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Caifazes e o abolicionismo popular

Auxiliando fugas em massa de escravos, os Caifazes mostravam-se o setor mais avançado do abolicionismo popular em São Paulo.

Capa da Revista Illustrada, por Ângelo Agostini (1843-1910). Uma sátira à tentativa do senhor de proteger seu escravo da liberdade com um guarda-chuva
Capa da Revista Illustrada, por Ângelo Agostini (1843-1910). Uma sátira à tentativa do senhor de proteger seu escravo da liberdade com um guarda-chuva
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A história oficial do processo de abolição da escravidão no Brasil geralmente se debruça sobre o protagonismo desempenhado pelo movimento abolicionista na libertação dos escravos a partir de 1870. Entretanto, o movimento abolicionista apresentado como protagonista foi o liderado pela elite branca, deixando no esquecimento outras lutas contra a escravidão: as rebeliões e fugas de escravos, além do abolicionismo popular, dentre os quais podem se destacar os chamados Caifazes.

Estudos sobre a escravidão no Brasil realizados por historiadores a partir das últimas décadas do século XX têm apresentado conclusões em que o protagonismo pela abolição da escravidão coube muito mais aos próprios escravos do que a homens livres. Nesse sentido, o próprio movimento abolicionista seria uma resposta à onda de rebeliões e fugas executada pelos escravos em busca de liberdade.

Dentro do abolicionismo havia uma grande quantidade de posicionamentos políticos divergentes, englobando desde monarquistas e republicanos, como os que não viam a necessidade de participação dos escravos no processo de abolição e os que viam como essencial essa participação.

Nesse último caso, a luta dos escravos teria possibilitado ligações com setores populares da sociedade, bem como com membros da elite que pensava a necessidade da participação do escravo em sua libertação. Esse tipo de abolicionismo ficou conhecido como abolicionismo popular.

 

Quem era os caifazes?

Um dos exemplos do abolicionismo popular foram os Caifazes, que se organizaram na província de São Paulo após 1880. Liderados pelo advogado, ex-delegado, ex-promotor e ex-juíz Antônio Bento de Souza e Castro (1843-1898) – portanto um membro da elite paulista –, os Caifazes participaram da organização de uma série de fugas das fazendas cafeeiras e mesmo nas cidades. O nome deriva do personagem bíblico que corrompeu Judas para trair Jesus. No caso brasileiro, os Caifazes estavam promovendo a traição à escravidão.

Apesar dessa liderança de Antônio Bento, os Caifazes eram formados em sua maioria por tipógrafos, artesãos, pequenos comerciantes e ex-escravos, que constituíram redes de solidariedade para garantir a saída dos escravos das fazendas e sua inserção no mundo do trabalho. É de se destacar a atuação do caifaz Antônio Paciência, que ficou notabilizado pela atuação no interior de São Paulo na organização e planejamento de fugas.

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Em razão do perigo que essas ações representavam, as autoridades impuseram censura à imprensa da época, segundo eles, para que o pânico não se espalhasse, mas os inquéritos e outros documentos policiais possibilitaram aos historiadores trazerem à tona essas histórias que os escravocratas pretendiam deixar esquecidas.

As redes incluíam desde os chamados “cometas”, caixeiros-viajantes que se deslocavam pelo interior paulista e estimulavam as fugas em suas passagens pelas fazendas, quanto os trabalhadores das ferrovias, que possibilitavam o transporte dos escravos fugidos.

Nesse último caso, as ferrovias que foram construídas para aumentar a produtividade e a riqueza da cafeicultura baseada no trabalho escravo auxiliaram na luta contra a escravidão ao garantir o veículo de fuga para os cativos.

Os principais locais de refúgio dos fugidos eram as cidades de São Paulo e de Santos. Nessa última, destacou-se o Quilombo do Jabaquara, que chegou a abrigar cerca de 10 mil escravos fugidos. O Quilombo era coordenado pelo ex-escravo sergipano Quintino de Lacerda e pelo português Santos “Garafão”.

Além de refugiar os escravos fugidos, as pessoas envolvidas com o Quilombo do Jabaquara conseguiam arrumar empregos a eles em razão da ligação com vários comerciantes e proprietários de outros tipos de empresas, que eram simpatizantes da abolição.

Com esse tipo de ação, os Caifazes mostraram-se o setor mais avançado do movimento abolicionista, auxiliando o fomento das inquietações e conflitos entre escravos e senhores nos locais de trabalho nas fazendas e cidades. A união entre o abolicionismo popular e as ações executadas pelos escravos em busca de sua liberdade constituiu o principal fator para o encerramento da escravidão no Brasil, rompendo por dentro uma estrutura social que durava já quase há quatro séculos.


Por Tales Pinto
Mestre em História

Escritor do artigo
Escrito por: Tales dos Santos Pinto Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

PINTO, Tales dos Santos. "Caifazes e o abolicionismo popular"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/caifazes-abolicionismo-popular.htm. Acesso em 30 de dezembro de 2024.

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