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A Argentina foi o epicentro de uma das maiores crises econômicas sofridas nos últimos anos por uma única nação. A proposta neoliberal iniciada nos anos 90, caracterizada pela dolarização da economia e maior liberdade de atuação do capital privado não conseguiu alcançar seus objetivos, sendo responsável inclusive pela deterioração da qualidade de vida da população argentina. Em total oposição ao modelo neoliberal, o presidente Nestor Kirchner iniciou, em 2003, um governo de caráter nacionalista, buscando mecanismos para proteger a economia do país a qualquer custo.
A reconstrução econômica da Argentina representou, na prática, uma espécie de desconstrução, pois a queda do projeto neoliberal foi acompanhada de um enorme processo de desindustrialização e um incremento na produção de matérias-primas, como a soja, milho, carne bovina e trigo. A reprimarização da economia argentina priorizou recuperar o crescimento econômico do país, o que realmente ocorreu, em um primeiro momento.
Em contrapartida, a dependência no setor primário, cujos produtos possuem um menor valor agregado, acarreta em uma série de riscos para a estrutura econômica de um país. Um dos maiores desafios reside na redução dos investimentos e de geração de tecnologia, pois uma economia fundamentada no setor primário acaba restringindo os investimentos do capital produtivo nacional e internacional. As atividades correspondentes ao setor primário possuem outro fator complicador, que é a baixa capacidade de geração de empregos, o que pode alimentar uma crise social.
A concepção de governo instituída por Nestor Kirchner também se apoiou em forte populismo, recuperando valores peronistas, remetendo ao ex-presidente Juan Domingo Perón, que governou o país entre os anos de 1946 e 1952, e num curto período entre 1973 e 1974. Em sua primeira passagem, Perón foi responsável pela ascensão social da classe trabalhadora da Argentina, introduzindo uma série de benefícios sociais, com forte nacionalização da economia. Recuperar tais valores foi essencial para a realização de uma espécie de pacto com a população argentina, acostumada a reivindicar seus direitos e por tentar persuadir seus políticos a mudar os rumos de suas estratégias.
Nestor Kirchner foi um grande entusiasta da organização UNASUL (União Sul-americana das Nações). A UNASUL é um bloco econômico em processo de constituição, buscando reunir o MERCOSUL e o Pacto Andino juntamente com a Guiana e o Suriname. As pretensões do bloco sobrepõem às questões econômicas, contemplando programas sociais e segurança. Kirchner chegou a assumir a presidência rotativa do bloco e contribuiu para a resolução de divergências diplomáticas entre Venezuela e Colômbia.
Se por um lado a UNASUL foi incentivada por Kirchner, o MERCOSUL teve uma série de entraves em razão das políticas protecionistas realizadas pela Argentina nesses últimos anos, como a imposição de tarifas, fiscalizações e demais burocracias contra os produtos brasileiros. Para esse feito, o argumento utilizado pelo governo Kirchner foi a proteção da estrutura produtiva e dos empregos do seu país.
Ao contrário da visão compartilhada por muitas pessoas, geralmente alimentadas pelas disputas esportivas, como no futebol, os dois países não devem ser encarados como rivais. As oscilações na economia da Argentina são prejudiciais ao Brasil, que representa o maior destino das exportações argentinas. O Brasil também consiste no maior fornecedor de produtos para a Argentina e, por isso mesmo, é necessária uma maior sintonia nas decisões tomadas no âmbito das políticas econômicas entre os países, pois as divergências estão apenas enfraquecendo as suas economias, prejudicando toda a região e descaracterizando o projeto de integração do MERCOSUL.
* A Venezuela foi suspensa do Mercosul, por tempo indeterminado em dezembro de 2016.
Júlio César Lázaro da Silva
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP
Mestre em Geografia Humana pela Universidade Estadual Paulista - UNESP