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Um dos acontecimentos mais importantes da história da Grécia Antiga foi a Guerra do Peloponeso, isto é, uma sucessão de conflitos que se desencadeou na antiga Hélade durante o período em que vigorou a hegemonia militar de Atenas sobre as outras cidades-estado gregas por volta de 431 a 411 antes de Cristo. Essa hegemonia estabeleceu-se após as guerras travadas contra os Persas, as chamadas Guerras Médicas. Tucídides (460-400 a.C.) foi combatente (atingindo o posto de general) por Atenas, na Guerra do Peloponeso, e deixou várias impressões sobre esse fato em sua obra História da Guerra do Peloponeso, tanto sobre a constituição política das cidades envolvidas quanto sobre a natureza da guerra, a peste que assolou Antenas e muitos outros fatores.
Ao contrário de Heródoto, que é considerado o “pai da história”, ou seja, aquele que primeiro desenvolveu uma forma de registro dos grandes acontecimentos históricos, Tucídides aperfeiçoou tanto a técnica historiográfica e o estilo retórico de escrever a história quanto a reflexão sobre a condição dos homens diante da glória e da morte.
Na descrição dos fatos da Guerra do Peloponeso, Tucídides usava a técnica retórica da ekphrasis, isto é, um discurso que pretendia “pôr sobre os olhos” aquilo que aconteceu, mostrando o mais vividamente possível ao leitor a atmosfera do acontecimento a fim de convencê-lo da veracidade e do realismo do que estava sendo relatado. Para tanto, a descrição é minuciosa e carregada de pathos, ou seja, aquilo que provoca as emoções de quem lê. No trecho a seguir, no qual está descrita a forma como a peste atingiu Atenas, isso fica patente:
“Dizem que ela [peste] apareceu anteriormente em vários lugares (em Lemnos e outras cidades), mas em parte alguma se tinha lembrança de nada comparável como calamidade ou em termos de destruição de vidas. Nem os médicos eram capazes de enfrentar a doença, já que de início tinham de tratá-la sem lhe conhecer a natureza e que a mortalidade entre eles era maior, por estarem mais expostos a ela, nem qualquer outro recurso humano era da menor valia. As preces feitas nos santuários, ou os apelos aos oráculos e atitudes semelhantes foram todas inúteis e, afinal, a população desistiu delas, vencida pelo flagelo.” (TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mario da Gama Kury. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. III, 82.)
A peste consistiu no fator mais inesperado para os atenienses. Havia a possibilidade de a cidade ruir em face da guerra contra a liga do Peloponeso, mas não sucumbir diante de uma praga natural. A desordem social provocada pela peste tornava-se simétrica à crueza da guerra. Em sua História, Tucídides procurou exprimir os modos como os dois eventos (peste e guerra) transformaram profundamente as instituições e os homens, a começar por ele próprio, que foi general e que contraiu a doença, sofrendo, portanto, na pele os dois eventos.
Uma das conclusões a que Tucídides chegou em sua obra foi a de que a guerra pode ser encarada como uma mestra, uma “severa mestra”. A mestra que faz os espíritos defrontarem-se com as circunstâncias reais, na medida em que caem suas ilusões fantasiosas.
Por Me. Cláudio Fernandes