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Uma das principais correntes historiográficas do século XX é a denominada micro-história (microstoria, em italiano). Uma “corrente historiográfica”, ou um “ramo da historiografia”, consiste, grosso modo, em um grupo de historiadores – geralmente concentrados em um mesmo país e em torno de uma ou mais instituições – que segue uma tendência de pesquisa, concentra-se em temas em comum e procede metodologicamente de forma muito aproximada. A micro-história desenvolveu-se na Itália e, por essa razão, por vezes é também chamada de micro-história italiana.
O desenvolvimento da micro-história italiana ocorreu na década de 1970, inicialmente em torno da revista Quaderni Storici, fundada em Ancona, na Itália, por Alberto Caracciolo. Foi nessa revista que os primeiros trabalhos que se ajustavam aos procedimentos da micro-história começaram a ser publicados. Depois de alguns anos, tal revista passou a ser editada em Bolonha, onde contou com a produção de seus principais colaboradores italianos: Edoardo Grendi, Carlo Poni, Giovanni Levi e Carlo Ginzburg. Ainda na década de 1970, os trabalhos da Quaderni Storici foram reunidos em uma coleção editada por Giulio Einaudi e com o nome de microstorie, que caracterizou esse tipo de procedimento historiográfico.
Mas como procede a micro-história? A micro-história caracteriza-se pela “microanálise”, isto é, a análise de elementos do passado histórico em nível de escala muito reduzido, tendo como alvo aspectos culturais, econômicos e sociais. Um exemplo é a análise da vida de pessoas comuns, que, em vida, nunca tiveram nenhuma notoriedade, como camponeses pobres da Idade Média ou do início da Idade Moderna. O objetivo da microanálise é, a partir da escala em nível micro, atingir o panorama mais amplo daquela época, promovendo assim um “jogo de escalas”, com vistas a uma maior elucidação do passado histórico.
O pesquisador brasileiro Henrique Espada Lima, especialista em história da historiografia, desenvolveu um criterioso estudo sobre a micro-história italiana e assim se expressou quanto a importância dessa corrente para os estudos em história do século XX:
“A micro-história fazia coro com a inflexão do debate historiográfico em direção aos temas do “vivido”, do cotidiano, da “subjetividade”, e da atenção pela “narrativa”. Assim, se enfatizarmos seus elementos de coerência com o texto, ela estaria do lado da nova história intelectual e cultural e participaria do amplo movimento de “retorno” da historiografia à história política, à biografia, à história do acontecimento e do fait divers, finalmente salvas do “limbo das superestruturas e dos fenômenos marginais”. Essa percepção, de todo modo bastante vaga, revela, contudo, alguns aspectos que me parecem importantes sobre a inserção da micro-história em um contexto intelectual mais amplo.” (LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. pp. 384-85).
Por concentrar-se em temas singulares da história e entrelaçá-los com os contextos mais amplos, a micro-história, como bem sugeriu Espada Lima, consegue produzir trabalhos que tenham grande aproximação com a nova história cultural e a nova história intelectual, que se desenvolveram em países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos. Além disso, ela também consegue produzir obras de grande fluidez narrativa, como é o caso do livro “O queijo e os vermes”, de Carlo Ginzburg, contribuindo assim não apenas para o aprimoramento das técnicas de pesquisa históricas, mas também para a divulgação dos trabalhos de pesquisa histórica.
* Créditos da imagem: Commons
Por Me. Cláudio Fernandes