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Quando falamos sobre o Rio Grande do Sul, é comum que as pessoas logo façam referência à significativa influência que a colonização de alemães, italianos, poloneses e outros europeus teve na história desse lugar. Apesar de correta, esta referência acaba por homogeneizar a cultura gaúcha, deixando em segundo plano, a grande contribuição que os negros tiveram não só na economia, mas como também em outras práticas culturais e religiosas do lugar.
Entre outras marcas fazemos menção especial sobre o batuque, uma prática religiosa que floresceu entre a queda da indústria do charque e a chegada de escravos ao ambiente urbano da capital Porto Alegre. Nos meados do século XIX, esse deslocamento fez com que vários negros tivessem mais tempo para desenvolver suas práticas religiosas. Mediante as possibilidades de desenvolvimento de uma fé própria, o Estado logo foi se transformando em espaço para diversos cultos de influência africana.
Além das religiões afro mais conhecidas, a região sul particularizou-se na história das religiões brasileiras com o surgimento do batuque. O desenvolvimento dessa crença acontece em templos que levam o nome de “casa de batuque”. Cada uma delas se organiza sob a liderança de um sacerdote que assume a condição de pai ou mãe de santo. Tendo ampla autoridade em seu templo, os sacerdotes das casas de batuque costumam criar uma rede de relações ao visitarem seus templos.
Não tendo interesse em sua ampla disseminação, os praticantes do batuque guardam a crença para que seus inimigos não tomem conhecimento desse seu dote místico. Ao se filiar a uma casa de batuque, o convertido se aproxima dos dois orixás que guiam a sua vida, sendo que um é responsável pelo corpo e outro pela mente. Assim como em outras religiões, o batuqueiro tem a preocupação de realizar oferendas e homenagens aos orixás que o protegem.
As oferendas desenvolvidas no batuque exigem o oferecimento de alimentos e de sangue animal, que geralmente é derramado na cabeça do praticante e no ocutá (uma espécie de pedra que representa o orixá). Do ponto de vista simbólico, essa ação busca alimentar os orixás, para que, assim, eles estejam fortes o suficiente para proteger os seus filhos humanos.
Esse é apenas um dos eventos que acontecem nas cerimônias do batuque. Primeiramente, os praticantes reservam um dia para o serão, que envolve o sacrifício dos animais e a preparação dos alimentos que compõem a cerimônia. No sábado, uma grande reunião é feita para que os alimentos sejam consumidos em grupo. Na outra semana, a mesma preparação é feita com o sacrifício de peixes e a evocação de cânticos entoados ao som dos tambores.
Entre os ritos que singularizam o batuque, a chamada “balança” estabelece o transe de vários praticantes que incorporam as divindades. Nesse instante, o possuído muda o seu comportamento ao realizar danças que fazem clara referência aos mitos que determinam o orixá representado. Antes somente praticado por negros, o batuque hoje se mostra presente entre brancos e pessoas oriundas de classes sociais mais abastadas.
Importante símbolo de nossa diversidade, o batuque gaúcho veio a incorporar outras influências locais, ao determinar que alguns orixás se alimentem de pratos típicos, como a polenta, o mieró e o churrasco. Mais curioso ainda, é ver que os batuqueiros homens utilizam a bombacha como uniforme. De fato, o batuque assimila vários ícones que extrapolam os elementos de origem ou significação africana.
A grande presença de despachos e lojas que comercializam materiais ritualísticos afro-brasileiros mostra um conflito na sociedade rio-grandense. Afinal de contas, o desconhecimento de tais práticas estabelece um esforço para que o batuque seja dizimado e, ao mesmo tempo, expõe a resistência dos grupos que se valem dessa proteção espiritual. Talvez seja por tal razão que o compositor Caetano Veloso recentemente compôs um verso dizendo que “a verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul”.
Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola