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Cristãos-novos foi a alcunha dada aos judeus e muçulmanos (mouros) que migraram para Portugal durante a última década do século XV por causa de sua expulsão do território espanhol, recém-conquistado. Os cristãos-novos figuraram entre os grupos sociais mais perseguidos do início da Idade Moderna.
A migração dos judeus e muçulmanos para Portugal começou após o processo final da reconquista da Península Ibérica pelos reis católicos em 1492, o que resultou na unificação do território espanhol pelos reinos de Castela e Leão. Os reis católicos determinaram a expulsão daqueles que não professavam a fé católica. Na época, Portugal era governado pelo rei D. Manuel I, que recebeu a leva de imigrantes em seu reino. Os judeus, sobretudo, ofereciam a Portugal perspectivas de amplo desenvolvimento econômico, em virtude de sua experiência em comércio.
Entretanto, em 1497, D. Manuel I casou-se com Isabel de Aragão, filha e herdeira dos reis católicos Isabel e Fernando. Entre as cláusulas desse casamento, constava a mesma determinação válida em território espanhol referente aos muçulmanos e judeus, isto é, a expulsão, já que eram tidos como hereges. D. Manuel, então, propôs aos milhares de imigrantes que se convertessem ao catolicismo ou saíssem do país, na esperança de que eles optassem pela primeira via. Todavia, mais de 20 mil decidiram pela saída, o que levou o rei a fechar todos os portos do país para impedir a fuga.
Após forçar a permanência dessa população em território português, a partir do ano de 1497, as autoridades portuguesas também passaram a forçar a sua conversão ao catolicismo para cumprir as determinações da convenção com o trono espanhol. Muitos eram os métodos usados para isso. Um dos mais impressionante era o sequestro de crianças judias ou muçulmanas para que fossem criadas e educadas por famílias católicas. Durante esse processo, os recém-convertidos foram denominados como cristãos-novos e eram sempre vistos com desconfiança tanto por parte de alguns clérigos como por parte da população católica. Entre os judeus conversos, havia aqueles que eram reconhecidos como “criptojudeus”, isto é, nas aparências mantinham a fé católica, mas, em segredo, continuavam a praticar os ritos judaicos.
No ano de 1506, a situação dos cristãos-novos chegou ao ápice de violência em Portugal. Houve um grande massacre contra eles motivado por fanatismo religioso associado à crise social que os lusitanos enfrentavam em virtude da peste e da seca que assolava o país. A matança começou em 19 de abril e foi promovida pela população católica incitada por alguns clérigos que consideravam os judeus os responsáveis pela desgraça que assolava Portugal. Os cronistas da época, como Damião de Góis, contaram que uma observação feita por um cristão-novo durante uma missa teria despertado a revolta e o massacre. Os católicos teriam visto o rosto de Cristo na Capela de Jesus, no Mosteiro de São Domingos. Entretanto, um cristão-novo replicou os presentes que contemplavam o suposto milagre dizendo que o que havia ali era o reflexo da imagem de um crucifixo na parede, provocada por uma candeia acesa.
Esse foi o estopim para o massacre. O grupo de católicos arrastou o cristão-novo para fora da capela e linchou-o até a morte. Veja o que diz Damião de Góis em uma crônica:
“A esta turba de maus homens e de frades que, sem temor de Deus, andavam pelas ruas concitando o povo a tamanha crueldade, juntaram-se mais de mil homens (de Lisboa) da qualidade (social) dos (marinheiros estrangeiros), os quais, na Segunda-feira, continuaram esta maldade com maior crueza. E, por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e (as próprias) crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes. E não esqueciam de lhes saquear as casas e de roubar todo o ouro, prata e enxovais que achavam. E chegou-se a tal dissolução que (até) das (próprias) igrejas arrancavam homens, mulheres, moços e moças inocentes, despegando-os dos Sacrários, e das imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de outros santos, a que o medo da morte os havia abraçado, e dali os arrancavam, matando-os e queimando-os fanaticamente sem temor de Deus.” [1]
Após essa carnificina, Portugal instituiu em Lisboa um Tribunal de Inquisição especial para o julgamento de cristãos-novos. Esse tribunal teve extensão também no território do Brasil Colonial, como afirma a pesquisadora Anita Novinsky: “Para os cristãos-novos foi instituído um Tribunal específico, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, com o objetivo de vigiar e punir a prática da religião e as tradições judaicas. Os cristãos-novos foram alvo de um ódio sem precedentes na história, até então.” [2]
NOTAS
[1] GÓIS, Damião de. Chronica do Felicissimo Ray. D, Emanuel da Gloriosa Memória. (1506)
[2] NOVINSKY, Anita. “Das pesquisas sobre a Inquisição e os Cristão-Novos no Brasil ao Museu da Tolerância da Universidade de São Paulo.” (entrevista). In: WebMosaica: revista do instituto cultural judaico Marc Chagall. v.3 n.2 (jul-dez), 2011 p. 145-46.
Por Me. Cláudio Fernandes