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Entre os personagens históricos de qualquer período, aqueles de vulto heroico, cuja fama de bravura e coragem torna-os lendários, são os que mais ficam impregnados na memória e nas histórias populares. No período medieval, muitos nomes inseriram-se nesse rol de personagens históricos heroicos. Joana D'Arc é um dos maiores exemplos entre os franceses. Entre os espanhóis, figura entre os grandes o nome de Rodrigo Diaz de Vivar, o Campeador (no sentido de campeão, vencedor), mais conhecido como El Cid, termo que deriva do árabe e significa “o Senhor”.
Rodrigo nasceu na cidade de Burgos, em 1043, nos antigos domínios do Reino de Castela, em uma época em que havia inúmeras tensões políticas na Península Ibérica, tanto entre os próprios reinos cristãos quanto entre mouros (muçulmanos que haviam se instalado na referida península desde o século VIII). Os reinos cristãos buscavam conquistar mais espaço dentro da Península Ibérica e faziam isso promovendo alianças com nobres e relações de vassalagem com as chamadas taifas. As taifas eram facções políticas muçulmanas que se formaram com a desintegração do Califado de Córdoba, isto é, um extenso domínio islâmico que ocupou o centro e o sul da Península Ibérica de 929 a 1031.
Rodrigo Diaz, o El Cid, tornou-se muito conhecido entre os reinos cristãos (Castela, Aragão e Leão) e as taifas por ter atuado ao mesmo tempo como mercenário, isto é, oferecia os seus serviços de guerreiro a cristãos e mouros que quisessem empreender alguma guerra contra reinos rivais. Ficou conhecido também, em sua época, por ter sido alferes do rei Sancho de Castela e, depois, por ter sido desterrado dessa terra após a morte de Sancho e a elevação de Alfonso VI ao trono. Com a saída de Castela, El Cid estabeleceu contatos importante com líderes mouros, entre eles Al-Cádir, da taifa de Valência, de quem ficou amigo.
Em 1089, Castela foi invadida por Yusuf, líder muçulmano almorávida. O rei Alfonso teria, então, clamado pelo auxílio de El Cid, que retornou para Castela. Entretanto, a batalha contra Yusuf foi perdida e, mais uma vez, El Cid foi desterrado pelo rei Alfonso. Nos anos que se seguiram, muitos confrontos desenrolaram-se entre mouros e cristãos. O líder da taifa de Valência, Al-Cádir, foi assassinado em 1093 em um motim. EL Cid decidiu então vingar o amigo e invadir Valência, o que ocorreu em 1094. Ele conquistou a taifa e tornou-se príncipe de Valência, reinando junto com sua esposa, a também famosa Jimena, até o ano de sua morte, em 1099.
Uma das principais fontes que tornaram El Cid um personagem popular foi o Poema de Mio Cid, escrito por anônimos do século XIII. Esse poema constrói uma imagem piedosa e mítica de Rodrigo Diaz. Essa ideia foi reproduzida ao longos dos séculos na Espanha, a começar pelos reinos do início da modernidade, como Felipe II, que tentou incitar o clero católico, no século XVI, a canonizar El Cid – o que foi prontamente recusado.
Além disso, a figura de El Cid foi muito louvada pelos espanhóis no período nacionalista de Francisco Franco, no século XX, que soube usar a figura mítica do herói como propaganda de seu regime. Esse uso político de El Cid foi possível, sobretudo, por conta de estudos entusiastas como o de Menéndez Pidal, como bem nota o historiador Richard Fletcher em sua obra Em busca de El Cid:
Sua visão do Cid se sobrepunha a uma outra visão, já então bastante difundida, mas de forma alguma universalmente compartilhada, sobre o papel desempenhado por Castela na história espanhola como um todo. O destino histórico do Castela foi o de unificar a Espanha. O Cid, assim, oferecia um padrão a ser seguido por todos os espanhóis. No Prefácio à primeira dição de La España del Cid, bem como nos seus capítulos finais, Menéndez Pidal admitiu com sinceridade que sua obra era piedosa, tanto quanto histórica, e que ela tinha a função didática. Menéndez Pidal tinha lições a ensinar à sua geração, talvez de forma muito semelhante ao autor do Poema de mio Cid, que tinha lições – bastante semelhantes, por sinal – a ensinar a versão de Pidal. [1] p. 264
Houve ainda a produção do filme épico, El Cid, em 1961, dirigido por Anthony Mann, com Charlton Heston, no papel principal, e Sophia Loren, no papel de Jimena. O filme centra-se no período da invasão almorávida e desenvolve-se com foco, sobretudo, na relação romântica entre Jimena e Rodrigo. Esse clássico do cinema ajudou a projetar ainda mais a imagem lendária de El Cid.
NOTAS
[1] FLETCHER, Richard. Em busca de El Cid. Trad. Patrícia de Quiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Editora da UNESP, 2002, p. 264.
Por Me. Cláudio Fernandes