Você sabe o que é um palíndromo? Trata-se de uma figura de som, isto é, uma figura de linguagem que contribui para a maior expressividade de um texto. Esse recurso estilístico consiste em palavras, frases, expressões e até mesmo números que são literalmente iguais se lidos da direita para a esquerda e vice-versa.
De origem grega, “palin” (novo) mais “dromo” (circuito, percurso), o vocábulo “palíndromo” também é conhecido como anacíclico, uma vez que as palavras fazem o próprio ciclo, ou seja, são palavras que refazem, inversamente, o seu ciclo de leitura – palavras que são lidas da direita para a esquerda e vice-versa.
Algumas palavras e números, como anilina, merecerem, 2002 e 909, são palíndromos naturais, ou seja, existem sem que alguém tenha os criado com a intenção palindrômica. Além dos palíndromos naturais, há os artificiais, isto é, palavras e expressões que foram, intencionalmente, criadas com base na lógica palindrômica.
Exemplos:
- "O decote V: veto cedo. (Carlos Drummond de Andrade)
- "Ria, só tive sorte má, a metros evito sair." (Sérgio Igrés)
- "Morram após a sopa marrom"
Como figura de linguagem que é, o palíndromo é muito explorado por poetas, compositores, uma vez que eles colaboram, e muito, para efeitos de sentido desejados pelo autor em suas obras, evidenciando, assim, as peculiaridades de cada autor.
São vários os músicos que se arriscam com os palíndromos, e um exemplo de sucesso é uma obra de Bártok. Nessa canção, o compositor apresenta uma sequência de seções sem estruturação clara, e a partir do meio da obra as mesmas seções são reapresentadas em ordem contrária:
Palíndromo na composição de Bártok
Rafael Fonseca destaca algumas peculiaridades da obra de Bartók, evidenciando que a lógica reflexiva e do repetir, representada pela sequência palindrômica ABCDCBA, fez surgir uma das obras de maior destaque da música clássica:
“Após 2 anos sem compor uma única nota, Bartók parece ter fundido nesta composição tudo o que havia experimentado antes [...] Ele tira proveito da linguagem de concerto, tratando os instrumentos ? em certa medida ? como solistas, mas na verdade o que Bartók faz é abrir um painel no qual a linguagem concertante ? de concordar, discordar, repetir e alterar ? lhe serve como tradução para os aspectos de sua vida. Não é por acaso que a obra compreende um caldeirão de forças, umas afeitas à extraordinária musicalidade de seu tempo, outras reflexivas, e até o deboche (num trecho que remete a um tema utilizado antes por Shostakovich em sua Sinfonia n. 7).”
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(Rafael Fonseca - Guia dos Clássicos Acesso em: 29/01/2016)
Para melhor visualizarmos o palíndromo, vejamos algumas palavras em português que seguem essa lógica:
- Omissíssimo (maior palavra palindrômica de nossa língua)
- Osso
- Radar
- Reler
- Rir
- Socos
- Ovo
- Ralar
- Reviver
- Mirim
- Ele
Apesar de mais raras, há bons exemplos de frases palindrômicas:
- “A grama é amarga.” (Millôr Fernandes)
- “A miss é péssima.”
- “A diva em Argel alegra-me a vida.”
- “Sator arepo tenet opera rotas.” (O lavrador diligente conhece a rota do arado.) - um dos mais antigos e conhecidos palíndromos em Latim.
- “A mala nada na lama.” (Rômulo Marinho)
- “A base do teto desaba.” (Rômulo Marinho)
- “Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces.” (Rômulo Marinho)
- “O teu drama é amar Dueto.” (Rômulo Marinho)
- “Ame o poema.”
Notamos, a partir desses exemplos, que os palíndromos são mais comuns do que imaginávamos, entretanto, passam despercebidos. Para os poetas, porém, esse recurso estilístico é ferramenta que possibilita êxito no trabalho. Claude Gagnière, poeta francês, comparou o palíndromo a “uma espécie de felicidade em estado puro: é a frase espelho, a perfeição na simetria […] o ingresso no círculo mágico dos vocábulos que não têm fim.”.
Agora que já sabemos o que é um palíndromo, mãos à obra!
“Pouco importa a direção em que se lê
Se pra direita ou para a esquerda
Ana sempre vai ser ela
A menina mais bonita a caminhar sobre a terra “
[Canção “Palíndromo” de Vinícius de Souza]
Por Mariana Pacheco
Graduada em Letras