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Quando pensamos na narrativa, costumamos associar o nome aos tipos textuais envolvidos na elaboração de uma redação. Na escola, esse é o primeiro tipo de texto ao qual somos expostos, seja através dos contos de fadas ou através das clássicas fábulas. Contar uma história, respeitando a sucessão cronológica dos eventos, costuma ser muito fácil e, por isso, tornou-se a técnica mais empregada e difundida.
O texto narrativo é comumente dividido em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão, explorando elementos como tempo, lugar, personagens e diversas circunstâncias que levam ao clímax da história. Essa estrutura clássica não costuma ser alterada, contudo, existem técnicas de estrutura da narrativa que podem subverter a ordem com que esses elementos são dispostos. As narrativas lineares, aquelas que apresentam um enredo cronologicamente ordenado, são as mais comuns e também as que menos exigem comprometimento do leitor. Os fatos, narrados de maneira sucessiva, sem intromissão de digressões e flashbacks, são mais facilmente assimilados e evitam que o leitor menos audaz perca o chamado “fio da meada”.
Na Literatura brasileira encontramos diversos exemplos de escritores que ousaram subverter as narrativas lineares, apresentando aos leitores novas formas de se contar uma história. Nessas histórias, novas técnicas de estrutura da narrativa foram exploradas, provando que nem sempre é preciso respeitar a cronologia dos fatos. Observe alguns exemplos de técnicas de estrutura da narrativa em clássicos de nossa Literatura:
A narrativa não linear
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis adotou a narrativa não linear
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: O clássico de Machado de Assis prova que é possível transgredir a estrutura da narrativa sem qualquer tipo de prejuízo. Seu narrador personagem, Brás Cubas, conta sua vida depois de morto, sendo, como bem definiu nosso gênio maior da Literatura brasileira, um “defunto-autor”.
CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco [...]”.
(Fragmento do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis)
O contraponto dramático
O resto é silêncio adota a técnica narrativa do contraponto dramático, oferecendo ao leitor uma história densa e emocionante
Influenciado pelas técnicas narrativas desenvolvidas pelo romancista inglês Aldous Huxley, Érico Veríssimo escreveu, nos anos 1940, o romance O resto é silêncio, no qual conta a história de diferentes personagens, sob diferentes perspectivas, através da técnica do contraponto dramático. Essa técnica possibilita a ligação entre as trajetórias dos diferentes personagens da trama, oferecendo ao leitor um texto esteticamente diferenciado.
“[...] Nesse bilhete [aos meus] eu procuraria dizer-lhes que a vida vale a pena de ser vivida, apesar de todas as suas dificuldades, tristezas e momentos de dor e angústia. E que a coisa mais importante que existe sobre a face da terra é a pessoa humana. E que desejo que elas vivam em bondade e beleza. E que na medida de sua capacidade e habilidade ajudem o próximo. [...] Pedir-lhes-ia que de quando em quando se lembrassem do Velho. [...] Se eles quiserem prestar uma homenagem à minha memória, que se reúnam uma noite, qualquer noite, e toquem os últimos quartetos de Beethoven, algumas sonatas de Mozart e qualquer coisa do velho Bach. E o resto – que diabo! – O resto é silêncio...”.
(Fragmento do livro “O resto é silêncio”, de Érico Veríssimo)
Narrativa em paralelo
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é uma novela literária que segue os moldes da narrativa em paralelo
Vidas secas, de Graciliano Ramos, é considerado uma novela literária. Graciliano adotou a chamada narrativa em paralelo, técnica que requer a existência de dois ou mais pontos de vista, com episódios que são contados sucessivamente. Mas para que o leitor ou o telespectador (as novelas literárias deram origem às telenovelas) não se perca diante de fatos simultâneos, é necessário que os núcleos de personagens sejam reduzidos e que suas ações sejam constantemente relembradas nos diálogos. Há também um segundo tipo de narrativa paralela que desenvolve dois eixos temporais, alternando entre o passado e o presente de um grupo de personagens.
“(...) Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a sinha Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande (...)”.
(Fragmento do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos)
Por Luana Castro
Graduada em Letras