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O código florestal representa um conjunto de leis que regulamenta o uso da terra. O primeiro código florestal que o Brasil instituiu foi no ano de 1935 e esse determinava a preservação de ¾ da mata nativa de um imóvel rural, o que era condizente com a realidade econômica e socioespacial do país naquele momento, quando o Brasil era um país de economia primária e a ocupação de áreas como o Cerrado e a Amazônia ainda era bastante restrita.
Em 1965, ocorreu a criação do Código Florestal que esteve em vigor até os dias atuais e que definiu a proteção da APP (Área de Preservação Permanente) e a criação de uma Reserva Legal de 50% na Amazônia e de 20% no restante do país. As Áreas de Preservação Permanente correspondem às margens dos rios, encostas, topos, nascentes, cercanias de lagos e reservatórios, restingas e mangues. A Reserva Legal definiu a quantidade de mata nativa da cobertura original que deve ser preservada.
O então presidente Fernando Henrique Cardoso criou, em 1996, uma MP (Medida Provisória) no sentido de aumentar a Reserva Legal na Amazônia para 80%, reduzindo a Reserva Legal no Cerrado dentro da Amazônia Legal para 35% e mantendo os 20% para os demais biomas. Pouco depois, em 1999, começaram os debates no Congresso Nacional para modificar o Código Florestal através da criação de uma Comissão Mista, formada por deputados e senadores, mas com forte influência de associações ruralistas, como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Cabe destacar que todo projeto de lei é criado pela Câmara dos Deputados. Uma vez aprovado na Câmara, o projeto chega ao Senado. Após a aceitação dos senadores, o projeto alcança a Presidência da República, que pode sancionar (aprovar) ou vetar (negar) o projeto ou partes do projeto. É nesse momento em que ocorrem as maiores tensões políticas, pois a aprovação dos projetos e a criação de leis obedecem a um sistema de alianças políticas: os partidos aliados ao governo e os partidos de oposição travam uma disputa por votos e interesses em particular.
Após quase uma década de debates, apenas em 2008 uma nova comissão foi criada para reunir 11 projetos de lei para reformular o Código Florestal, com total apoio dos ruralistas. O relator do projeto foi o deputado federal Aldo Rebelo, atualmente Ministro dos Esportes, que pertence ao grupo político aliado à presidência, e apresentou a proposta final no ano de 2011. No mês de maio, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e, no mês dezembro, pelo Senado, com algumas modificações. Nesse caso, o projeto quando sofre modificações pelo Senado, ainda que aprovado, deve voltar para a Câmara dos Deputados, antes de chegar até a Presidência da República.
Enfim, no mês de abril de 2012, o texto final foi aprovado. Em maio, a presidente Dilma vetou 12 artigos do código, apresentando 32 alterações. Uma MP foi editada e as discussões foram encaminhadas até o mês de setembro, quando o Congresso apresentou uma nova formatação para o projeto, que mais uma vez teve trechos vetados pela presidente. Entre vetos, decretos e Medidas Provisórias, o novo Código Florestal ainda não conseguiu ser estabelecido.
Entre as mudanças mais polêmicas propostas pelo projeto e que foram vetadas pela presidente, podemos destacar:
- Permissão para a urbanização de áreas de mangues e restingas, caso seja constatado que suas funções ecológicas estejam comprometidas;
- Isenção dos pequenos proprietários de recomposição de APP;
- Preservação da área recoberta por matas de galeria e mata ciliar para o limite de até 15 metros em relação às margens dos rios, independente do tamanho das propriedades;
- Concessão de crédito e outros benefícios para agricultores que desmataram até o mês de julho de 2008, isentando esses produtores de multas, desde que recuperem a vegetação que foi retirada até a data em questão;
- Desobrigação da recomposição de APP para proprietários rurais que preservam 50% de Reserva Legal em sua propriedade.
As mudanças no código florestal precisam considerar as florestas como parte integrante dos sistemas agrícolas. É necessário desenvolver uma reflexão em direção à importância da manutenção das vegetações nativas, pois em determinados segmentos relacionados à agricultura, o pensamento arcaico e que remete aos antigos engenhos de cana da Zona da Mata nordestina prevalece até os dias atuais, relativizando o papel das florestas, que até mesmo são avaliadas como uma barreira para o crescimento econômico do país.
Entre as funções que as florestas exercem, algumas, em especial, são de fundamental importância para as práticas agrícolas. A floresta responde pela conservação dos solos, pois a absorção de água realizada pelas raízes das plantam ajuda na infiltração de água, fixando o solo e aumentando o volume de água de lençóis subterrâneos. Ao mesmo tempo, esse processo reduz o assoreamento dos cursos superficiais. A vegetação, pelo processo de evapotranspiração, colabora para transformar o microclima de uma região, aumentando a umidade relativa do ar e interferindo no regime de chuvas.
Isso significa que uma redução das áreas florestadas, além de provocar impactos sobre a biodiversidade, pode comprometer também a produção agrícola, pressionando os recursos naturais até o seu esgotamento. Também encarece a agricultura, obrigando os produtores a dispensarem maiores volumes de investimentos em técnicas agrícolas de correção dos solos e de irrigação, algo muito mais viável para aqueles produtores que estão envolvidos em grandes escalas de produção e comercialização, fenômeno conhecido mundialmente como o agronegócio.
Além disso, as comunidades pesqueiras, indígenas e ribeirinhas, assim como quilombolas, sem-terra e pequenos agricultores em diferentes modalidades, devem ser favorecidas nas políticas públicas que pretendem modernizar qualquer tipo de legislação que envolva atividades agrícolas.
Também não podemos deixar de considerar que, em uma democracia avançada e amadurecida de fato, a governança estabelecida deve sempre consultar a sociedade civil, que é afetada diretamente pelas políticas públicas, independente de sua dimensão – municipal, estadual ou federal. Projetos como a Copa do Mundo de Futebol, Transposição das Águas do Rio São Francisco, Usina de Belo Monte e a Reforma do Código Florestal precisam contar com uma maior participação das organizações civis e esclarecimento para o público em geral.
Júlio César Lázaro da Silva
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP
Mestre em Geografia Humana pela Universidade Estadual Paulista - UNESP