PUBLICIDADE
Até o ano de 1530, o Brasil (ou como já era chamado entre os portugueses, “a Terra do Brasil”) ainda não havia sido alvo de um processo sistemático de colonização. Nos primeiros anos que se seguiram ao descobrimento, alguns aventureiros e exploradores conseguiram estabelecer negócios lucrativos, como foi o caso de Fernando de Noronha, que monopolizou a exploração do pau-brasil durante um tempo. Entretanto, a montagem do sistema colonial e a inserção do Brasil no mercantilismo só começaram a partir da expedição de Martim Afonso de Sousa e, a posteriori, com a instituição do Governo Geral em 1548.
A expedição de Martim Afonso de Sousa foi um dos acontecimentos decisivos do início da história do Brasil. A partir dela, começou-se a regularizar a exploração da terra pelos colonos por meio da outorga de sesmarias e da instituição das Capitanias Hereditárias. Todo esse empreendimento era feito sob o jugo do rei Dom João III. Esse processo inicial, articulado pela habilidade administrativa de Martim Afonso de Sousa, possibilitaria, posteriormente, a configuração da economia colonial com base nos Engenhos de Açúcar.
Pois bem, a grande importância da expedição de Martim Afonso só pode ser vislumbrada pelos historiadores, hoje em dia, em virtude do mais rico documento do início do período colonial brasileiro: o Diário de Navegação da Armada, que foi à Terra do Brasil, em 1530, escrito por Pero Lopes de Sousa. O diário de Pero Lopes de Sousa, irmão de Martim, até hoje constitui um dos documentos mais importantes da nossa história. A sua importância, entretanto, só foi reconhecida no século XIX pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagem, que transcreveu e publicou em livro o Diário.
Ao contrário de um diário contemporâneo, os diários de viajantes da era das grandes navegações ultramarinas não comportavam relatos sentimentais ou algo parecido, mas tinham a função de registrar ao máximo possível os detalhes da expedição, desde a partida até a volta. Logo na abertura do Diário de Pero Lopes, podemos perceber esse cuidado: “Na era de mil e quinhentos e trinta, sábado três dias do mês de dezembro, parte desta cidade de Lisboa, abaixo da capitania de Martim Afonso de Sousa, meu irmão, que ia por capitão de uma armada e governador da terra do Brasil com vento leste sai fora da barra, fazendo caminho sudoeste” (p. 3)
Vê-se que o autor do diário procura dar testemunho de tudo: o local, o líder da expedição, a pessoa do narrador, o tipo de vento que guia a embarcação e o destino dos tripulantes. Em outro trecho, já no litoral da “Terra do Brasil”, diz Pero Lopes: “Sexta-feira pela manhã nos fizemos à vela; era o mar tão grosso que íamos à popa com todas as velas, e não o podíamos romper. Fomos com este vento até o meio dia, que nos deu o vento sudeste, com que fomos correndo a costa esta noite. No quarto da modorra fomos surgir na boca da Bahia de Todos os Santos.” (p.26)
Percebe-se que Pero Lopes está descrevendo o contorno que a embarcação de seu irmão fez em torno da Bahia de Todos os Santos, no litoral do atual estado da Bahia, que era um dos principais centros de povoação do Brasil naquela época. Em outro momento, já em terra firme, Pero Lopes deslumbra-se com a natureza e com os rios caudalosos do Brasil: “[...] A terra é a mais formosa e aprazível que eu jamais cuidei ver: não havia homem que se fartasse d' olhar os campos e a formosura deles. Aqui achei um rio grande; ao longo dele tudo arboreado, o mais formoso que já vi: e antes que chegasse ao mar um tiro de besta se sumia.” (p.47).
Muito da visão paradisíaca que se traçou do Brasil nesse período proveio de descrições como essa. A abundância de recursos naturais era uma das constatações que mais impressionavam os navegantes europeus.
O Diário de Pero Lopes, ao lado de outros documentos, como a Carta de Pero Vaz de Caminha, é de importância crucial para o entendimento de como era a visão que se tinha do Brasil no século XVI. Essa visão, quando contrastada com as visões dos séculos posteriores, auxiliam-nos a perceber como ocorrem as transformações históricas.
Por Me. Cláudio Fernandes