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A Bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia, fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando essa é colocada em risco pela Medicina ou pelas ciências. A palavra Bioética é uma junção dos radicais “bio”, que advém do grego bios e significa vida no sentido animal e fisiológico do termo (ou seja, bio é a vida pulsante dos animais, aquela que nos mantém vivos enquanto corpos), e ethos, que diz respeito à conduta moral.
Trata-se de um ramo de estudo interdisciplinar que utiliza o conceito de vida da Biologia, o Direito e os campos da investigação ética para problematizar questões relacionadas à conduta dos seres humanos em relação a outros seres humanos e a outras formas de vida.
Confira no nosso podcast: Bioética— o que é e qual a sua importância?
Tópicos deste artigo
- 1 - Origem da Bioética
- 2 - Autores da Bioética
- 3 - Importância da Bioética
- 4 - Princípios da Bioética
- 5 - Temas da Bioética
Origem da Bioética
A Bioética surgiu na segunda metade do século XX, devido ao grande desenvolvimento da Medicina e das ciências, que avançaram cada vez mais para a modificação da vida humana e a promoção do conforto humano, bem como para a utilização de cobaias vivas (humanas e não humanas). A fim de evitar horrores, como os que foram vividos dentro dos campos de concentração nazistas e de técnicas médicas que ferissem os princípios vitais das pessoas, surgiu a Bioética como meio de problematizar o que está oculto na pesquisa científica ou na técnica médica quando elas envolvem a vida.
Autores da Bioética
Hoje, alguns autores são referências para os estudos de Bioética no mundo. Entre eles, estão o filósofo Tom L. Beauchamp, professor da Georgetown University, e o filósofo e teólogo James F. Childress, professor de Ética da Universidade de Virgínia. Juntos, esses dois destacados estudiosos da Bioética escreveram o livro Princípios de Ética Biomédica, que contém a formulação dos princípios bioéticos básicos, inspirados em grandes sistemas éticos de filósofos considerados cânones do conhecimento ocidental, como Kant e Mill.
Outro autor de igual importância é Peter Singer, filósofo australiano e professor da Universidade de Princeton desde 1999. Dentre suas obras, podemos destacar Ética prática, que problematiza questões referentes à Ética enquanto área de estudo capaz de interferir na vida cotidiana das pessoas, analisando questões polêmicas, como o aborto e a eutanásia; e Libertação animal, que funda a teoria dos direitos dos animais.
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Importância da Bioética
A importância social da Bioética centra-se, justamente, no fato de que ela procura evitar que a vida seja afetada ou que alguns tipos de vida sejam considerados inferiores a outros. A Bioética discute, por exemplo, a utilização de células-tronco embrionárias em suas mais diversas problemáticas, passando pela necessidade de abortar-se uma gestação para retirar tais células e pelos benefícios que os tratamentos obtidos por esse recurso podem promover para as pessoas.
Também é tratado por estudiosos de Bioética o respeito aos limites que devemos ter ao lidar com animais, seja para o cuidado ou a alimentação, seja para a utilização comercial deles, pois são seres vivos dotados de sentidos e capazes de sofrer.
Princípios da Bioética
Em Princípios de Ética Biomédica, Beauchamps e Childress estabelecem quatro princípios básicos que devem nortear o trabalho bioético tanto para as ciências que utilizam cobaias quanto para as técnicas biomédicas e médicas que lidam diretamente com a vida. Esses princípios estão ligados a teorias éticas conhecidas e ganham um novo contorno em suas formulações voltadas para a vida animal.
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Princípio da não maleficência: consiste na proibição, por princípio, de causar qualquer dano intencional ao paciente (ou à cobaia de testes científicos). A sua mais antiga formulação pode ser encontrada no Juramento de Hipócrates, e, no século XX, ele foi estabelecido como princípio bioético pelos estudiosos Dan Clouser e Bernanrd Gert.
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Princípio da beneficência: pode ter seu gérmen encontrado no juramento hipocrático, em que se é afirmado que o médico deve visar ao benefício do paciente. Beauchamp e Childress vão além, estabelecendo que tanto médicos quanto cientistas que utilizem cobaias devem basear-se no princípio da utilidade (o utilitarismo de Mill e Bentham), visando a provocar o maior benefício para o maior número possível de pessoas.
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Princípio da autonomia: tem suas raízes na filosofia de Immanuel Kant e busca romper a relação paternal entre médico e paciente e impedir qualquer tipo de obrigação de cobaias para com a ciência. Trata-se do respeito à autonomia do indivíduo, pois esse é o responsável por si, e é ele que decide se quer ser tratado ou se quer participar de um estudo científico.
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Princípio da justiça: baseado na teoria da justiça, de John Rawls, esse princípio visa a criar um mecanismo regulador da relação entre paciente e médico, a qual não deve ficar submetida mais apenas à autoridade médica. Tal autoridade, que é conferida ao profissional devido ao seu conhecimento e pelo juramento de conduta ética e profissional, deve submeter-se à justiça, que agirá em caso de conflito de interesses ou de dano ao paciente.
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Temas da Bioética
A Bioética trata de temas muito delicados, muitas vezes considerados tabus. Há uma dificuldade de estabelecimento de proposições únicas e últimas, pois existem, ao menos, três grandes áreas do conhecimento que envolvem a Bioética e porque, enquanto ciência, ela não pode se submeter à moral religiosa, que pode ser um obstáculo forte em questões relativas à vida, principalmente a humana.
Listamos abaixo alguns temas tratados pela Bioética, expondo uma breve discussão que pode aparecer sobre eles:
→ Médico e paciente x cientista e cobaia
É o principal ponto tocado pelos estudos de Beauchamp e Childress, que formulam a solução principalista (que se baseia em uma ética de princípios) para os problemas decorrentes.
→ Eutanásia e suicídio assistido
A tradução literal de eutanásia é “boa morte”. Eutanásia é o ato de encerrar a vida de alguém que, incapacitado, está em situação de penúria e não pode decidir por si mesmo. Quando um animal de estimação tem uma doença crônica progressiva ou ficou gravemente sequelado por algum mal, os veterinários podem dar a eles a eutanásia para encerrar o seu sofrimento.
O suicídio assistido é um tipo de eutanásia, mas aplicado por humanos que decidem tirar a própria vida de maneira digna e assistida por pessoas que garantirão o não sofrimento do paciente. Peter Singer baseia-se no respeito à dignidade humana e no direito à escolha, que, para Beauchamp e Childress, podem ser representados pelo princípio da autonomia, para afirmar a necessidade de serem respeitadas as escolhas individuais de cada sujeito e a necessidade de olhar-se para a dignidade de uma vida que não vale a pena ser vivida.
→ Aborto
Singer defende o aborto de fetos com até três meses de gestação, período em que a Medicina afirma não haver ainda atividade cerebral e, portanto, há a ausência completa de sentidos. O aborto, antes dos três meses, seria apenas a interrupção do crescimento celular dentro de um corpo. Para discutir sobre isso, Singer parte das noções de consciência e de senciência (sentidos básicos e noção da presença no mundo pela dor e pelo sofrimento).
→ Utilização de células-tronco
Partindo da utilidade e da beneficência, a utilização de células-tronco embrionárias é eticamente viável quando visa ao tratamento e à melhoria da vida comum. A parte polêmica desse tema é a necessidade de efetuar-se abortos para conseguir a extração de células de embriões. A eticidade do aborto, nesses casos, baseia-se nos mesmos princípios discutidos no tópico anterior.
→ Direitos dos animais
Singer escreveu o livro Libertação animal, que, entre outras coisas, discute os direitos dos animais. Os animais são providos de níveis de senciência e, por isso, sofrem, sentem dor, medo, fome etc. Isso é suficiente para notar que os animais não podem ser indiscriminadamente utilizados pela indústria, tirando a dignidade de suas vidas. Singer problematiza a alimentação humana que utiliza os animais como produtos e, mais profundamente, introduz ao debate a utilização dos animais para testes científicos, farmacêuticos e de cosméticos.
Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia