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Desde sua ascensão ao poder com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas demonstrava tendência a um modo centralizador de administração. De 1930 a 1937, período que abrange duas fases da Era Vargas, conhecidas como “Governo Provisório” (1930-1934) e “Governo Constitucional” (1934-1937), Getúlio pretendeu, de diversas maneiras, estabelecer controle sobre agremiações sociais, fossem organizações partidárias, fossem organizações militares (como o movimento tenentista). A Constituição de 1934, elaborada por uma Assembleia Constituinte, procurava dar um ar de legitimação para o governo estabelecido no comando do país por via revolucionária. Entretanto, em 1937, uma nova reviravolta política resultou em outro golpe, que instituiu o Estado Novo. Essa nova fase da Era Vargas precisava de uma nova Constituição, que foi outorgada nesse mesmo ano.
A Constituição de 1937, ao contrário daquela de 1934, não foi redigida por uma Assembleia Constituinte, isto é, não passou pela discussão e apreciação de deputados e especialistas da área jurídica, mas foi elaborada por uma só pessoa: Francisco Campos, então Ministro da Justiça de Getúlio. Francisco Campos era jurista por formação e muito ajustado à linha de pensamento jurídica totalitária dos anos de 1930 e 1940. O texto que Campos elaborou para sustentar o novo regime ditatorial de Vargas estava ancorado em modelos do fascismo europeu, sobretudo o italiano e o polonês.
Consta-se na Carta Constitucional redigida por Campos elementos muito semelhantes aos da “Carta del Lavoro” (Constituição do Trabalho) do governo fascista de Benito Mussolini, outorgada em 1927. Um desses elementos era a tentativa de controle das organizações de trabalhadores, como os sindicatos, que foram cooptados tanto por Mussolini quanto por Vargas com vistas a neutralizar qualquer penetração de ideias comunistas ou anarquistas que viessem a rivalizar com a proposta do modelo fascista.
Por ter sido um texto escrito para legitimar um governo ditatorial de inspiração abertamente fascista, Vargas procurou convencer muitos políticos da necessidade do golpe, alardeando o que já havia sido tramado com o Plano Cohen: a ameaça de uma revolução comunista (como a que foi tentada em 1935). O principal articulador dessa “negociação” com outros políticos foi o deputado Negrão de Lima, aliado de Vargas. Ao mesmo tempo que procurva neutralizar os comunistas, bem como os tenentistas e outras linhas de expressão iminentemente revolucionárias, Vargas propôs aos integralistas, liderados por Plínio Salgado, que a ditadura do Estado Novo seria amplamente favorável aos ideias do integralismo. Vargas chegou a conceder a Francisco Campos que mostrasse a Plínio Salgado parte do texto da Constituição.
Aconteceu que, depois de outorgada a Constituição e instituído o Estado Novo, um dos alvos imediatamente atacados por Vargas foi a Ação Integralista Brasileira (AIB) e o próprio Plínio Salgado. Vargas quis, de certo modo, dar um pequeno e discreto golpe contra os integralistas, traindo a sua confiança. Isso atraiu a revolta da AIB, o que culminou na tentativa de um contragolpe em 1938: a Intentona Integralista.
A Constituição de 1937 foi, ainda, apelidada de “polaca”, pois, tal como a Constituição Polonesa de 1921, a Constituição Brasileira também não passou por uma Constituinte e foi outorgada pelo chefe do Executivo, tendo ainda um texto que dava a esse chefe muitos dispositivos para influenciar completamente toda a composição do governo. Essa alcunha “polaca” reverberou negativamente entre a população, principalmente por também fazer alusão às prostitutas europeias que circulavam pela capital do país, à época, tal como narra o biógrafo de Vargas, Lira Neto:
[…] não podia haver dúvidas a respeito da vocação autoritária do texto constitucional elaborado por Francisco Campos. A própria forma de elaboração do documento contrariara a tradição de se confiar tão importante tarefa a uma Assembleia Constituinte. Por essas e outras, a nova Carta Magna foi apelidada de 'Polaca', referência à Constituição outorgada e imposta pelo marechal Józef Piludski à Polônia, em 1921 (o epíteto terminou por ganhar conotação ainda mais pejorativa, ao aludir às prostitutas europeias que, a despeito de sua verdadeira nacionalidade, eram tratadas à época, no Brasil, como polonesas – ou 'polacas').” [1]
NOTAS
[1] NETO, Lira. Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 317-18.
Por Me. Cláudio Fernandes