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Quando estudamos o século XVII, ficamos impressionados com as conquistas da ciência moderna, sobretudo com as descobertas de Galileu Galilei, bem como com suas grandes explicações matemáticas da natureza. Nesse mesmo período de avanço científico e de filosofia racionalista (haja vista que René Descartes passou a desenvolver sua filosofia nessa época também), na Península Ibérica, especificamente na Espanha, outro tipo de pensamento e de linguagem estava se desenvolvendo: a dos santos místicos.
Para se entender o que foi a mística espanhola, é necessário entender primeiro o conceito de mística. A mística (termo que provém de mistério, cujo sentido mais remoto é “drama”, ação dramática) refere-se a um tipo de experiência direta com o divino, isto é, à possibilidade de comunicação com a divindade por meio de práticas de devoção, como a oração e a meditação. A experiência mística pode ser encontrada no seio de qualquer grande religião, tais como o hinduísmo, o islamismo, o judaísmo e o cristianismo.
No caso específico do cristianismo, a experiência mística, ou simplesmente Mística, manifestou-se desde os tempos mais primitivos. João, autor do Evangelho, é considerado por muitos estudiosos do cristianismo e teólogos como o grande precursor do misticismo cristão. Por vezes, os místicos cristãos são descritos como visionários, ou seja, veem o “corpo glorioso de Cristo”, e como sujeitos ao êxtase, isto é, a um tipo de experiência de elevação dos sentidos que resulta em uma aparente perda da consciência.
No século XVII, a Espanha tornou-se um dos mais notórios países defensores das medidas contrarreformistas. A Inquisição Espanhola foi uma das mais austeras desse período, e foi da Espanha também que partiu a iniciativa da Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola. Nesse contexto, dois grandes santos místicos espanhóis destacaram-se: São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila.
Tanto São João quanto Santa Teresa, além de terem sido representantes de experiências místicas, foram grandes escritores. São João é autor de um dos poemas mais extraordinários da literatura espanhola, “Noite Escura”, em que narra a experiência da alma que se relaciona com Cristo. Santa Teresa, que foi fundadora da ordem das carmelitas, é autora de dois grandes livros, “O livro da vida” e “As moradas do Castelo Interior”. Nesse último livro, a autora elabora os graus para serem percorridos por quem se dedica ao conhecimento de si mesmo e à busca da santidade por meio da mudança de hábitos e da prática da oração. Em um dos últimos ciclos das “moradas”, Santa Teresa escreve:
[…] Não estou dizendo que seja uma seta, mas, seja o que for, vê-se claramente que não poderia vir de nossa natureza. Também não é um golpe, embora eu assim o chame; ele fere mais agudamente e não onde sentimos as dores aqui na terra, ao meu ver, que passa repentino, reduz a pó tudo quanto encontra de terreno em nossa natureza, e no período que dura é impossível nos lembrarmos de nós mesmos. [1]
Essa “seta” refere-se à imagem de uma flecha. A referida santa usa essa imagem para descrever o que sente em estado de êxtase, quando é “atravessada” por uma flecha espiritual que lhe atinge a alma. Essas e outras imagens depõem a riqueza da literatura dos santos místicos espanhóis, que são fundamentais para se entender a história moderna.
NOTAS
[1]: D'Ávila, Santa Teresa. As Moradas do Castelo Interior. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 212.
Por Me. Cláudio Fernandes