Os tipos de intertextualidade são a alusão, a bricolagem, a citação, a paráfrase, a epígrafe, a paródia, o pastiche e a tradução. A intertextualidade pode ser explícita, quando a fonte do intertexto é explicitada (como em uma citação direta) ou implícita, quando a fonte do intertexto não é explicitada (como na alusão).
Leia também: O que é um hipertexto?
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre intertextualidade
- 2 - Quais são os tipos de intertextualidade?
- 3 - Intertextualidade implícita e explícita
- 4 - Exercícios resolvidos sobre tipos de intertextualidade
Resumo sobre intertextualidade
- Os principais tipos de intertextualidade são:
- alusão (referência);
- bricolagem (colagem);
- citação (direta ou indireta);
- paráfrase (citação indireta);
- epígrafe (breve citação);
- paródia (recriação crítica);
- pastiche (imitação);
- tradução (literal ou parafrástica).
- A intertextualidade também pode ser:
- explícita (a fonte do intertexto é revelada);
- implícita (a fonte do intertexto não é revelada).
Quais são os tipos de intertextualidade?
A intertextualidade é caracterizada pelo diálogo entre textos, de forma que um texto (ou intertexto) retoma outro. Assim, os principais tipos de intertextualidade são:
→ Alusão
Tipo de intertextualidade implícita que consiste na menção a algo ou a alguém. Se o(a) receptor(a) da mensagem desconhece tal alusão, a construção de sentido do texto pode ser comprometida. Por exemplo, no fragmento de texto abaixo, o narrador de Memórias póstumas de Brás Cubas faz referência ou alusão a Aquiles, a Balaão (personagens de outras narrativas) e ao Nilo (o rio egípcio):
Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu, se é que não fingiu uma dessas coisas; e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do cavalo de Aquiles ou da asna de Balaão, retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dois quadrúpedes: abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me dá de confessar que sentia umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber onde ficava a origem dos séculos, se era tão misteriosa como a origem do Nilo, e sobretudo se valia alguma coisa mais ou menos do que a consumação dos mesmos séculos: reflexões de cérebro enfermo.
MACHADO DE ASSIS. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
→ Bricolagem
A bricolagem é uma espécie de colagem de textos, isto é, a combinação de fragmentos de dois ou mais textos para formar uma obra. O exemplo mais famoso é a letra de música Monte castelo, do compositor Renato Russo, que utiliza trechos da carta de São Paulo aos coríntios e de um soneto de Camões:
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria
[...]
O amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
RUSSO, Renato. Monte castelo. In: LEGIÃO URBANA. As quatro estações. Rio de Janeiro: EMI, 1989.
Na primeira estrofe desse fragmento de letra de música, Renato Russo reproduz as palavras do apóstolo São Paulo. A segunda é a reprodução de uma estrofe do soneto de Camões.
→ Citação
Reprodução, direta ou indiretamente, das palavras de um(a) autor(a). A citação direta ocorre com o uso de aspas:
O diagnóstico psicopatológico do autismo se alicerça nas descrições e formulações diagnósticas de Kanner (2012, p. 168) acerca de crianças que manifestavam desde a primeira infância um “[...] desejo muito forte de solidão e ausência de mudança”. Já na caracterização do designado caso 1, Kanner descrevia uma criança (Donald T.) de cinco anos que era “[…] extremamente autístico” (2012, p. 120). Todavia, “[…] essa constelação de comportamentos […] não tinha nome” (Donvan & Zucker, 2017, p. 20), até que Leo Kanner os descrevesse e os caracterizasse como um quadro psicopatológico. Desse modo, com a publicação científica desse material clínico, Donald assim como as outras crianças descritas por Kanner tornaram-se parte do enredamento oficial da história do autismo como um quadro psicopatológico de distúrbio autístico do contato afetivo.
BIALER, Marina; VOLTOLINI, Rinaldo. Autismo: história de um quadro e o quadro de uma história. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 27, 2022.
Já a citação indireta (sem aspas) é uma paráfrase, conceito que veremos a seguir.
→ Paráfrase
A paráfrase consiste em reproduzir um texto com outras palavras, mas mantendo seu sentido original. Portanto, é uma citação indireta:
Segundo Bauman (2001), as inúmeras esferas da sociedade contemporânea (vida pública, vida privada, relacionamentos humanos) passam por uma série de transformações cujas consequências esgarçam o tecido social. Tais alterações, de acordo com o sociólogo polonês, faz com que as instituições sociais percam a solidez e se liquefaçam, tornando-se amorfas, paradoxalmente, como os líquidos. A modernidade líquida, assim, é tempo do desapego, provisoriedade e do processo da individualização; tempo de liberdade ao mesmo tempo em que é o da insegurança. […].
TFOUNI, Fabio Elias Verdiani; SILVA, Nilce da. A modernidade líquida: o sujeito e a interface com o fantasma. Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 8, n. 1, 2008.
Observe que os autores do artigo, ao não reproduzirem entre aspas as palavras exatas de Zygmunt Bauman, indicam uma paráfrase, ou seja, com as próprias palavras, expressam o que foi dito pelo sociólogo, de forma a manter o sentido original de seu texto.
→ Epígrafe
A epígrafe é uma citação breve colocada no início de uma obra, poema ou capítulo. Tal citação está relacionada à temática do texto que a segue. Veja só um trecho do capítulo um da novela Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, que traz uma epígrafe, ou seja, uma citação de uma obra de José Bonifácio:
Uma noite do século
Bebamos! nem um canto de saudade!
Morrem na embriaguez da vida as dores!
Que importam sonhos, ilusões desfeitas?
Fenecem como as flores!
José Bonifácio.
— Silêncio, moços! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?
— Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold — o louro, cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Tieck, que música mais bela que o alarido da saturnal? Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das taças?
[...]
ÁLVARES DE AZEVEDO. Noite na taverna. Recife: Prazer de Ler, 2015.
→ Paródia
A paródia é marcada por subversão e criticidade. Apresenta uma recriação irônica do texto parodiado, dando a ele novo sentido. É comum a manutenção da forma do texto original, mas isso também pode ser subvertido.
Existem dois versos muito famosos de Fernando Pessoa, em seu poema Mar português:
“Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.”
É possível parodiar esses versos desta forma:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a fama não é pequena
→ Pastiche
O pastiche é uma explícita imitação e pode apresentar caráter exagerado. Um exemplo famoso de pastiche é o romance Em liberdade, de Silviano Santiago, em que o estilo de escrita de Graciliano Ramos é imitado. A obra é um fictício diário do escritor Graciliano Ramos, como podemos ver neste fragmento:
Confesso que aquela frase foi escrita depois que reli o que tinha escrito de um jato. Sei que vou reescrever estas páginas mais algumas vezes antes da datilografia (apenas para aprimorar o estilo) e pode ser que, depois de riscar e emendar, as frases estejam mais equilibradas, à altura daquela outra. Prometo, no entanto, não tocar nela. Deixá-la como está. Fica aí como um monumento à minha incapacidade de construir alguma coisa que seja distante de mim, que não seja referenciável a mim ou a personagem semelhante a mim. É o sapato que terminei de pespontar. Não é o pesponto em si.
SANTIAGO, Silviano. Em liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
→ Tradução
A tradução é a transposição do texto de uma língua para outra. Segundo John Dryden (apud Sant’Anna, 2007, p. 18), existem dois tipos de tradução:
- Metáfrase: o tradutor converte para outra língua, de forma literal, palavra por palavra;
- Paráfrase: o tradutor não converte palavra por palavra, mas usa as próprias palavras e mantém o sentido do texto original.
Por exemplo, existem várias traduções célebres, como a tradução do poema The raven (O corvo), de Edgar Allan Poe, feita por Machado de Assis, e também a tradução de Mario Quintana da obra Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.
Intertextualidade implícita e explícita
Quando a fonte do intertexto NÃO é revelada, chamamos isso de “intertextualidade implícita”. Esse tipo de intertextualidade está relacionado, por exemplo, a alusões, paródias etc. Sua identificação depende do(a) receptor(a) da mensagem, que deve recorrer ao seu repertório ou conhecimento de mundo para, assim, completar o sentido do texto.
Veja um exemplo de intertextualidade implícita no seguinte fragmento da letra de música Flor da idade, de Chico Buarque:
A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor
Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor
[…]
Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha
Na última estrofe, há uma intertextualidade implícita com o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Só quem conhece tal poema pode fazer essa associação, pois o compositor não deixou tal relação explícita.
Por outro lado, quando a fonte do intertexto é revelada, chamamos isso de “intertextualidade explícita”. Esse tipo de intertextualidade está relacionado, por exemplo, a citações, resenhas, traduções etc.
Veja um exemplo de intertextualidade explícita no seguinte fragmento do artigo O espelho partido de Oscar Wilde:
A vida do escritor Oscar Wilde ficou tragicamente marcada pelo advento de sua condenação e prisão no ano de 1895, eventos que lançaram uma pesada sombra sobre os seus sucessos anteriores, levando-o, mesmo depois de libertado, a se perceber destituído de sua genialidade e talento criativo.
De acordo com Schiffer (2011), certo tempo antes de sua prisão, o escritor viveu um relacionamento tumultuado e passional com o jovem lorde Alfred Douglas, conhecido como Bosie, o que muito desagradou ao pai deste, o marquês de Queensberry, que não mediu esforços para que o filho rompesse a relação, chegando a insultar Wilde publicamente, que, incitado pelo amante, decide mover um processo por difamação contra o marquês.
Quando os autores do artigo explicitam a fonte do texto parafraseado, ou seja, Schiffer, ocorre a intertextualidade explícita.
Saiba mais: Qual a importância do contexto para a compreensão de um texto?
Exercícios resolvidos sobre tipos de intertextualidade
Questão 1 (Enem)

Disponível em: www.ccsp.com.br. Acesso em: 26 jul. 2010 (adaptado).
O anúncio publicitário está intimamente ligado ao ideário de consumo quando sua função é vender um produto. No texto apresentado, utilizam-se elementos linguísticos e extralinguísticos para divulgar a atração “Noites do Terror”, de um parque de diversões. O entendimento da propaganda requer do leitor
A) a identificação com o público-alvo a que se destina o anúncio.
B) a avaliação da imagem como uma sátira às atrações de terror.
C) a atenção para a imagem da parte do corpo humano selecionada aleatoriamente.
D) o reconhecimento do intertexto entre a publicidade e um dito popular.
E) a percepção do sentido literal da expressão “noites do terror”, equivalente à expressão “noites de terror”.
Resolução: Alternativa D.
A frase “Quem é morto sempre aparece” é uma paródia do dito popular “Quem é vivo sempre aparece”. Identificar esse tipo de intertextualidade permite que o leitor entenda a propaganda.
Questão 2
Analise estas afirmações:
I. A alusão ou referência é um tipo de intertextualidade implícita.
II. A citação direta é um tipo de intertextualidade explícita.
III. A paródia apresenta caráter irônico e é um tipo de plágio.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmativa(s):
A) I, apenas.
B) II, apenas.
C) III, apenas.
D) I e II, apenas.
E) I, II e III.
Resolução: Alternativa D.
A paródia não é um plágio, já que não é uma cópia de um texto, mas uma subversão do mesmo. O(a) autor(a) da paródia altera o sentido do texto original, de maneira irônica e crítica, criando, dessa forma, um novo texto.
Fontes
BARBOSA, Jorge Luís Verly. A hora da palavra: intertextualidade em Caetano Veloso. 2006. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.
BUARQUE, Chico. Flor da idade. In: BUARQUE, Chico. Chico Buarque & Maria Bethânia ao Vivo. Rio de Janeiro: Philips, 1975.
HAYASHI, Maria Cristina Piumbato Innocentini. Epígrafes no sistema de recompensas da ciência: notas teóricas e modelo de análise. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 20, 2022.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2010.
NEIRA, Marcos Garcia; LIPPI, Bruno Gonçalves. Tecendo a Colcha de Retalhos: a bricolagem como alternativa para a pesquisa educacional. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 2, p. 607-625, maio/ ago. 2012.
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: Panda Books, 2021.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & cia. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007.
VIEIRA, Marcus Rodrigues Jacobina; CINTRA, Elisa Maria de Ulhôa. O espelho partido de Oscar Wilde. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 18, n. 4, out./ dez. 2015.
