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O que foi o Personalismo?
O Personalismo, como movimento intelectual e filosófico, surgiu no contexto histórico pós-crise econômica de 1929 e da ascensão do Nazismo em 1933.
Se o marxismo respondia à crise com a necessidade de mudar as estruturas capitalistas, com a abolição da propriedade privada e com a instituição do Comunismo – a crise era de raiz econômica, portanto –, o espiritualismo respondia à crise com a necessidade de transformar o humano, como forma de transformar a sociedade – a crise era, para os espiritualistas, uma crise de valores.
Esses dois eventos da década de 30 – e também as ditaduras fascistas, Frente Popular, Guerra Civil Espanhola e início da Segunda Guerra Mundial – denunciavam a existência de uma crise mais profunda: o aniquilamento da pessoa humana. Emmanuel Mounier, por essa razão, apontou que a saída da crise deveria ser, a um só tempo, uma revolução econômica e moral (III, 1990, p. 199).
O “Personalismo”, a alternativa apontada por Mounier e desenvolvida em torno da revista Esprit, cuja primeira edição data de 1932, surgiu como uma “atitude civilizadora”, não como ideologia ou como sistema filosófico. Por isso, apresentava métodos de ação para operar as transformações no mundo em um contexto político e social marcado pelo pessimismo. Na revista Esprit, os autores que contribuíam tinham um livre espaço para manifestar seus posicionamentos políticos, como a posição em favor dos republicanos espanhóis e o apoio à liberdade argelina.
No entanto, o próprio Mounier afirmava que o Personalismo era mais do que uma “simples atitude”, era uma filosofia, mesmo que não tivesse um caráter sistemático, como a filosofia hegeliana, por exemplo. Central no pensamento personalista é a noção de “pessoa”, sua liberdade e responsabilidade, seu direito à não objetificação e à inviolabilidade. Também se trata de uma pessoa inserida no mundo – e, por isso, na relação com o “outro” – e na história. Afinado com a preocupação com o comunitário, o Personalismo posiciona-se contra o capitalismo, considerando-o uma subversão da ordem econômica, mas também contra aquilo que se referem como “coletivismo marxista”, que seria a negação da “pessoa”.
“O personalismo e a revolução do século XX”, de Emmanuel Mounier
Para Mounier, em seu ensaio “O personalismo e a revolução do século XX”, o Personalismo deveria desenvolver-se a partir das seguintes “linhas de ação”:
1) Deveria ter independência em relação aos partidos políticos, mas sem assumir uma posição anárquica ou apolítica. Era preciso avaliar as perspectivas e, em caso de ações coletivas que permitissem ao indivíduo determinar sua própria ação, fazer parte do coletivo deveria ser preferível ao isolamento;
2) As atividades e os meios de realização deveriam ser delimitados de forma rigorosa. Apenas afirmar os valores não tem uma força absurda ou mágica;
3) Coerente com a busca por uma perspectiva ampla, afirmada no tópico 1, em cada questão é preciso diferenciar os “dados vis” dos “dados nobres”;
4) Deve-se buscar a liberdade, até mesmo a liberdade em relação aos nossos próprios pensamentos que se mostrem equivocados durante a investigação. Por isso, é preciso libertar-se de doutrinas que guiam a nossa visão, mesmo que isso signifique ter que assumir uma posição diferente da que se tinha assumido até então para permanecer fiel ao próprio espírito;
5) A revolução não leva automaticamente a uma solução da crise. O que solucionaria a crise seria uma completa revisão dos valores, modificação das estrutras da sociedade e renovação das classes dirigentes.
O ser humano entendido como “pessoa”
Para Mounier, entender o ser humano como “pessoa” é entender o “valor absoluto” do humano, ou seja, como finalidade da organização política. Por estar inserida no mundo, a pessoa sofre as ações dos outros e age transformando aquilo que está à sua volta e, por consequência, transformando a si mesma. Considerar a pessoa como um “valor absoluto” significa, para o autor*:
1. Que uma pessoa não pode ser objetificada, ou seja, usada como meio por um grupo ou por outra pessoa. No que se refere ao humano, não existe nada que possa ser considerado “impessoal”, apenas a matéria é impessoal;
2. Como as pessoas não podem ser tratadas como objetos, todos os regimes políticos que tratem as pessoas como tal, negando seu direito à liberdade, são condenáveis;
3. O conjunto de leis, regras e normas ao qual damos o nome de “sociedade” não tem como objetivo tornar as pessoas submissas ou gerir suas vidas;
4. Cada pessoa deve ser livre para construir seu destino.
Importante para compreendermos a noção de “pessoa” e como ela se distingue do individualismo, objeto de crítica do próprio Mounier, é a sua relação com a comunidade: é somente inserido na comunidade que o humano se realiza como tal, pois tudo aquilo que define uma pessoa – sua liberdade de agir, sua responsabilidade, o corpo pelo qual está no mundo e na história, os desejos que manifesta – é construído na relação com os outros. Por isso, a pessoa é fundamentalmente “comunitária”. Assim, também podemos entender que, para Mounier, a política e a sociedade são noções que só podem ser pensadas a partir da noção de “pessoa”.
* Para saber mais sobre isso, procure por: MOUNIER, 1992, p. 209-210.
Fontes:
MOUNIER, E. Obras completas. Traducción de Juan Carlos Vila et al. Salamanca, España: Sígueme, 1992. tomo I.
MOUNIER, E. Obras completas. Traducción de Carlos Díaz et al. Salamanca, España: Sígueme, 1990. tomo III.
Por Wigvan Pereira
Graduado em Filosofia