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A palavra grega psykhé é o termo usado por muitos escritores da Antiguidade para o entendimento do que viríamos a chamar na língua latina de anima ou alma. Desde Homero, ela ganha contornos de fumaça, sombra, uma aspecto menos denso daquilo que é o corpo. A própria Filosofia, com Anaxímenes, entende que a alma é um sopro, uma espécie de ar em movimento e que move as coisas corpóreas, refrigerando-as e mantendo-as em movimento (basta notar que o cadáver não respira, por isso o corpo morre ou fica em repouso).
No entanto, a partir de concepções místicas e religiosas, tais como o orfismo e o pitagorismo, a noção de alma foi ganhando contornos mais conceituais, ainda que de forma dialética, sem pretender formar uma posição absoluta sobre ela ou demonstrar o que ela seja. Platão foi o responsável por essa mudança. Em vários textos, este autor aborda questões sobre a alma, mas nem sempre uma posição que seja unívoca. Falaremos de algumas delas, de modo a compreender que possam se tratar de um conjunto.
Em primeiro lugar, quando de uma tentativa de definir o Homem, vê-se que ou é corpo, ou é um misto de corpo e alma, ou é a alma. Isso porque, diante da discussão, fica evidente que o corpo é efêmero, transitório e parte de uma estrutura. A alma é a unidade intrínseca (ou psíquica, como será dito mais tarde) ao homem. O homem é a sua alma.
Já num outro diálogo, a alma é vinculada à linguagem, mas, estando associada ao corpo, padece da relação com esse. Assim, quando o corpo está mal, a alma também pode ficar doente e o tratamento deveria ser realizado à base do que chamamos hoje de terapia psicossomática (psique = alma; soma = corpo). Essa posição só reforça a anterior de ser a alma a unidade psíquica do homem.
Em uma terceira abordagem, o corpo é tratado como o lugar em que habita a alma sendo ele a expressão ou o sinal (semainei; sema = sinal, parece-se com soma) da alma. Sendo assim, a alma é diferente do corpo e usa-o como instrumento para realização dos seus desígnios.
Mas somente nos diálogos de maturidade Platão consegue dar um delineamento sobre o assunto com maior riqueza de detalhes. Ao conceber a realidade em diferentes instâncias, sensível e inteligível (sendo esta última a base do conhecimento, já que é estável, imóvel, imutável, eterna, idêntica, incriada, etc.), o mundo das ideias, como objeto do conhecimento, precisaria de um sujeito que lhe fosse semelhante. É assim que a alma é compreendida como princípio de movimento, gerando a vida, mas participando do que é divino.
É através da alma que o homem conhece, segundo Platão. O corpo e as sensações explicam “como” são as coisas. A alma e a inteligência explicam “o que” são as coisas. É por isso que a alma é esse trânsito entre os dois mundos, inteligível e sensível, ainda que suas características sejam dadas pelo mundo inteligível. A alma tem de se assemelhar àquilo que ela busca ou aspira: as ideias. E ainda que encarnada em um corpo, a morte refere-se somente a essa parte material, divisível, múltipla, instável. A alma como unidade não se dissolve, mas busca, segundo os mitos escatológicos que Platão narra, o aperfeiçoamento a partir de uma série de ciclos reencarnatórios. A expiação se dá pelas faltas cometidas em vidas passadas que a alma guarda na memória e ao contemplar o inteligível faz sua escolha da vida que quer viver. Então, põe-se novamente em movimento para realizar sua trajetória, mas o corpo torna-se um obstáculo e a faz esquecer parcialmente o que contemplou no mundo inteligível. É assim que ela busca o conhecimento como tentativa de purificação da alma, através da inteligência. A alma é, pois, sujeito do conhecimento.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP