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Ragnarök, traduzido do nórdico antigo, significa “consumação dos destinos dos poderes supremos” e faz menção à suposta crença dos povos vikings nos eventos que levariam ao final do universo e na destruição de seus deuses|1|. Nessa crença nórdica, uma sucessão de eventos catastróficos provocaria a destruição do universo e o surgimento de outro universo, que seria repovoado por um casal de humanos sobreviventes e governado por deuses renascidos.
Os vikings eram povos que habitavam o Norte da Europa, especificamente na região da Escandinávia e que, a partir da Era Viking (de 793 a 1066), iniciaram o período das navegações que levou-os a estabelecerem-se em outras regiões, como as Ilhas Britânicas, Islândia, norte da França e até na América do Norte.
O que é o Ragnarök?
O Ragnarök é o termo usado para referir-se às sucessões de eventos catastróficos que fazem parte da escatologia (teoria sobre o fim do mundo) dos nórdicos antigos, ou seja, eram como supostamente os vikings acreditavam que o universo teria seu fim. Durante o Ragnarök, segundo essa visão, grandes batalhas aconteceriam entre os deuses e a destruição do universo seria conduzida por Loki, pelos filhos de Loki e pelo gigante de fogo chamado Surtur.
Os eventos do Ragnarök seriam antecedidos pelo fimbulvetr, um longo ciclo de três invernos seguidos em que haveria terríveis geadas, e no qual a violência e o caos seriam disseminados pelo mundo. Nesse ciclo de três invernos seguidos, segundo o registro nórdico narrado na Völuspá (A Profecia da Vidente):
Irmãos lutarão
E matarão uns aos outros;
Filhos das próprias irmãs
Pecarão juntos
Dias doentes entre os homens,
Em que pecados do sexo aumentarão.
Uma era do machado, uma era da espada,
Escudos serão partidos.
Uma era do vento, uma era do lobo,
Antes de o mundo cair morto|2|.
Durante o caos do Ragnarök, o sol e a lua, eternamente perseguidos pelos lobos Skoll e Hati, seriam alcançados e devorados por outro lobo chamado Managarm. Após isso, os filhos de Loki marchariam por sobre Midgard (mundo dos homens) e travariam batalha com os deuses. Os filhos de Loki eram o lobo Fenrir, a serpente do mundo chamada Jörmungandr, e a deusa do mundo dos mortos Hel. Todos eram filhos de Loki com uma giganta (Jotun, no nórdico) chamada Angrboda.
Além disso, Loki, navegando no Naglfar, o navio feito com os restos de unhas dos mortos, junto de Hymir, o líder do exército de gigantes de gelo, seria encaminhado para o local da batalha. Por fim, Surtur, liderando os gigantes de fogo, destruiria a Bifrost, a ponte que ligava Midgard a Asgard, e, então, todos seriam reunidos em Vígrídr, a grande planície onde ocorreria a batalha final.
Quando esses eventos acontecessem, Heimdall, o guardião da Bifrost e de Asgard, soaria sua trombeta, e os deuses nórdicos reunir-se-iam com seus exércitos para travar a batalha. O exército que lutaria contra as forças de Loki seria formado pelo conjunto dos deuses nórdicos, junto das valquírias e dos Einherjar (guerreiros escolhidos por Odin).
O desfecho dessa batalha decisiva foi narrado por Snorri Sturluson no registro conhecido como Gylfaginning (As Alucinações de Gylfi):
Odin liderará cavalgando com seu elmo dourado e uma bela cota de malha contra o Lobo Fenrir, e Thor lutará em frente, ao seu lado, mas não poderá ser de nenhuma ajuda a ele, pois ele terá as mãos cheias ao lutar contra a Serpente de Midgard. Freyr enfrentará Surtr e uma batalha dura haverá entre eles antes de Freyr cair, a causa de sua morte é que ele não possui aquela boa espada que ele deu a Skirnir. Então, o cão Garmr será solto, que está preso na caverna de Gnipa; ele é o maior monstro, ele batalhará com Týr, e cada um tornar-se-á o assassino do outro. Thor matará a Serpente de Midgard, e após dar nove passos desse local, então ele cairá morto na terra, devido ao veneno que a cobra jorrou nele. O Lobo engolirá Odin, esse será seu fim. Mas logo em seguida Vídarr seguirá em frente e colocará um pé sobre o maxilar inferior do Lobo; […]. Com uma mão ele agarrará a mandíbula superior do Lobo. Loki batalhará contra Heimdallr, e cada um será o assassino do outro. Em seguida, Surtr lançará fogo sobre a terra e queimará todo o mundo […]|3|.
Após a destruição do universo durante os eventos do Ragnarök, uma terra fértil ressurgiria do mar e seria repovoada por um casal de humanos que havia sobrevivido, Lif e Lifthrasir. Vidar e Vali, dois filhos de Odin, também sobreviveriam ao Ragnarök, assim como Modi e Magni, filhos de Thor. Por fim, Balder e Hödr ressurgiriam do mundo dos mortos. Conforme o relato de Sturluson, as coisas aconteceriam da seguinte maneira:
Nessa época, a terra emergirá do mar, verde e bela, então seus frutos surgirão da terra não semeada. Vídarr e Vali estarão vivos, uma vez que nem o mar nem o fogo de Surtr os terá ferido; e eles habitarão nas Planícies de Ida, onde Asgard estava antes. E então os filhos de Thor, Módi e Magni, irão para lá e eles terão o Mjölnir com eles. Depois Baldr irá para lá e, Hödr, vindos de Hel, então todos sentar-se-ão juntos e conversarão uns com os outros […].
No lugar chamado Bosque de Hoddmímir se esconderam durante o Fogo de Surtr dois da raça humana, que são chamados assim: Líf e Lifthrasir, e de comida eles terão o orvalho da manhã. Deles virá uma descendência tão numerosa que todo o mundo será povoado […]|4|.
Quais são as fontes nórdicas que registram o Ragnarök?
Os historiadores conhecem os eventos que caracterizam o Ragnarök graças aos registros que foram realizados na Edda em Prosa (particularmente no capítulo chamado Gylfaginning) e em vários poemas da Edda Poética, especialmente o poema Völuspá. Esses são os principais registros que se têm conhecimento sobre os mitos que caracterizavam a religião dos nórdicos.
A Edda em Prosa foi escrita pelo poeta e historiador islandês Snorri Sturluson, por volta de 1220. Segundo Johnni Langer, essa obra tinha como objetivo “ser um manual de mitologia para os jovens poetas, numa época em que as antigas metáforas poéticas e as narrativas míticas estavam sendo esquecidas”|5|. O principal capítulo dessa obra, conforme mencionado, chama-se Gylfaginning e sistematizou as crenças e mitos dos nórdicos de maneira linear, passando da criação do universo até a catástrofe do Ragnarök.
Já a Edda Poética é uma coleção de poemas nórdicos que narram diferentes mitos que faziam parte da crença religiosa dos vikings. Esses poemas foram registrados em um manuscrito conhecido como Codex Regius, que agrupava 29 textos poéticos. Uma cópia foi localizada em 1643, em uma fazenda na Islândia. Na Edda Poética, o poema que aborda de maneira mais extensa os eventos do Ragnarök é a Völuspá.
A respeito do Ragnarök, existem historiadores que acreditam que esse evento não existia originalmente na concepção religiosa dos nórdicos e foi introduzido por interferência cristã. Esses historiadores argumentam que a representação do Ragnarök foi inspirada nos eventos narrados no apocalipse. Muitos desses especialistas utilizam-se de um trecho da Völuspá como exemplo da influência cristã na concepção do Ragnarök:
Então do alto,
Vem para julgar
O forte e poderoso,
Que tudo governa|6|.
No caso do trecho acima, os historiadores afirmam que a menção ao “forte e poderoso” que vem “do alto” é uma menção direta ao deus cristão. Existem, porém, especialistas que contestam essa visão e afirmam que os eventos do Ragnarök têm origem totalmente pagã e são originários da narrativa religiosa típica dos povos indo-europeus.
O historiador Johnni Langer afirma que a narrativa escatológica dos nórdicos tem relação com o temor que se disseminou na região por causa de uma série de fenômenos astronômicos, tais como eclipses e passagens de cometas, ocorrida entre os séculos VIII e IX.|7|. Langer explica ainda que a passagem do cometa Halley em 837, por exemplo, pode ter sido interpretada de maneira ruim pelos nórdicos, que o relacionaram com Jörmungandr, a serpente do mundo.
|1| LANGER, Johnni. Ragnarök. In.: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015, p. 391.
|2| STURLUSON, Snorri. Edda em Prosa: Gylfaginning e Skáldskaparmál. Belo Horizonte: Barbudânia, 2015, p. 118.
|3| Idem, p. 119.
|4| Idem, p.125-126.
|5| LANGER, Johnni. Edda em Prosa. In.: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015, p. 143.
|6| ANÔNIMO. Edda Mayor, tradução de Luis Lerate. Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.36. [Em espanhol, tradução minha].
|7| Para mais detalhe sobre, acesse o artigo “Cometas, Eclipses e Ragnarök: uma interpretação astronômica da escatologia nórdica pré-cristã” da autoria de Johnni Langer, clicando aqui.
Por Daniel Neves
Graduado em História