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Com a descoberta do continente americano e, especificamente, do Brasil na virada do século XV para o século XVI, o progressivo contato com os povos nativos fez com que os europeus desenvolvessem variadas perspectivas sobre eles. No que se refere aos nativos da América do Sul, o contato com os índios canibais da tribo dos tupinambás foi um dos mais emblemáticos. O imaginário acerca dos tupinambás povoou a mente de grandes escritores brasileiros, como José de Alencar, no século XIX, e Oswald de Andrade, no século XX.
Entretanto, já na passagem do século XVI para o XVII, alguns intelectuais europeus, como o francês Michel de Montaigne (1533-1592), teceram considerações sobre peculiaridades dos índios canibais brasileiros. O contato de Montaigne e de outros franceses com os tupinambás aconteceu a partir da tentativa de calvinistas franceses, chamados huguenotes, instalarem colônias no Brasil na segunda metade do século XVI – essa tentativa ficou conhecida como “França Antártica”. Em 1562, alguns índios tupinambás foram levados para Europa, com o objetivo de serem exibidos ao rei da França, Carlos IX, e sua corte.
Da experiência de Montaigne resultou a escrita do ensaio “Dos Canibais” que integrou o volume I da obra Ensaios desse autor. Esse contraste entre a cultura europeia e a cultura “selvagem” ou “bárbara” dos índios retratado por Montaigne tornou-se um dos primeiros e, até hoje, mais ricos registros sobre uma tentativa de se compreender “antropologicamente” o “Outro” e compará-lo com a própria civilização europeia e seus atos, muitas vezes, atrozes, como pode ser constatado no trecho seguinte:
“[...] Não me pesa acentuar o horror bárbaro que tal ação significa, mas sim que tanto condenemos suas faltas e tão cegos sejamos para as nossas. Penso que há mais barbárie em comer um homem vivo que morto, dilacerar com tormentos e martírios um corpo ainda cheio de vitalidade, assá-lo lentamente e arrojá-lo aos cães e aos porcos, que o mordem e martirizam (como vimos recentemente, e não lemos, entre vizinhos e concidadãos, e não entre antigos inimigos, e, o que é pior, sob pretexto de piedade e de religião) que em o assar e comer depois de morto.” (Montaigne, M. Dos Canibais.)
Esse esforço se dava não apenas pelo ato extremo do canibalismo praticado pelos tupinambás, mas, sobretudo, pelo fato de essa tribo, assim como as demais do território brasileiro, não terem desenvolvido o domínio de metais – como astecas, maias e incas – e não terem desenvolvido também um sistema de escrita. Por tais características, eram considerados como “cultura primitiva”.
Michel de Montaigne refletiu sobre os canibais tupinambás em sua obra Ensaios
Nas décadas seguintes, até meados do século XVI, a captura e exposição de índios nas cortes europeias tornou-se fato corriqueiro. Em dada medida, a visão europeia sobre o Brasil pautou-se durante muito tempo a partir dessas experiências, alternando-se entre “visão do paraíso” e “visão de inferno” de acordo com os tipos de acontecimentos abordados.
Por Me. Cláudio Fernandes