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Os recentes protestos e mobilizações que atingem praticamente todas as capitais e grandes cidades do Brasil contra o aumento das passagens no transporte público trazem à tona a discussão sobre a possibilidade de um sistema de transporte gratuito no país. Nesse contexto, há um debate entre aqueles que acreditam na possiblidade e viabilidade do passe livre e aqueles que rechaçam essa ideia. O objetivo do presente texto é apresentar os dois lados desse debate.
É preciso lembrar que, além das posições que defendem ou que são contrárias ao transporte gratuito, existem outras disposições intermediárias, como aquelas que defendem o passe livre somente para estudantes e idosos, ou aquela que defende o passe livre apenas para deslocamentos para determinados fins.
As posições contrárias ao passe livre
No que tange às posições e opiniões contrárias ao passe livre, existem duas principais colocações: uma aponta a impossibilidade de sua aplicação, a outra para a sua ineficiência prática.
Os primeiros argumentos baseiam-se no fato de ser impossível a difusão de um transporte público gratuito no país, uma vez que tal medida traria muitas despesas ao Estado, que repassaria essa dívida à população na forma de aumento de impostos, fazendo com que o consumidor pague ainda mais o que, em tese, é gratuito.
Além disso, segundo essa argumentação, o transporte oferecido não seria de qualidade, pois não haveria recursos financeiros suficientes para manter as despesas com: arrecadação e manutenção dos veículos, pagamento de folha salarial para funcionários, criação e manutenção de terminais e pontos de ônibus, entre outros gastos. Com isso, o transporte público correria o risco de não mais funcionar.
Outros argumentos até consideram a possibilidade de aplicação do passe livre, mas avaliam que isso não seria vantajoso. A principal defesa dessa tese é a de que tal prática só beneficiaria a população mais rica, pois colocaria ricos e pobres no mesmo patamar, além do fato de o vale transporte geralmente ser pago pelos patrões aos seus funcionários, de modo que os primeiros seriam os beneficiados. Acrescenta-se a essa posição a argumentação de que o passe livre faria com que as pessoas que podem utilizar o transporte particular utilizassem o transporte público, contribuindo para as superlotações dos veículos.
Os argumentos em favor do passe livre
As posições que defendem a implantação do passe livre, em linhas gerais, compreendem o transporte gratuito como um direito da população e, portanto, um dever do Estado. Nessa linha de entendimento, ao comprar uma passagem, um indivíduo estaria, na verdade, “pagando duas vezes”, uma vez com a compra, outra com os impostos.
Os argumentos colocam que é sim possível a implantação do transporte gratuito, desde que a conta não fosse paga totalmente a partir de impostos, mas também pela arrecadação do Estado, pela iniciativa privada e, até mesmo, com receitas geradas pelo próprio transporte, através de propagandas nos ônibus e terminais, por exemplo.
Outrossim, defende-se que a aplicação do passe livre demanda a realização de uma reforma tributária, pois, no Brasil, os impostos são cobrados sobre os produtos e não sobre a renda. Dessa forma, os tributos são sempre atribuídos ao consumo e não ao ganho das pessoas. A ideia seria a de reformular essa dinâmica para que os mais ricos paguem mais e os mais pobres paguem menos. Além disso, propõe-se a criação de um imposto específico para o transporte público, assim como ocorre nas áreas da educação, saúde, cultura e outros setores.
Aliás, é justamente a gratuidade de serviços como cultura, saúde e educação – apesar da existência de instituições privadas nessas três esferas – que se transforma como uma das principais defesas em favor do transporte público gratuito. Nesse entendimento, questiona-se o porquê do transporte não ser gratuito se todos os demais serviços públicos são.
Afinal, existem sistemas de transporte gratuito?
Sim, existem cidades em que o transporte é gratuito. Na Europa, a principal referência nesse quesito é a cidade de Tallinn, capital da Estônia, que possui aproximadamente 400 mil habitantes.
Funciona assim: as pessoas que moram na cidade podem adquirir um cartão, que permite o deslocamento gratuito pela cidade através do transporte público, que envolve ônibus, trens e bondes. Pessoas de fora ou que não possuem o cartão pagam 1,10 euros por ticket ou 23 euros para um passe que dura trinta dias.
No Brasil, também existem cidades em que o passe livre é uma realidade. Os casos são registrados nas cidades de Porto Real (RJ), Ivaiporã (PR) e Agudos (SP).
Esses exemplos são utilizados como forma de argumentação pelas duas posições que são, respectivamente, contra e a favor do passe livre.
Os defensores do transporte gratuito citam esses casos como exemplos de que a arrecadação tributária pode sim ser o suficiente para arcar com os custos do transporte coletivo. Por outro lado, aqueles que são contrários ao transporte gratuito afirmam que as cidades citadas possuem uma população muito reduzida, de forma que nas grandes cidades e capitais do país tal prática seria inviável em virtude do grande número de habitantes e das grandes distâncias percorridas pelos veículos.
Em linhas gerais, acredita-se que seja difícil encontrar um consenso entre as duas partes sobre essa questão. O que parece estar em concordância é que o transporte público, de um modo ou de outro, precisa melhorar significativamente no país.
Por Rodolfo A. Pena
Graduado em Geografia