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Cuidar e ensinar: pensando as relações família-escola

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“A escola não é o princípio da transformação das coisas. Ela faz parte de uma rede complexa de instituições e de práticas culturais. Não vale mais, nem menos, do que a sociedade em que está inserida. A condição da sua mudança não reside num apelo à grandiosidade da sua missão, mas, antes, na criação de condições que permitam um trabalho diário, profissionalmente qualificado e apoiado do ponto de vista social. A metáfora do continente (os grandes sistemas de ensino) não convém à escola do século XXI. É na imagem do arquipélago (a ligação entre pequenas ilhas) que melhor identificamos o esforço que importa realizar” (António Nóvoa)

Respeitadas as especificidades da família e da escola, essas instituições podem, sim, estabelecer parcerias produtivas a favor do êxito escolar. Foi isso o que expressou um grupo de professores que participou de um minicurso na semana passada. O evento foi promovido pela Secretaria de Educação e Cultura tocantinense e abordou a relação família e escola, seus limites e possibilidades. A tentativa foi a de compreender quais são os limites de cada qual nos processos de escolarização e quais podem ser as possibilidades de trabalhos institucionalmente compartilhados. Em tese, a família e a escola têm papéis sociais bastante específicos; porém, não antagônicos. Podem mesmo, em muitas circunstâncias, ser complementares: se à família cabe cuidar, a escola responsabiliza-se pelo ensinar.

O importante é ter claro que o professor é um profissional do conhecimento sistematizado, e não a extensão do grupo familiar, razão pela qual não é o “tio”, assim como o grupo familiar educa para o afeto e para a formação pessoal, e não aquele sujeito a quem a escola responsabiliza pelos fracassos da escolarização. É para essa perspectiva que Ana Lúcia (cursista, como os demais citados neste artigo) nos chama atenção: “A família e a escola, caminhando de mãos dadas, geram sucesso escolar”. Essa idéia é compartilhada por Duvanez Alves de Oliveira, para quem “A participação da família no processo de ensino-aprendizagem do filho é a força que a educação tem para dar certo”. E, conforme nos diz Eunice Rodrigues, “Quando a escola e a família assumirem, de verdade, o seu papel, com certeza, os esforços da educação escolar brasileira revelará melhores resultados”. Sim, complemento, desde que haja justiça social e compartilhamento eqüinânime de bens sociais, culturais, epistêmicos e naturais.

Se, como afirma Francismário Queiroz, “A família é fonte fundamental para o desenvolvimento do ser humano e da sociedade”, também a escola é decisiva à formação humana de futuros cidadãos e profissionais, razão pela qual ambas devem oferecer o que têm de próprio em benefício desse desenvolvimento e dessa formação, até porque, como afirma Geny Martins de Sousa, “O espírito de reciprocidade é muito importante para todos os seres humanos; portanto, minha vida só tem sentido se a compartilharmos com outras vidas”. Por que isso não poderia valer para os membros da família e para os da escola? Sim, reciprocidade na especificidade, sabendo que estruturalmente a sociedade também tem de desenvolver um projeto de nação transformador!

Esse parece ser o lema de todo trabalho possível entre pais e mestres, família e instituição de ensino, por meio de parcerias produtivas para todos e em meio a propostas mesmas de constituição de modelos sociais humanizantes e de estilos existenciais humanizadores. Nesse contexto, “Quando a escola e a família se descobrirem como parceiras de construção e transformação”, assegura Ilzany da Rocha Oliveira “o ensino terá uma nova cara”. Tomara que sim!

Nova cara que signifique leveza e enlevo, em atividades que, em vez de ser pesadas e maçantes, provocadoras de pequenas guerras entre pais e mestres, podem ser leves e suaves, como afirma Leonice Ferreira, do Programa Pioneiros Mirins, segundo quem, “Quando existe algo que nos interessa, o tempo passa depressa!”. E passa mesmo! Complicado é quando não há real entendimento do que cabe a cada um e muitos professores pensam que encher a escola de pais vai resolver os problemas do ensino. Ou quando as famílias pensam que a educação escolar do filho é uma atividade com a qual não devem se importar. Não, se a família e a escola “formam um elo fundamental para o ser humano”, como afirma Maria Cardoso Rodrigues, o importante é usar a leveza da espontaneidade para reforçar esse elo em atividades comuns, ainda que diferentes em sua concepção, natureza e realização; ainda que demandem, em algumas circunstâncias, sangue e suor para uns e outros. Isso realmente não é fácil; demanda dedicação e vontade político-ideológica de ver a realidade tal qual ela é, escavar suas raízes, julgar perseguindo o melhor a fazer e agir para marcar e fazer história. Nessa linha, é bom lembrar que “É só na somatória de nossos esforços que teremos soluções e resultados interessantes para nossas ações”, como alerta Maria Ferreira.

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Esforços parece a palavra-chave para compreendermos que tanto a família quanto a escola encontram-se às voltas com um modelo societário e com um estilo existencial com os quais têm de lidar enquanto educam ou escolarizam. Como escola e família são instituições sociais que se prestam a contribuir para o desenvolvimento histórico do entorno natural e humano de nossas comunidades, torna-se crucial compreender que modo de produção material da vida interfere no trabalho de uma e de outra; que tipo de regime político mantemos para lidarmos com as questões relativas ao poder; e que modalidades de expressões culturais, ideológicas e epistêmicas alimentamos como válidas e dignas da ocupação da família e da escola. Isso é importante porque todos esses fatores transversalizam a família e a escola, e não me parece sensato pedir a ambas que façam aquilo que cabe à economia, à política, à cultura e à epistemologia, mas, contrariamente a isso, que ajam de maneira a clarear questões ideológicas que pressionam uma e outra instituições sociais em suas atribuições cotidianas.

Não cabe à escola e à família perpetrarem justiça social, participação política consciente e justa distribuição de bens simbólico-culturais, entre eles os epistêmicos, onde a economia não se faz justa, onde a política não é ancorada na soberania do povo e onde a cultura simbólica e os diversos conhecimentos humanos não são concretamente produzidos, disponibilizados e apropriados segundo os critérios eqüinânimes da igualdade nas diferenças e da liberdade responsável. Nessa perspectiva, podemos compartilhar do entendimento de Sofia Sena, para quem “o conhecimento a respeito dos desafios e possibilidades da escola em prol das mudanças sociais” torna-se “o ponto de partida para superação dos quadros de desigualdade existentes” entre nós.

Mantidas essas especificidade, e sabendo que família não é escola e que escola não é família, considerando-se as tarefas do cuidar e do ensinar, um desafio sério é lembrado como uma das atribuições da instituição escolar: “A escola deve possibilitar aos membros da família a vivência de reflexões que lhes dêem condições de reconstruir a auto-estima para que não se sintam rejeitados e, sim, acolhidos pela instituição escolar”, provoca-nos Vilma Sônia de Carvalho. Em uma sociedade excludente, as limitações das inclusões institucionais podem ajudar mesmo, ainda que não torne as estruturas sociais mais favoráveis ao desenvolvimento humano. Mesmo assim, tomara que iniciativas da escola para trabalhar em conjunto com a família seja um caminho possível à melhoria de nossa produtividade escolar. Isso os professores e professoras, escolados na arte de educar, sabem bem como fazer. Eles não precisam de receitas; precisam, sim, de apoio social, incentivo e compreensão.

Socialmente referenciada, como nos lembra Nóvoa, a “ilha escola ensinante” pode, e até deve, associar-se à “ilha família cuidadora” para que, juntas, desenvolvam suas pequenas missões, sempre articuladas com as grandes questões sociais. Por aí, talvez, seguem as iniciativas que podem melhorar as estruturas sociais para que dêem condições de possibilidade ao saudável desenvolvimento das pessoas e à equilibrada realização humana.

 

Por Wilson Correia
Colunista Brasil Escola

Escritor do artigo
Escrito por: Lana Julia Rodrigues Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

RODRIGUES, Lana Julia. "Cuidar e ensinar: pensando as relações família-escola"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/educacao/cuidar-ensinar-pensando-as-relacoes-familiaescola.htm. Acesso em 26 de novembro de 2024.

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