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Sabemos que as guerras contemporâneas, isto é, aquelas que vêm sendo travadas desde a época de Napoleão Bonaparte, caracterizaram-se por uma série de fatores: desde a quantidade de mortos que produziram (dezenas de milhares, por vezes, em um só dia) até a rápida evolução dos armamentos e o alcance das camadas civis da população. Essas características fizeram-se presentes sobretudo no século XX, em virtude das duas guerras mundiais. O envolvimento das camadas civis no emaranhado de uma guerra sempre traz consequências dramáticas, principalmente quando parte dos civis é encarada como a escória de uma determinada sociedade, como foi o caso dos judeus na Alemanha Nazista.
O fato é que, durante o nazismo, a perseguição aos judeus tornou-se um fator absorvido pelo cotidiano das pessoas. Muitos dos alemães não judeus e daqueles que professavam a fé judaica passaram a se comportar de forma a não provocar a reação violentíssima do Estado policial engendrado por Adolf Hitler. Nesse sentido, a história registra alguns casos de pessoas que se limitaram a testemunhar “passivamente”, como “espectadores”, ações contra a população judaica, fosse nos guetos, construídos para isolar os judeus do resto da população, fosse em quaisquer outros lugares.
O problema que se coloca nesse tipo de acontecimento era de ordem moral. Há que se lembrar de que não é moralmente aceitável esperar de alguém que vive sob um Estado policial totalitário que se revele abertamente contrário às ações desse Estado. O medo, a pressão psicológica e, por vezes, até a histeria e a psicose coletiva impediram que muitas pessoas reagissem à sua condição de “espectadores” dos fatos. Esse assunto é tratado por um dos grandes historiadores da Segunda Guerra, Norman Davies, em sua obra “A Europa em Guerra”, da qual retiro dois exemplos:
Primeiro: “Israel Shanak (1933-2001) confessou ter sido um espectador. A sua família vivia numa seção do Gueto de Varsóvia que foi uma das últimas a ser atingida. Tinham uma reserva de mantimentos, ainda que modesta. Então, em Abril de 1943, sentaram-se à mesa para celebrar a Páscoa dos Judeus, pela última vez. O seu objetivo era viveram com dignidade durante tanto tempo quanto fosse possível. Viram os vizinhos ser levados. Chegou, por fim, a sua vez. O jovem Israel, então com dez anos, fugiu pelo esgoto.” [1]
O exemplo desse judeu que na época tinha 10 anos de idade é notório pela situação absurda e dramática na qual estava envolvido. É trágico pensar que uma criança teve que abdicar de permanecer junto de sua família para ter que salvar a sua própria vida, fugindo por meio do esgoto. Lembranças como essa são muito recorrentes entre os sobreviventes do holocausto. O caso de Anne Frank, registrado em diários, é um dos mais conhecidos.
Segundo: “[…] Num dia de julho de 1943, todos os homens e jovens da paróquia católica de Wola Justowska, em Cracóvia, foram detidos pela SS por serem suspeitos de colaborar com a resistência. Foram obrigados a escavar uma vala, onde depois foram enterrados vivo. As mulheres da paróquia foram obrigadas a assistir com uma arma apontada à cabeça. Também eram espectadoras.” [2]
Davies está narrando algo que ocorreu no Gueto de Varsóvia, na Polônia. A crueldade da SS nazista está estampada nesse exemplo da transformação das mulheres em espectadoras trágicas involuntárias do destino fatídico de seus amigos.
[1] Davies, Norman. A Europa em Guerra. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 411.
[2] Idem. p. 411-12.
Por Me. Cláudio Fernandes