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Quem diria que por detrás do inofensivo ato de fazer uma selfie existe um problema de ordem linguística, não é verdade? Você mesmo talvez nem imaginasse que aquela sua mania de tirar fotografias de si mesmo poderia transformar-se em um assunto polêmico entre os linguistas (eles estão sempre de olho nos falantes!). Mas saiba que a discussão é antiga, não surgiu agora com a popularização da palavra selfie.
Temos aí mais um elemento para a discussão sobre o emprego dos estrangeirismos: afinal, você faz uma selfie ou autorretrato? É inquestionável que a primeira opção é a mais utilizada entre os falantes da língua portuguesa, muito embora ela seja uma palavra de origem inglesa. A palavra selfie é uma abreviação do termo selfie-portrait, que significa — adivinhe você — autorretrato. Quer dizer então que fazer uma selfie é o mesmo que fazer um autorretrato? Quer dizer então que temos uma expressão equivalente na língua portuguesa para o estrangeirismo em questão? Sim é a resposta para ambas as perguntas. Mas por que será que nós preterimos o vocábulo tupiniquim?
Bom, a resposta é fácil: o termo selfie popularizou-se quando os usuários da internet começaram a fazer autorretratos e postá-los nas redes sociais. Essa é a finalidade de uma selfie, portanto, mais um produto da era digital. A mania começou quando a palavra, assim, abreviada, apareceu na legenda de uma imagem publicada em um fórum australiano (a fotografia em questão mostrava o resultado de uma noite de bebedeira entre amigos). Portanto, como ela surgiu na Austrália, cujo idioma oficial é o inglês, é normal que ela corresse o mundo com a grafia e a pronúncia de sua língua de origem, não é mesmo?
A palavra selfie ganhou adesão dos falantes, que preferem o estrangeirismo à palavra equivalente na língua portuguesa
A língua inglesa é considerada uma espécie de “língua coringa” na informática, e os termos em inglês (um dos idiomas mais falados no mundo) facilitam a comunicação e a difusão da informação, isso é inegável. Dizer que vai fazer uma selfie em vez de dizer que vai fazer um autorretrato não quer dizer que você esteja fazendo apologia ao estrangeirismo, vício de linguagem que, conforme os linguistas mais radicais e menos complacentes com os empréstimos linguísticos, subjugaria o idioma nativo e implantaria uma revolução yankee no país. Acontece que a palavra selfie é, indiscutivelmente, mais simpática do que nosso “autorretrato”, que além de formal demais para o gosto popular, recentemente passou por modificações para adequá-la ao novo acordo ortográfico.
A verdade é, antes de gritar para o mundo todo ouvir que os estrangeirismos são nocivos à nossa identidade cultural, lembre-se de considerar que a língua é um organismo vivo, vulnerável às variações linguísticas e a todo tipo de elementos inseridos no idioma pelos falantes, que são os verdadeiros donos da língua portuguesa. É lógico que você não vai sair por aí distribuindo estrangeirismos em todas as frases que disser, mesmo porque uma das principais funções da língua é a comunicabilidade, ou seja, a propriedade de transmitir e compreender uma mensagem que seja inteligível. Preferir selfie a autorretrato não significa necessariamente que o vocábulo vá ser legitimado como parte do léxico oficial. A palavra circula, principalmente, na modalidade oral, e quem consegue controlar tudo o que os falantes dizem? Seria como lutar contra moinhos de vento, tal qual “Dom Quixote” da língua, tal qual Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto que defendia o regresso ao Tupi-Guarani. Opte pelo bom senso linguístico. Sempre!
Curiosidade: A palavra selfie já é tão popular que, no ano de 2013, os responsáveis pelos dicionários da Oxford, da Universidade de Oxford (a mais antiga universidade do mundo anglófono), escolheram selfie a palavra do ano! O motivo para a escolha é simples: em 2013, seu emprego cresceu 17.000% (!!!), o que a tornou uma das palavras mais procuradas nos buscadores da internet.
Por Luana Castro
Graduada em Letras