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Raymundo Faoro foi um jurista, cientista social, historiador e escritor brasileiro. Autor de um importante livro sobre a formação política e social do Brasil, Os donos do poder, Faoro explicou como o Brasil consolidou-se como uma república burocrática que concentra os poderes nos mesmos grupos desde o período colonial.
As interpretações weberianas de Faoro colocam-no como um liberal, no entanto, durante a ditadura civil-militar brasileira, houve uma intensa aproximação entre o intelectual e partidos e personalidades políticas da esquerda brasileira.
Em sua extensa carreira, o intelectual atuou como Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, advogado, cronista e colunista, presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
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Biografia Raymundo Faoro
Raymundo Faoro nasceu no município de Vacaria, no interior do Rio Grande do Sul, em 27 de abril de 1925. Faoro era filho de agricultores gaúchos que se mudaram para a cidade de Caçador, no interior de Santa Catarina. No local, o menino teve a oportunidade de continuar seus estudos no curso secundário (atual Ensino Médio). De volta ao Rio Grande do Sul, Faoro cursou Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, obtendo seu diploma de bacharelado em 1948.
O intelectual começou a escrever para a imprensa ainda enquanto estudante universitário, e, no ano de 1947, ele contribuiu para a fundação de uma revista de crítica artística e literária importante para o cenário jovem na cidade de Porto Alegre na época: a revista Quixote. Ao longo de sua vida, contribuiu para vários periódicos, alguns de bastante renome no cenário político e econômico nacional.
Na década de 1950, Raymundo Faoro advogava até ser selecionado, por meio de concurso público, para assumir o cargo de Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Em 1958, o sociólogo brasileiro lançava a sua primeira e mais influente obra, o livro Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Esse livro, no entanto, demorou a ser percebido, estudado e vendido.
De inspiração sociológica pela obra do sociólogo alemão clássico Max Weber, Faoro era um liberal convicto, principalmente no sentido político da palavra. A ditadura civil-militar brasileira, que aconteceu entre 1964 e 1985, despertou o empenho de Raymundo Faoro em lutar pelos direitos e contra a opressão do governo sanguinário que deixou seu mais pesado fardo aos brasileiros entre 1968 e 1977, durante os chamados “anos de chumbo” da ditadura.
O pensador brasileiro teve a sua primeira obra (Os donos do poder) reeditada e ampliada no ano de 1974, o que fez com que uma grande quantidade de intelectuais e lideranças políticas que resistiam à ditadura, tanto democratas quanto marxistas, passasse a ler o sociólogo. Nessa época, enquanto advogado, Faoro representou uma importante figura da resistência pacífica contra o governo ditatorial, lutando contra os chamados Atos Institucionais e pela anistia dos presos e exilados políticos.
Entre 1977 e 1979, Faoro foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mostrando-se como um forte aliado na luta pela redemocratização brasileira. A sua biografia, exposta em página dedicada à sua memória no site da Academia Brasileira de Letras, afirma que partiu da sede da OAB, no Rio de Janeiro, “a primeira grande denúncia circunstanciada contra a tortura de presos políticos”.
A página também afirma que a casa do intelectual no Rio tornou-se, após a anistia e a redemocratização, um ponto de políticos, como Tancredo Neves e Luís Inácio Lula da Silva (o ex-presidente Lula)|1|. Lula, inclusive, convidou Faoro para concorrer em sua chapa como vice-presidente em 1989, convite que foi recusado.
Em 23 de novembro de 2000, Raymundo Faoro foi eleito para ocupar a cadeira número seis da Academia Brasileira de Letras. Ele faleceu em 15 de maio de 2003, na cidade do Rio de Janeiro, aos 77 anos de idade.
Ideias de Raymundo Faoro
Raymundo Faoro assentou as suas teorias na grande estrutura sociológica do pensador alemão Max Weber. Entre as décadas de 1940 e 1980, a maior parte dos sociólogos brasileiros estava alinhada ao método materialista histórico dialético de Karl Marx. Raymundo Faoro, na contramão dessa maior parte (vale lembrar que os sociólogos marxistas eram formados em Sociologia, enquanto Faoro formou-se em Direito e estudou e produziu sociologia fora do ambiente acadêmico), alinhou-se ao método de análise sociológica weberiana, ou seja, ao método compreensivo. Em relação aos princípios políticos, ele era liberal.
Dois conceitos são muito importantes para a compreensão da obra de Raymundo Faoro:
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Estamento burocrático
A palavra estamento designa uma forma de sociedade em que não há (ou quase não há) mobilidade social. Um exemplo de sociedade estamental é a que foi estabelecida dentro do feudalismo e estendeu-se para os Estados nacionais monarcas europeus, marcados pelas linhagens nobres.
Para Faoro, o Brasil foi formado como um estamento burocrático, pois criou-se aqui uma burocracia estatal, desde os tempos coloniais, que privilegiou certas classes, como uma burguesia poderosa, que se mantiveram desde então no poder. Algumas famílias advindas da elite colonial dominam (ou deram origem a outras famílias que dominam) a economia política até hoje.
A burocracia estatal era algo estudado e defendido por Weber, inclusive como meio de legitimar o poder e o monopólio da violência dado ao Estado. No entanto, Faoro enxerga que a burocracia no Brasil foi criada e mantida de outra forma, por meio do patrimonialismo.
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Patrimonialismo
O patrimonialismo é a forma de governar brasileira que leva o governo do âmbito público como se fosse privado. Em vez de criar-se um esquema de composição do Estado e de governança baseado na impessoalidade e na imparcialidade, o brasileiro tende a levar as coisas de modo pessoal, sem grandes preocupações constitucionais e jurídicas.
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Raymundo Faoro comunista ou liberal?
Um intelectual de esquerda ou de direita? Intelectuais e personalidades dos dois grandes lados políticos quiseram tomar para si a obra e o intelecto de Faoro. Com a reedição de Os donos do poder em 1974, tanto marxistas quanto democratas brasileiros que se opunham ao governo militar juntaram-se na análise e na interpretação dessa obra. A luta contra a ditadura militar e a redemocratização do Brasil colocaram o sociólogo em contato com lideranças de esquerda no país na década de 1980, como o ex-presidente Lula.
O autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, um conservador e admirador da obra de Faoro, fala da incorporação das teorias do sociólogo na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), que se formou no Brasil na década de 1980 como nova alternativa política de esquerda após a redemocratização. Enquanto grande parte da direita e da esquerda tenta trazer a obra faoriana para si, algumas pessoas com certa influência de formação de opinião, para além de Olavo de Carvalho e estendendo-se a personalidades ligadas a sérios movimentos liberais, empurram a obra de Faoro para o lado esquerdo.
Faoro, no entanto, nunca adotou uma postura de afastamento das ideias liberais. Também nunca adotou uma postura marxista em sua teoria, distanciando-o, ao menos sociologicamente, de um pensamento de esquerda.
Notas
|1| Para acessar a página da Academia Brasileira de Letras, clique aqui.
Crédito da imagem
[1] Biblioteca Azul (Reprodução)
Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia