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Estudo Teórico da Morte

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Como dito anteriormente, o homem encontra-se num processo contínuo de cisão ente vida e morte, tentando afastar-se ao máximo da idéia da morte, considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele. Configura-se então, uma situação na qual o homem se defende pela segregação.

Esse fato é constatado por Mannoni (1995): "Nossas sociedades hoje, defendem-se da doença e da morte pela segregação. Existe aí algo importante: a segregação dos mortos e dos moribundos caminha junto com a dos velhos, das crianças indóceis (ou outras), dos desviantes, dos imigrantes, dos delinqüentes, etc."

Segundo Torres (1983): "A sociedade ocidental não sabe o que fazer com os mortos. Um intenso ou íntimo terror preside as relações que ela intervém com esses 'estranhos' - corpos que bruscamente deixaram de produzir, deixaram de consumir - máscaras que não respondem a nenhum apelo e resistem a todas as seduções."

A autora segue falando dessa segregação em outro momento, quando diz que a mesma se dá através da rejeição ao moribundo. São acionados neste processo, alguns mecanismos que tentam negar ou encobrir a concretude da morte.

A própria equipe médica encarregada de doentes terminais, na maioria das vezes, não consegue elaborar a possível morte ou a morte concreta de seus pacientes. No geral, os médicos e pessoal de apoio são bastante despreparados para lidar com a morte, não conseguindo acolher o paciente e sua família.

Segundo Mannoni (1995) dois processos podem ocorrer com o atendente em relação ao paciente. Um desses processos seria a idealização, na qual haveria uma sacralização do doente, como se ele estivesse protegido das forças de destruição. Um outro processo seria a renegação, na qual haveria uma recusa da situação de morte, um evitamento por parte do atendente. Essa conduta impede o acolhimento dos familiares enlutados.

A equipe médica vivencia a morte de um paciente como um fracasso, colocando à prova, a onipotência médica. Ainda segundo Mannoni (1995): "é porque a morte é vivida como um fracasso pela medicina que os serviços médicos chegam a esquecer a família (ou a esconder-se dela)."

Segundo Kübler-Ross (1997): "Quando um paciente está gravemente enfermo, em geral é tratado como alguém sem direito a opinar."

A autora questiona se o fato dos médicos assumirem a vontade do paciente em estado grave, não seria uma defesa contra "... o rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar, uma vez mais, nossa falta de onipotência, nossas limitações, nossas falhas e, por último mas não menos importante, nossa própria mortalidade?"

Para a autora, a preocupação da ciência e da tecnologia tem sido a de prolongar a vida e não de torná-la mais humana. E segue falando sobre sua vontade como médica: "se pudéssemos ensinar aos nossos estudantes o valor da ciência e da tecnologia, ensinando há um tempo, a arte a ciência do inter-relacionamento humano, do cuidado humano e total do paciente, sentiríamos um progresso real."

Dentro dessa humanidade no atendimento ao doente terminal, Kübler-Ross (1997) nos fala da importância do acolhimento ao doente por parte do médico, da importância da verdade. A autora questiona não o dizer ou não a verdade, mas sim como contar essa verdade, aproximando-se da dor do paciente, colocando-se no lugar dele para entender seu sofrimento. Essa seria a verdadeira disponibilidade humana para ajudar o outro em seu caminho em direção à morte.

Apesar da importância da verdade, nem sempre o paciente consegue escutá-la, justamente porque ele esbarra na idéia de que a morte também acontece com ele, e não só com os outros.

Em sua pesquisa junto a pacientes terminais, Kübler-Ross (1997) identificou cinco estágios quando da tomada de consciência por parte do paciente, de seu estágio terminal. O primeiro estágio é a negação e o isolamento, fase na qual o paciente se defende da idéia da morte, recusando-se a assumi-la como realidade. O segundo estágio é a raiva, momento no qual o paciente coloca toda sua revolta diante da notícia de que seu fim está próximo. Nesta fase, muitas vezes, o paciente chega a ficar agressivo com as pessoas que o rodeiam. O terceiro estágio, a barganha, é um momento no qual o paciente tenta ser bem comportado, na esperança de que isso lhe traga a cura. É como se esse bom comportamento ou qualquer outra atitude filantrópica, trouxesse horas extra de vida. O quarto estágio é a depressão, fase na qual o paciente se recolhe, vivenciando uma enorme sensação de perda. Quando o paciente tem um tempo de elaboração e o acolhimento descrito anteriormente, atingirá o último estágio, que é o da aceitação.

Mas não são somente os pacientes terminais que provocam incômodo por remeter-nos diretamente à questão da morte. Os idosos também nos trazem a idéia da morte e não é sem razão que isso acontece. Com o progresso da ciência no combate à mortalidade, a associação entre morte e velhice passou a ser cada vez maior. Segundo Kastembaum e Aisenberg (1983), esse evento relega a morte a um segundo plano, algo que só acontece com o outro (velho). Segundo Mannoni (1995) o idoso nos remete a uma imagem degradada e aviltada de nós mesmos, e é dessa imagem insuportável que advém a segregação, já discutida anteriormente.

Considerando a associação entre idade avançada e a morte, o que se cria, segundo Torres (1983) é uma sociedade narcísica completamente voltada para a juventude. Não há lugar para a velhice. Conseqüência disso é que "... as pessoas idosas de modo geral, não querem se conscientizar de que estão velhas, nem procurar uma orientação para velhos." Isso seria como dar a si próprio, uma sentença de morte, numa sociedade cujo espaço da morte está em branco.

A segregação existente com relação aos idosos faz com que eles fiquem à mercê da esfera social. Em muitos dos casos, há um afastamento concreto dos idosos, que são colocados em asilos e casas de repouso. Mannoni (1995) faz uma crítica bastante intensa a esses locais, dizendo que as instituições para idosos revelam freqüentemente abismos de desumanidade e solidão.

Para o homem, uma criatura incapaz de aceitar sua própria finitude, não é fácil lidar com um prognóstico de morte. No fundo, o grande medo da morte é o medo do desconhecido.

Freud (1914) nos fala que a morte de um ente querido nos revolta pois, este ser leva consigo uma parte do nosso próprio eu amado. E segue dizendo que, por outro lado, esta morte também nos agrada pois, em cada uma destas pessoas amadas, há também, algo de estranho.

Surge aí, a ambivalência, que são sentimentos simultâneos de amor e ódio, e estão presentes em todos os relacionamentos humanos. Nestes relacionamentos, o desejo de ferir o outro é freqüente e a morte desta pessoa pode ser conscientemente desejada. Por isso, muitas vezes, quando o outro morre, a pessoa que assim o desejou pode ficar com um sentimento de culpa difícil de suportar e, para amenizar esta culpa, permanece em um luto intenso e prolongado.

Para a psicanálise, a intensidade da dor frente à uma perda, se configura narcisicamente como a morte de parte de si mesmo.

O LUTO

Já não se vive o luto como em épocas passadas e, na maioria das vezes, os enlutados vivenciam a dor da perda na solidão, já que as pessoas ao redor, preferem afastar de si o medo da morte. Atualmente o que se exige é o recalcamento da dor da perda, em lugar das manifestações outrora usuais. Mannoni (1995) nos fala deste processo: "Hoje não se trata mais tanto de honrar os mortos, mas de proteger o vivo que se confronta com a morte dos seus."

Os ritos, tão essenciais, tornaram-se inconvenientes em nossa sociedade higienizada, assim como a própria morte. Hoje, os funerais são rápidos e despojados. Os símbolos são eliminados, como se fosse possível eliminar a realidade da morte ou banalizá-la. Mas não há como apagar a presença do ser ausente, nem o necessário processo de luto. Para que a morte de um ente querido não assuma formas obsessivas no inconsciente é necessário ritualizar essa passagem.

Segundo Freud (1916), "O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante." E segue dizendo que o luto normal é um processo longo e doloroso, que acaba por resolver-se por si só, quando o enlutado encontra objetos de substituição para o que foi perdido.

Para Mannoni (1995), seguindo a interpretação de Freud, "o trabalho de luto consiste, assim, num desinvestimento de um objeto, ao qual é mais difícil renunciar na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida nele."

Segundo Parkes (1998), o luto pela perda de uma pessoa amada “envolve uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se substituem... o entorpecimento, que é a primeira fase, dá lugar à saudade, e esta dá lugar à desorganização e ao desespero, e é só depois da fase de desorganização que se dá a recuperação.”

O autor segue dizendo que “o traço mais característico do luto não é a depressão profunda, mas episódios agudos de dor, com muita ansiedade e dor psíquica.”

Diante da morte, o consciente sabe quem perdeu, mas ainda não dimensiona o que perdeu. Por que um luto não realizado leva à melancolia, um estado patológico capaz de durar anos e anos?

Para Freud, (1916) algumas pessoas, ao passar pela mesma situação de perda, em vez de luto, produzem melancolia, o que provocou em Freud a suspeita de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Para justificar essa premissa, o autor fez uma série de comparações entre o luto e a melancolia, tentando mostrar o que ocorre psiquicamente com o sujeito em ambos os casos

No luto, há uma perda consciente; na melancolia, a pessoa sabe quem perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém. "A melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda."

O autor fala ainda sobre o melancólico, que vivencia a perda, não do objeto como no luto, mas como uma perda relativa ao ego. "No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego para nós como se fosse desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível..."

A chave do quadro clínico melancólico é a percepção de que "... as auto-recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente."

A este respeito nos fala também Mannoni, (1995): "Em alguma parte existe, aí, uma identificação com o objeto perdido, a ponto de tornar a si mesmo, enquanto objeto (de desejo), um objeto abandonado."

Ainda citando Freud, (1916) o melancólico pode apresentar características de mania. "...o maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando, como um homem vorazmente faminto, novas catexias objetais." Ou seja, há uma busca indiscriminada de outros objetos nos quais o indivíduo possa investir.

O que se poderia dizer afinal é que, a pessoa melancólica coloca a si própria como culpada pela perda do objeto amado.

Existe um período considerado necessário para a pessoa enlutada passar pela experiência da perda. Esse período não pode ser artificialmente prolongado ou reduzido, uma vez que o luto demanda tempo e energia para ser elaborado. Costuma-se considerar - sem no entanto tomar isto como uma regra fixa - que o primeiro ano é importantíssimo para que a pessoa enlutada possa passar, pela primeira vez, por experiências e datas significativas, sem a pessoa que morreu.

Nos rituais de enterro judaico, sã impedidos os gastos excessivos com os funerais para que, com isso, não se compense ou se esconda qualquer sentimento da família. O Kriyah (ato de rasgar as roupas), é como uma catarse. Logo após os funerais, os familiares fazem uma refeição juntos, que simboliza a continuidade da vida. O luto é estabelecido por etapas: a primeira etapa (Shivá), dura sete dias e é considerada a etapa mais intensa, na qual a pessoa tem o direito de recolher-se com sua família e orar pelo morto. A Segunda etapa (Shloshim), que dura trinta dias, tem a finalidade de estabelecer um período maior para a elaboração do luto. Já a terceira etapa, tem a duração de um ano e é designada, principalmente, para os filhos que perderam seus pais. Enfim, o luto judaico é caracterizado por fases que favorecem a expressão da dor, a elaboração da morte e, por fim, a volta do enlutado à vida da comunidade.

Para cada enlutado, sua perda é a pior, a mais difícil, pois cada pessoa é aquela que sabe dimensionar sua dor e seus recursos para enfrentá-la. No entanto, há muitos fatores que entram em cena, quando se trata de avaliar as condições do enlutado, seus recursos para enfrentar a perda e as necessidades que podem se apresentar.

O luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência mais universal e, ao mesmo tempo, mais desorganizadora e assustadora que vive o ser humano. O sentido dado à vida é repensado, as relações são refeitas a partir de uma avaliação de seu significado, a identidade pessoal se transforma. Nada mais é como costumava ser. E ainda assim há vida no luto, há esperança de transformação, de recomeço. Porque há um tempo de chegar e um tempo de partir, a vida é feita de pequenos e grandes lutos, através dos quais, o ser humano se dá conta de sua condição de ser mortal.

BIBLIOGRAFIA

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KOVÁCS, Maria Julia. “Morte e Desenvolvimento Humano”. 2a.ed. Casa do
Psicólogo, São Paulo, 1998.

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Escrito por: Brasil Escola Escritor oficial Brasil Escola

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ESCOLA, Brasil. "Estudo Teórico da Morte"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/psicologia/estudo-teorico-morte2.htm. Acesso em 21 de novembro de 2024.

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