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A usura e o justo preço

A burguesia medieval estava próxima dos valores que impediam o rápido acúmulo de capitais
A burguesia medieval estava próxima dos valores que impediam o rápido acúmulo de capitais
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Quando falamos sobre o processo de formação da burguesia, ainda na Idade Média, muitos se tomam pela formação da classe burguesa que se destaca a partir da Revolução Industrial. Nesse sentido, acabamos por notar o desenvolvimento de uma confusão que simplesmente liga a burguesia medieval aos conceitos, pressupostos e valores morais que definem a burguesia contemporânea.

Em poucos termos, muitos acreditam que, já na Idade Média, a burguesia tentava de toda forma enriquecer ao ampliar as faixas de lucro ligadas à sua atividade econômica. Mesmo sendo empreendedora e ambiciosa, não cabe a nós dizer que os burgueses sentem, pensam e agem de uma mesma forma por séculos a fio. Nesse sentido, podemos ver a existência de características que podem marcar uma profunda diferença entre os burgueses da Baixa Idade Média e dos outros tempos históricos.

Nos primeiros séculos de seu aparecimento, os comerciantes ainda eram tomados por preceitos comerciais bastante ligados aos valores cristãos. Sob tal influência, vemos que muitas corporações de ofício combatiam a obtenção de lucros abusivos com a estipulação do chamado “justo preço”. Em suma, esse tipo de preço consistia na soma da matéria-prima e da mão de obra empregada na obtenção da mercadoria.

Primeiramente, podemos ver que tal prática foi um verdadeiro entrave para que o acúmulo de capital acontecesse rapidamente entre a burguesia europeia. Contudo, a elevação dos índices populacionais acabou provocando a dinamização da economia europeia que marca a transição entre o feudalismo e o capitalismo. Ou seja, mesmo com lucros reduzidos, vemos que a burguesia feudal prosperou e galgou espaços sociais e políticos cada vez mais importantes.

Em paralelo aos valores morais e religiosos do justo preço, podemos ver que a Igreja também interferiu no desenvolvimento das atividades financeiras. Em muitos casos, burgueses e artesãos pegavam dinheiro emprestado para que tivessem meios para atender suas demandas produtivas. Em muitos casos, o credor recebia uma bonificação extra que consistia no pagamento de juros proporcionais ao valor e ao tempo de empréstimo.

Tal costume, conhecido pelo nome de usura, foi veementemente condenado pelos clérigos católicos. Para tais, a prática da usura era uma atividade desonesta, pois o credor obtinha ganho sem trabalho e lucrava com o passar do tempo. Aos olhos da Igreja, o tempo não poderia ser utilizado com finalidades particulares, pois ele só poderia ser manuseado por Deus. Mais uma vez, os preceitos morais e religiosos limitaram o desenrolar do comércio na Idade Média.

Apesar da resistência, o crescimento do comércio clamava cada vez mais pelo empréstimo de grandes quantidades em dinheiro. Sendo assim, a Igreja passou a liberar a prática da usura em situações em que o credor se arriscava perdendo total ou parte do empréstimo. Nesse contexto, o devedor poderia justificar o não pagamento da usura ao comprovar que não conseguiu vender toda a riqueza gerada pela quantia emprestada.


Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola

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Idade Média - História Geral - Brasil Escola

 

 

 

Escritor do artigo
Escrito por: Rainer Gonçalves Sousa Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUSA, Rainer Gonçalves. "A usura e o justo preço"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/a-usura-justo-preco.htm. Acesso em 05 de abril de 2025.

De estudante para estudante


Lista de exercícios


Exercício 1

(FGV) Num manuscrito do século XIII pode-se ler: "Os usurários são ladrões, pois vendem o tempo, que não Ihes pertence, e vender o bem alheio, contra a vontade do possuidor, é um roubo." Apud LE GOFF, J., A bolsa e a vida. A usura na Idade Média. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.39.

A respeito da usura, é CORRETO afirmar:

a) A usura foi tolerada pelos teólogos medievais que viviam nas cidades e criticada pelos teólogos que se dedicavam à vida contemplativa nos mosteiros rurais.

b) A usura era considerada um pecado pelos teólogos cristãos porque o usurário podia se apropriar, como um ladrão, de qualquer bem de seu devedor.

c) A prática da usura passou a ser considerada virtuosa pelos teólogos católicos, convencidos de que as críticas desferidas por Lutero eram pertinentes.

d) A usura era considerada um roubo do tempo que pertencia a Deus e foi praticada exclusivamente por judeus durante a Idade Média.

e) A usura foi condenada pelos teólogos medievais num contexto em que se desenvolvia uma economia monetária gerada no interior do feudalismo.

Exercício 2

Para a Igreja Católica, a usura era considerada um pecado contra a justiça porque:

a) era uma forma de os judeus ficarem ricos, coisa que incomodava os membros do clero.

b) era uma cobrança de juros sobre o exercício de magistrados nos tribunais medievais.

c) era uma cobrança de juros sobre o tempo (algo que não produz nada concreto) de quem contraía um empréstimo.

d) visava ao lucro, que, em qualquer circunstância, é pecaminoso.

e) não gerava lucro direto para os membros do clero.

Exercício 3

(Fuvest-SP) "Se volveres a lembrança ao Gênese, entenderás que o homem retira da natureza o seu sustento e a sua felicidade. O usurário, ao contrário, nega a ambas, desprezando a natureza e o modo de vida que ela ensina, pois outros são no mundo seus ideais." (Dante Alighieri, Divina comédia, Inferno, canto XI, trad. Hernâni Donato.)

Essa passagem do poeta florentino exprime:
a) uma visão já moderna da natureza, que aqui aparece sobreposta aos interesses do homem.

b) um ponto de vista já ultrapassado no seu tempo, posto que a usura era uma prática comum e não mais proibida.

c) uma nostalgia pela Antiguidade greco-romana, onde a prática da usura era severamente coibida.

d) uma concepção dominante na Baixa Idade Média, de condenação à prática da usura por ser contrária ao espírito cristão.

e) uma perspectiva original, uma vez que combina a prática da usura com a felicidade humana.

Exercício 4

Leia o trecho e assinale a alternativa correta:

“(...) Quase sempre, os documentos do século XIII empregam o termo no plural: usurae. A usura é um monstro de várias cabeças, uma hidra (…) A usura é a arrecadação de juros por um emprestador nas operações que não devem dar lugar ao juro. Não é portanto a cobrança de qualquer juro. Usura e juro não são sinônimos, nem usura e lucro: a usura intervém onde não há produção ou transformação material de bens concretos.” (LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: a usura na idade média. 4º ed., São Paulo: Editora brasiliense, 1989. p. 17-18.)

De acordo com o historiador francês Jacques Le Goff, a usura:

a) não podia ser condenável porque não previa lucro para o usurário.

b) não era identificada com toda forma de juros cobrados.

c) a usura era condenável por ser uma forma de juros cobrada sobre a produção de algo concreto.

d) era identificada com todo e qualquer tipo de juros.

e) a usura não era condenada pela Igreja, apenas pela autoridade civil.