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No século XX, o gênero estético conhecido como gótico tornou-se muito popular em pelo menos duas circunstâncias principais: nos anos 1920, com o aparecimento do cinema expressionista, e nos anos 1980, com o chamado rock pós-punk ou rock gótico, que teve entre seus representantes bandas como Bauhaus e Sisters of Mercy. Entretanto, o gênero gótico remonta à segunda metade do século XVIII, o chamado “século das Luzes” ou “século da Razão”. Sabemos que esse gênero de narrativas trata de temas que, em geral, envolvem o horror, o sobrenatural, o clima de mistério, de crime e de obscuridade. Por que um gênero narrativo como esse nasceu justamente na época do Iluminismo, movimento de ideias que estava exatamente na direção oposta a esses temas?
Tal como o romantismo, o gênero gótico deve ser entendido como uma reação ao excesso de confiança do racionalismo iluminista, na crença de que a Razão era capaz de resolver todos os problemas do mundo e encaminhar a humanidade a um estado de “Perfeição” terreno. Dessa forma, enquanto o romantismo apelava para a imaginação, a sensibilidade e as paixões, o gótico apelava para a atmosfera do sobrenatural, do crime, da perversão, das maldições, de tudo aquilo que dizia respeito ao mal no homem.
O passado medieval da Europa também foi um elemento imprescindível nas narrativas góticas, sobretudo por conta da presença de castelos, mosteiros e casarões da antiga nobreza arruinados e cercados por bosques sombrios e horripilantes. Os primeiros romances góticos que seguiram essa linha foram O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole, O Monge (1796), de Matthew Lewis, O visionário (1789), de Schiller, e Os mistérios de Udolfo (1794), de Ann Radcliffe. O horror gótico começou de fato com o romance de Walpole, que foi publicado na véspera de Natal de 1764 e sobre o qual o pesquisador Robert Mighall tece as seguintes considerações:
Sua história de fantasmas, augúrios, maldições de família e estranhas ocorrências sobrenaturais foi escrita em parte como farsa, sendo apresentada como um manuscrito medieval ''descoberto'' por um antiquário do século XVIII e oferecida como uma curiosidade para o público moderno de leitores esclarecidos. Muitos foram enganados pela artimanha de Walpole e muitos também se divertiram com a experiência nova de ler textos associados a lendas folclóricas e romances de cavalaria nas páginas de uma obra moderna, gênero mais preocupado com eventos atuais e cotidianos, o verossímil e o realista. [1]
A forma de organização da narrativa de O Castelo de Otranto, como bem observou Mighall, teve o mérito de provocar dúvida no público de “leitores esclarecidos”, isto é, o mesmo público que consumia os livros e panfletos dos filósofos iluministas. Toda a atmosfera de alucinação e espectralidade (aparições de fantasmas, etc.) havia sido revestida por Walpole de uma roupagem realista e confiável.
Essa mesma técnica foi seguida no século XIX por autores declaradamente filiados às narrativas góticas, tais como Edgar Alan Poe, ETA Hoffmann e Robert Louis Stevenson, mas também pode ser constatada em romances como: Melmoth, o errante (1820), de Charles Maturin, Morro dos ventos uivantes (1847), Emily Bronte, e Drácula, de Bran Stocker, (1897).
NOTAS
[1] MIGHALL, Robert. “Introdução”. In: STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras, 2015. p. 19.
Por Me. Cláudio Fernandes