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A fundação da cidade de Goiânia, na década de 1930, trouxe ao Estado de Goiás uma política considerada modernizadora em vários âmbitos. A criação de um leprosário, isto é, uma instituição que isolava e cuidava de doentes acometidos pela lepra – ou hanseníase –, na região que é conhecida como Senador Canedo, foi, na época, considerada uma medida bastante avançada. A instituição ficou conhecida como Colônia Santa Marta. Tal nome remete à figura de Marta, irmã de Lázaro, o leproso que, na tradição cristã, fora ressuscitado por Jesus – haja vista que a lepra é conhecida por ser a doença que mais vezes é descrita nos antigos relatos históricos de variadas civilizações do mundo.
É necessário, portanto, entender o porquê da criação da referida colônia em Goiânia e também os motivos pelos quais sua forma de lidar com os doentes foi tão contestada nas décadas posteriores.
No fim do século XIX, a preocupação com a hanseníase em Goiás já era enorme. Isso se dava pelo grande aumento do número de pessoas acometidas por essa doença. O motivo provável para o aumento de casos teria sido a crença no suposto poder curativo das fontes termais da região do Rio Quente, em Caldas Novas. Segundo a historiadora Leicy Francisca da Silva, no artigo intitulado Colônia Santa Marta e a Hanseníase em Goiás, desde 1830 muitas pessoas com o chamado “mal de Lázaro” se deslocavam dos estados vizinhos, como Bahia e Minas Gerais, em direção às águas quentes de Goiás. Isso aumentou significativamente o número de pessoas sãs que passavam a contrair a lepra por meio do contato com a água. Apenas a partir da intervenção de Pedro Ludovico no estado de Goiás, sob nomeação de Getúlio Vargas, que o problema da lepra passou a ser efetivamente encarado como questão de saúde pública.
Ao longo da década de 1930, todo o país passava por uma turbulenta reconfiguração política. Getúlio Vargas havia liderado uma revolução que o colocara na chefia do país e que dela só sairia em 1945. Foi neste contexto que Vargas nomeou diversos interventores para vários estados brasileiros. Pedro Ludovico, ao representar a política centralizadora e modernizadora de Getúlio Vargas no Estado de Goiás, estabeleceu um programa para o problema dos leprosos no estado, fundando a Colônia Santa Marta.
O programa consistia em transferir os doentes de lepra de todos os locais considerados inadequados, como pequenos hospitais de cidades do interior, para um só local, que funcionaria como uma pequena cidade, com sua própria dinâmica. Sendo assim, a política sanitária para a hanseníase consistia, basicamente, no confinamento dos doentes. Essa ideia era defendida na época pelo médico sanitarista Belisário Penna (1869-1939). Penna compreendia que a construção de uma cidade própria para doentes de lepra constituía a medida mais humanitarista para se tratar do problema. Entretanto, essa medida acarretou vários outros problemas para os internos, como a privação do convívio familiar e social e o estigma de ser “leproso”, gerando uma crescente onda de preconceito e discriminação.
A história da Colônia Santa Marta mudou após a popularização do tratamento curativo da hanseníase, na década de 1950. A descoberta da cura da doença produziu um consequente descrédito da política sanitarista de isolamento dos doentes. Sobretudo a partir da década de 1960, deu-se início a uma forte pressão da sociedade contra esse tipo de modelo sanitarista, assim como havia uma contestação das instituições manicomiais. Nas últimas décadas do século XX, os pacientes da colônia que tiveram acesso ao tratamento puderam sair do confinamento. Contudo, como grande parte deles tinha sido alijada do seio familiar durante muitos anos, os problemas relacionados à reinserção na sociedade se tornaram recorrentes.
Atualmente, no lugar onde funcionou a antiga colônia funciona o Hospital de Dermatologia Sanitária e Reabilitação Santa Marta. As antigas estruturas físicas do prédio são preservadas também com a ajuda do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Brasileiro) com o objetivo de preservar a memória desse período da história brasileira e goiana.
Por Me. Cláudio Fernandes