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A Guerra do Paraguai foi o maior confronto da história da América do Sul e foi travado desde finais de 1864 até 1870. Essa guerra mobilizou Brasil, Argentina e Uruguai em aliança contra o Paraguai por questões de interesse político, territorial e econômico na região da bacia platina. O saldo desse conflito foi desastroso de diferentes maneiras para os lados envolvidos: o Brasil saiu com sua economia em crise e com alto endividamento e o Paraguai foi arrasado pela guerra.
Debates historiográficos: a Guerra do Paraguai pelos historiadores
A Guerra do Paraguai é um dos assuntos de maior complexidade e que gerou grande polêmica dentro da historiografia. Atualmente, a compreensão que se tem dessa guerra é completamente diferente da que existia em meados da década de 1990. A nova compreensão sobre esse conflito decorreu de estudos recentes realizados por historiadores paraguaios e brasileiros que tiveram acesso a uma ampla documentação, até então não analisada.
Ao longo do tempo, três interpretações (os historiadores chamam isso de historiografia) acerca do conflito popularizaram-se em diferentes momentos no Brasil, e a atual é a mais completa delas. As diferentes historiografias a respeito dessa guerra são a tradicional, a revisionista e a pós-revisionista ou nova historiografia.
A historiografia tradicional apontava a guerra única e exclusivamente como resultado da megalomania de Solano López, ditador do Paraguai, e desconsiderava uma série de eventos relevantes no contexto geopolítico da bacia platina. Essa historiografia foi muito comum no Brasil no início do século XX até a década de 1960, aproximadamente.
A historiografia revisionista foi muito conhecida no Brasil na década de 1960 até meados da década de 1990. Segundo essa historiografia, o Paraguai era um modelo de desenvolvimento autóctone (nativo) e único na bacia do Prata. Isso desagradaria à Inglaterra, que, para sujeitar o Paraguai ao capitalismo inglês, manipulou Brasil e Argentina para que guerreassem e destruíssem o modelo econômico do Paraguai.
Hoje essa historiografia é considera pelos historiadores como ultrapassada e imprecisa, pois ignora diversos fatos do contexto platino e é muito criticada por não possuir comprovação documental. Os novos estudos foram realizados de maneira pioneira por historiadores paraguaios e brasileiros, entre os quais se destacam Juan Carlos Herken Krauer, Maria Isabel Gimenez de Herken, Ricardo Salles e Francisco Doratioto.
O Paraguai no século XIX
Retrato de Francisco Solano López retirado de nota de guaraní (moeda paraguaia).
Estudos mais recentes comprovam que o Paraguai não era uma nação desenvolvida, fato diferente do que era apresentado pelos historiadores décadas atrás. Governado por ditadores durante décadas, o Paraguai ficou isolado do restante do mundo por um longo período. Esse isolamento paraguaio é explicado pelo fato de Buenos Aires não ter aceito a independência e a separação do país do que havia sido o Vice-Reino do Rio da Prata.
Essa política de isolamento do Paraguai havia sido imposta no começo do século XIX pelo ditador José Gaspar Rodríguez de Francia e foi vista por ele como a melhor forma de garantir a independência paraguaia. Essa medida somente foi revogada durante o governo de Carlos Antonio López, que manteve, no entanto, o governo ditatorial.
Carlos Antonio López era pai de Francisco Solano López, ditador que assumiu o Paraguai em 1862 quando seu pai faleceu. Solano López manteve o governo ditatorial que havia sido a marca do Paraguai desde sua independência. Durante os governos dos López, esse país passou por um pequeno processo de modernização, no entanto, segundo o historiador Francisco Doratioto, essa modernização resumiu-se aos meios militares e não alcançou outras áreas do Paraguai|1|.
Essa modernização dos meios militares foi realizada sobretudo a partir de negociações feitas com a Inglaterra, com a aquisição de armamentos ingleses e o envio de técnicos ingleses ao Paraguai para treinar os exércitos locais e desenvolver uma infraestrutura relacionada a essa área. Acerca disso, segue o comentário de Doratioto:
É fantasiosa a imagem construída por certo revisionismo histórico de que o Paraguai pré-1865 promoveu sua industrialização a partir “de dentro”, com seus próprios recursos, sem depender dos centros capitalistas, a ponto de supostamente tornar-se ameaça aos interesses da Inglaterra no Prata. Os projetos de infraestrutura guarani foram atendidos por bens de capital ingleses e a maioria dos especialistas estrangeiros que os implementaram era britânica.
[…] Também é equivocada a apresentação do Paraguai como um Estado onde haveria igualdade social e educação avançada. A realidade era outra e havia uma promíscua relação entre os interesses do Estado e os da família López, a qual soube se tornar a maior proprietária “privada” do país enquanto esteve no poder|2|.
O governo ditatorial de Solano López foi marcado pela perseguição aos seus opositores – muitos deles foram mortos, presos ou obrigados a fugir para Buenos Aires. Além disso, não havia um congresso que funcionasse de maneira contínua e independente e o judiciário funcionava para atender aos interesses pessoais do ditador do país. Assim, na prática, a única voz de autoridade existente no Paraguai era do próprio Solano López.
Causas
A Guerra do Paraguai resultou das contradições e das disputas que eram travadas pelas nações no quadro geopolítico da segunda metade do século XIX. Longe de ter sido causado pela Inglaterra, existem evidências de que os ingleses tentaram evitar o início desse conflito. Além disso, Brasil e Inglaterra mantiveram relações cortadas de 1862 a 1865 como desdobramento da Questão Christie.
Na segunda metade do século XIX, as nações platinas estavam consolidando-se institucionalmente, com isso, havia uma série de questões fronteiriças em disputa. O Paraguai buscava reforçar sua posição regional como terceira potência e disputava territórios fronteiriços com Brasil e Argentina.
A Argentina, liderada por Bartolomé Mitre, procurava consolidar seu território, impedir maiores fragmentações territoriais e derrotar os rebeldes federalistas das províncias de Entre Ríos e Corrientes. O Uruguai vivia anos de turbulência por causa da guerra civil travada entre as facções políticas blancos e colorados. Já o Brasil buscava reforçar sua posição de potência e garantir a livre navegação da bacia platina.
A situação na região entre as quatro nações começou a tomar rumos complicados a partir de 1862. Nessa data, Solano López assumiu como presidente paraguaio e tratou de estreitar relações com o movimento federalista que lutava contra o governo de Buenos Aires. Essa aproximação entre paraguaios e federalistas argentinos possibilitou a ligação do Paraguai com os blancos uruguaios.
A aproximação do Paraguai com os blancos, que governavam o Uruguai com o presidente Bernardo Berro, propiciava aos paraguaios a utilização do porto de Montevidéu como alternativa de acesso ao mar. Os blancos uruguaios, por sua vez, travavam uma guerra contra uma facção política local conhecida como colorados. Os colorados tinham o apoio do governo argentino de Mitre, pois os blancos eram aliados dos federalistas – inimigos do governo argentino.
Os colorados eram liberais e defensores do livre comércio e da livre navegação nos rios da região platina. Esses princípios eram os mesmos defendidos pelo governo brasileiro naquele momento, sobretudo a livre navegação que era vital para que o governo central mantivesse contato com a província do Mato Grosso (na época, a única maneira de chegar a Cuiabá era navegando pelos rios da bacia platina). Assim, havia uma aproximação ideológica entre o Brasil e os colorados.
A partir de 1863, o governo brasileiro, pressionado pelos estancieiros gaúchos, realizou uma política de intervenção na Guerra Civil Uruguaia pelo lado dos colorados. A atitude brasileira tinha como pretexto a reparação contra agressões feitas por blancos contra cidadãos brasileiros no Uruguai. A Argentina apoiava a intervenção brasileira em favor dos colorados, mas não se envolveu diretamente.
O interesse brasileiro de interferir nesse conflito uruguaio, a partir do apoio aos colorados, desagradou fortemente Solano López, aliado dos blancos. Solano López recebia informes dos acontecimentos da Guerra Civil Uruguaia por meio de representantes radicais dos blancos, os quais convenceram-no que a ação brasileira visava a interesses anexionistas e que a próxima nação alvo desse expansionismo era o Paraguai. O Brasil, no entanto, não possuía interesses expansionistas, já que estava voltado unicamente a questões econômicas, visando garantir os negócios de brasileiros no Uruguai e destituir os blancos fortemente antibrasileiros.
Ao ser convencido incorretamente de que o Brasil representava uma ameaça à soberania do Paraguai, Solano López deu um ultimato ao governo brasileiro, em agosto de 1864, para que este não interviesse nos assuntos uruguaios. O governo brasileiro ignorou as advertências paraguaias e, em setembro do mesmo ano, invadiu o Uruguai em apoio aos colorados. A invasão brasileira destituiu o governo blanco e colocou os colorados no poder com Venancio Flores na presidência do Uruguai.
A essa altura, o Paraguai já possuía um enorme exército preparado para entrar em ação. Assim, como represália à invasão do Uruguai pelo Brasil, o Paraguai aprisionou uma embarcação brasileira que navegava pelo rio Paraguai – o Marquês de Olinda – e invadiu o Mato Grosso em dezembro de 1864.
A entrada da Argentina no conflito ocorreu quando as tropas paraguaias, com o objetivo de socorrer os blancos uruguaios, invadiram o território argentino. Essa invasão aconteceu porque o presidente Mitre não autorizou a passagem das tropas paraguaias pelo território argentino, que rumavam em direção ao Rio Grande do Sul. Com isso, Brasil, Argentina e Uruguai – agora governado pelos colorados – reuniram-se em uma aliança contra o governo paraguaio.
|1| DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 29.
|2| Idem, p. 29-30.
Por Daniel Neves
Graduado em História