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A região norte do continente africano é notoriamente conhecida pelas paisagens desérticas, como o Deserto do Saara e a região do Magreb. Desde os tempos mais remotos, os povos que passaram a habitar essas regiões precisaram organizar-se com vistas a desvencilhar-se das adversidades do deserto. Os relatos tradicionais de tribos bérberes (povos nômades que habitam o deserto), que remontam à Idade Antiga, indicam várias formas de adaptação ao clima do deserto, desde o uso de vestimentas até alimentação e higiene.
Durante o período da Idade Média, essa região do norte africano sofreu um processo de islamização. Alguns poderosos reinos islâmicos ergueram-se, como o reino de Mali, além do domínio dos sultões, que estabeleceram califados na região nordeste da África, onde estão hoje Sudão e Egito. Uma das formas encontradas de estabelecer contato com os reinos que ficavam abaixo do deserto do Saara foram as caravanas de camelos.
Da mesma forma que o Mar Mediterrâneo era o centro comercial entre Europa e Ásia Menor no período medieval, o deserto do Saara, por meio das caravanas de camelos, tornou-se o principal canal de escoamento de artigos variados, como ouro, marfim, cereais, escravos, diversas especiarias e sal. Dessa forma, as caravanas de camelo tornaram-se, à época, o principal meio de trânsito comercial na África.
A opção pelo camelo, e não por outros animais, como o cavalo, devia-se, sobretudo, a características como a resistência física desse animal, que era capaz de ficar muitos dias sem consumir água e de carregar um peso muito superior ao seu corpo. Além disso, do camelo também advinha a subsistência dos caravaneiros, sobretudo os nômades, como os beduínos e os bérberes, como aponta o historiador Vitorino Godinho:
[…] O camelo por si só quase basta a satisfazer todas as necessidades humanas: alimentas e mata a sede – pela sua carne e pelo seu leite –, serve de montada e de besta de carga, e com o seu pelo tecem-se as tendas e o vestuário. Como aguenta longos dias sem beber, atravessa facilmente as solidões desoladas de outro modo quase intransponíveis, onde não surge aguá nem avista vegetação. [1] (p. 78)
Assim sendo, a importância principal das caravanas de camelos residia na promoção da integração das regiões africanas que não tinham muita conexão em razão dos aspectos geográficos. Até mesmo a peregrinação islâmica à cidade de Meca era feita, pelos povos residentes no Magreb, via caravanas. Além disso, o comércio com o sul da Europa também dependia do que chegava até às margens do Mediterrâneo por meio dos camelos. Como acentuou Godinho, o que essas caravanas fizeram foi criar uma “teia econômica”:
[…] O Saara deixa de ser fator de isolamento do Norte da África e da Terra dos Negros, e passa como que o Mediterrâneo, sulcado pelas cáfilas de camelos e pelos cabildos nômades, com as escalas das “ilhas” de sedentariedade – os oásis de tamareiras; nem sequer falta o corso – os ataques e roubos dos eternos salteadores. O Sudão deixa de viver fechado sobre si próprio, está agora voltado para o Maghrebe, e este por seu turno não se compreende mais sem aquele: uma teia econômica os integra.” [2] (p. 79).
NOTAS
[1]: Godinho, Vitorino Magalhães. O “mediterrâneo” saariano e as caravanas do ouro. Revista de História. v. 11, n. 23, 1955. p. 78.
[2]: Idem, p. 79.
Por Me. Cláudio Fernandes