim, Heráclito é considerado o “pai” da dialética.
Existem divergências quanto à obra de Heráclito, pois os estudiosos convencionaram que ele teria escrito uma obra completa, chamada Sobre a natureza. Não obstante, pesquisas mais recentes tentam demonstrar que a obra do filósofo consiste em um conjunto de aforismos espaçados e separados, não sendo um conjunto único.
No entanto, as publicações atuais reúnem os fragmentos heraclitianos para publicá-los em uma obra intitulada Sobre a natureza, pois esse é o tema geral, sendo um único livro ou não. Essa confusão deu-se pelo encontro de fragmentos, de suposta autoria do filósofo, que não teriam uma continuidade. Não se sabe ao certo se a obra fragmentada foi propositalmente escrita assim (na forma de aforismos) ou se tal fragmentação deu-se pela ação do tempo e dos seres humanos.
Parmênides
Temos, na filosofia pré-socrática, uma oposição de pensamentos que consiste na maior disputa do mundo antigo: de um lado, Heráclito defende a mudança contínua das coisas e a recusa a uma essência fixa e rígida que defina a tudo. De outro, Parmênides defende que não há mudança, pois as essências permanecem as mesmas e a mudança que acontece é superficial, fruto do engano dos sentidos.
De fato, Heráclito e Parmênides não se conheceram, mas a relação conflituosa dos pensamentos de ambos os filósofos foi reconhecida nas obras de Platão, de Aristóteles e dos pré-socráticos pluralistas.
Para além do reconhecimento dessa oposição, os pré-socráticos pluralistas dedicaram-se a formular teorias cosmológicas que dessem conta de explicar essa oposição, fazendo questão de mostrar que no mundo há, ambiguamente, movimento e imobilidade. Caso tenha mais interesse nesse assunto, leia nosso texto sobre o principal discípulo de Parmênides: Zenão de Eleia.
Frases
“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas renovam-se a cada instante.”
“Os olhos e os ouvidos são maus testemunhos quando a alma não presta.”
“A oposição traz concórdia. Da discórdia advém a mais perfeita harmonia.”
“A verdadeira constituição das coisas gosta de ocultar-se.”
“Para os seres despertos, há somente um mundo comum.”
“A única coisa que não muda é que tudo muda.”
Acesse também: O surgimento da filosofia
Notas
|1| Fontes doxográficas são fontes textuais elaboradas com base na doxografia, que consiste na transcrição não literal das ideias de um escritor por meio da interpretação de outro escritor. Como exemplo, podemos tomar os estudos de pesquisadores contemporâneos da filosofia de Heráclito, que, na falta de escritos completos (a maior parte da obra de Heráclito foi perdida e o que restou está fragmentado devido à ação do tempo), devem completar os seus pensamentos com uma interpretação coerente com a sua forma de pensar.
|2| Os Pré-socráticos. In: Os pré-socráticos. Coleção Os Pensadores. Trad. José Cavalcanti de Souza et al. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 93.
Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia