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O medo do novo parece não combinar com a educação e com a filosofia. Segundo Hannah Arendt, que escreveu sobre a crise na educação no livro Entre o passado e o futuro (São Paulo: Perspectiva, 2001), “a essência da educação é a natalidade”, razão pela qual o que dá sentido ao empreendimento educativo é “o fato de que seres nascem para o mundo”. Desassociadas do novo, a educação e a filosofia parecem carecer de um porquê. Por isso, aqueles que têm medo do novo não são os mais indicados à lida com as coisas da educação, muito menos com as da filosofia.
A razão é simples: toda educabilidade filosófica possível se liga aos começos que o novo apresenta às instituições de ensino, aos educadores e aos próprios educandos. E isso não é de agora. Desde a Antiguidade o homem manifesta entendimentos nessa perspectiva. Para Arendt, “O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece natural iniciar um mundo novo com aqueles que são novos por nascimento e por natureza.”
Às vezes, contudo, a perspectiva do novo e a metáfora dos começos em educação são relegadas a algo de somenos em nosso sistema de ensino, indo afetar a filosofia. Outras vezes elas são completamente esquecidas, até impedidas de adentrar nossas instituições educativas, de todos os níveis, ou rechaçadas daqueles espaços legitimados às práticas do ensinar e do aprender. Aliás, é a filosofia que ilustra sobejamente essa ocorrência. Historicamente, no Brasil, a filosofia sempre teve dificuldade para se firmar nos currículos escolares como um saber que se preste a desempenhar um papel educativo e formativo. Vai ver é porque a filosofia, talvez mais fortemente do que os outros saberes escolares, apega-se aos começos e investe no novo como suas condições de possibilidade. Quando a filosofia não é descartada e renegada, então ela é tratada como um saber pronto e acabado, cristalizado no que se chama de história da filosofia.
Nietzsche, no Schopenhauer educador (São Paulo: Abril Cultural, 1983) foi severo em sua crítica aos que se aferram ao “já feito” no campo filosófico como se isso pudesse ser toda a filosofia possível, e não como parte do empreendimento filosófico-educativo. Disse Nietzsche: “a história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia”. É que se o professor que se ocupa com o ensino da filosofia e com o filosofar se prender à “história erudita do passado”, com o “predeterminado”, no máximo esse profissional poderá atuar como um “repensador e pós-pensador, e antes de tudo um conhecedor erudito de todos os pensadores anteriores; dos quais sempre poderá contar algo a seus alunos” Ademais, em agindo assim, esse professor, na perspectiva nietzscheana, não irá além de um “competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador – mas nunca é um filósofo”. Os começos trazidos pelo novo parecerem ser especificidade do filósofo e do filosofar que educam.
É nessa medida que o novo, a educação e a filosofia se encontram. Se a tradição e a história já nos legam uma riqueza incomensurável, o novo e os começos postos à educação também se estendem à filosofia, esse saber formativo por excelência. Aí a educabilidade liga-se à novidade, àquilo que podemos, criativa e criadoramente, construir no campo da educação. Tomara que nos lembremos que nossa meta, ainda que haja uma história feita, ainda são o homem e a mulher que hão de vir.
Por Wilson Correia*
Colunista Brasil Escola
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*Wilson Correia é filósofo, doutor em Educação pela UNICAMP, professor na Universidade Federal do Tocantins, Campo Universitário de Arraias, e autor do livro Saber Ensinar (São Paulo: EPU, 2006). Endereço eletrônico: wilsoncorreia@uft.edu.br.