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A onda de violência que atingiu a Região Metropolitana de São Paulo em 2012 provocou muitos debates a cerca da segurança pública no Brasil. Temas como a reestruturação da polícia, combate ao crime organizado e modificações do sistema penitenciário foram amplamente discutidos pelo governo e mídia em geral. Por outro lado, as causas estruturais de eventos como esse estão muito longe de uma solução concreta, podendo ser traduzidas na ausência do Estado no atendimento às áreas carentes no que diz respeito à habitação, saúde, esgotamento sanitário, educação e demais requisitos para assegurar qualidade de vida para a população.
A falta ou a ineficácia de políticas públicas durante a consolidação do Brasil enquanto país urbano acabou produzindo milhões de jovens sem perspectivas de um futuro promissor. Em meio a um ambiente degradado e ao ingresso no mercado de trabalho, principalmente através da informalidade e dos subempregos, as facções criminosas encontraram um espaço ideal para cooptar esses jovens ao universo da ilegalidade, movidos pelos estímulos constantes ao consumismo presentes em todas as esferas sociais. Mas de que maneira a problemática da violência urbana estaria relacionada à educação como vetor de desenvolvimento econômico do Brasil?
A violência urbana representa apenas um dos reflexos da baixa escolaridade que persiste no país, identificada em números oficiais como 10% de analfabetismo e muitos outros considerados analfabetos funcionais, que nem sequer acreditam que o aumento da escolaridade pode constituir um instrumento de ascensão social. O descrédito no sistema educacional brasileiro ficou estampado no caloroso debate sobre as cotas nas universidades públicas. Longe de reduzir o peso dessas análises, as cotas apontam para a raiz do problema, que é o ensino básico fragilizado e incapaz de conduzir os alunos das escolas da rede pública aos cursos mais concorridos das universidades mantidas pelo governo federal.
O conceito de desenvolvimento econômico é amplo. Em tese, é o resultado de uma combinação de políticas de planejamento em projetos sociais conduzidas pelo Estado e o crescimento geral da economia que a iniciativa privada pode proporcionar. Nos mais diferentes períodos do seu capitalismo tardio, o Brasil conseguiu alcançar crescimento econômico, mas limitado a pouco setores e sujeito a crises econômicas conjunturais e endividamento, afastando-se de um modelo de desenvolvimento econômico.
As lacunas nas políticas educacionais de universalização de um ensino de qualidade estão fazendo o país ficar cada vez mais distante de outras nações emergentes, como China, Índia e Coreia do Sul, este último apresentando indicadores sociais e inovações tecnológicas muito próximas de países considerados desenvolvidos. Observando mais de perto tudo aquilo que tem funcionado nos países asiáticos, duas características chamam a atenção: o papel do Estado na idealização de políticas educacionais e de qualificação de mão de obra - que em longo prazo geram desenvolvimento tecnológico - e a disciplina típica da cultura oriental, muito apreciada pelas empresas e também pelas universidades e centros de pesquisa.
No Brasil, não ocorreu nenhum plano ambicioso para modificar o panorama das escolas públicas, apesar da estrutura do ensino superior do Brasil revelar excelência em ensino e pesquisa em determinados segmentos. O que ocorre é um abismo entre as pesquisas realizadas em nossas universidades e as demandas de mercado. São milhares de pesquisas e trabalhos acadêmicos produzidos a cada ano, muitos desses financiados por órgãos públicos, mas cujo conhecimento permanece restrito aos muros das universidades. Não podemos acreditar que as necessidades do capital privado - que variam muito - precisam figurar como o único norte para a geração do conhecimento científico, mas o descompasso é evidente e custa muito caro ao Estado e aos empreendedores. Ambos estão perdendo, seja por investimentos que não apresentam o retorno almejado ou pela redução da competitividade frente aos países que estão concorrendo com o Brasil nesse sentido.
Ao iniciar o projeto neoliberal durante a década de 1990, o Brasil aparentemente absorveu muito mais os aspectos nocivos da desregulamentação da economia do que aquilo que foi preconizado como os fatores benéficos que acompanham a ideologia neoliberal. A rapidez da abertura econômica e do processo de privatizações não foi acompanhada por um redirecionamento das funções básicas do Estado. Uma das premissas do neoliberalismo corresponde à descentralização da administração e da coordenação de projetos econômicos. As parcerias público-privadas são, certamente, um dos maiores exemplos que podem ser seguidos para a qualificação da mão de obra almejada pelos investidores e a introdução de políticas públicas no combate à miséria social.
Da mesma maneira que a disciplina pode ser apontada como um dos componentes do sucesso para o modelo asiático, é necessário considerar as potencialidades presentes em nosso território para o fomento de um modelo brasileiro de desenvolvimento econômico. E entre tantos potenciais, o povo brasileiro possui a criatividade, a capacidade inata de improvisar e promover adaptações dinâmicas diante dos desafios. É claro que quando se fala em improviso, não significa falta de objetivos e comprometimento com metas, mas sim apostar na flexibilidade e nas características culturais que cada região brasileira possui.
São nesses regionalismos que residem as adaptações históricas de uma nação, que devem ser aproveitadas para inovar, nas mais diferentes perspectivas. Empreendedores, poder público e universidades têm a obrigação de caminhar em sintonia, estabelecendo novas propostas de ensino, produção e disseminação de conhecimento tendo como referência nosso capital social. Do contrário, o país irá permanecer na dependência de lampejos de crescimento econômico, com a presença expressiva do setor primário na composição do PIB do país, exatamente o setor com menor valor agregado em seus produtos e com menor capacidade de geração de empregos qualificados. E como consequência, ainda terá que encarar por muitas décadas os mais diferentes tipos de tensão social desencadeados pelas disparidades na distribuição de renda e recursos. Em um momento de maior exposição do Brasil no cenário internacional e uma ligeira queda na participação dos países tradicionais na economia mundial, é chegada a hora de o país traçar novos rumos, para acabar de vez com o legado colonial de economia primária, agroexportadora e excludente.
Júlio César Lázaro da Silva
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP
Mestre em Geografia Humana pela Universidade Estadual Paulista - UNESP