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Com extensão territorial de aproximadamente 30,2 milhões de quilômetros quadrados e contingente populacional de 1.008.500 habitantes, a África é o terceiro maior continente e o segundo mais populoso. De acordo com dados divulgados em 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU), essa região do planeta registra os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).
Os noticiários, jornais, revistas e, até mesmo, alguns livros didáticos destacam apenas os problemas socioeconômicos desse continente: baixa expectativa de vida, doenças, subnutrição, conflitos étnico-separatistas, pobreza, entre outros fatores negativos. Essas informações induzem a população a uma análise tendenciosa, prevalecendo os aspectos que denigrem a imagem do continente africano.
O intuito não é “camuflar” os problemas sociais, políticos e econômicos existentes na África, mas sim, destacar outra face do continente que pouco se comenta, estimulando as pessoas a estudarem a história, a conhecer as belezas naturais, a respeitar a diversidade étnica e cultural desse continente tão rico, proporcionando, assim, subsídio para se romper com alguns paradigmas sobre a África.
Nesse sentido, as escritoras Virgínia Maria Yunes e Maria Isabel Leite, por meio da Editora Evoluir Cultural, produziram um excelente material sobre um país africano: Guiné-Bissau. O livro, denominado Cartas entre Marias: uma viagem à Guiné-Bissau, possui belas fotos (tiradas por Virgínia Maria Yunes) e enfatiza a pluralidade cultural e o cotidiano do país abordado.
O livro conta a história de duas amigas (Ana Maria e Maria Cristina) que moram em Florianópolis, capital de Santa Catarina. O pai de uma das personagens precisa realizar um trabalho em uma aldeia da Guiné-Bissau, e leva toda a família para o país africano. A partir desse momento, começam as trocas de cartas entre as duas amigas, havendo a descrição de alguns elementos culturais da Guiné-Bissau.
Esse material é uma ótima contribuição para romper com o preconceito sobre a África, desmistificando a concepção generalizadora de miséria e pobreza desse continente. Visando obter maiores informações sobre a produção e objetivo do livro, realizamos uma entrevista com Maria Isabel Leite:
- Virgínia Maria Yunes, uma das escritoras do livro, já fotografou diversos países do mundo, sobretudo da África e da América do Sul. Por qual motivo ocorreu a escolha de um país africano para a elaboração do livro Cartas entre Marias?
A escolha de um país da África como palco do primeiro livro de correspondência entre as Marias (visto que esperamos que haja outros) se deu em função da riqueza do material que tínhamos para fazê-lo de forma séria e informativa, sem perder sua dimensão estética e poética.
- A escolha de Guiné-Bissau se deve ao fato de o país ter, assim como o Brasil, o português como idioma oficial?
Não necessariamente, muito embora tenha sido maravilhoso poder ler o livro e debatê-lo antes de ir para a gráfica, com pessoas da Guiné-Bissau. Gostaríamos que o livro pudesse circular por lá também.
- A maioria das notícias sobre a África aborda os problemas socioeconômicos do continente. Conforme relatório divulgado em 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU), Guiné-Bissau detém o sexto pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Sendo assim, o que motivou a elaboração de um livro com um enfoque que destacasse mais os aspectos culturais, ao invés dos econômicos?
Exatamente essa mesma razão. Os índices econômicos acabam por trazer a reboque, um discurso paternalista ou uma imagem estereotipada do lugar, sublinhado sempre por suas carências e faltas. Queríamos inverter esse movimento e destacar suas potências – potencial de beleza, de cultura, de diversidade.
- A utilização de cartas para a comunicação entre as duas amigas (Ana Maria e Maria Cristina) é uma mostra de que Guiné-Bissau está inserida em menor escala no processo de globalização?
Absolutamente. Foi uma opção estética e poética, que objetivou despertar nos leitores um outro deslocamento, uma outra desacomodação sobre o estabelecido. Hoje estamos inseridos num contexto de imediatismo e velocidade; um mundo da informação. Queríamos resgatar um pouco da dimensão narrativa, de uma temporalidade outra. Nas cartas, o próprio tempo de espera entre o envio da mensagem e o seu retorno, nos coloca em contato com um sentimento diferente. E essa dimensão tem profunda ligação com a cultura africana, com a oralidade.
- De acordo com a análise das autoras do livro, quais os principais pontos em comum entre a cultura brasileira e a da Guiné-Bissau?
Difícil responder a essa questão sem resvalar para as perigosas generalizações. Se já é difícil falar de “cultura brasileira”, imagine da cultura de um continente tão grande como a África, que tem tantos países e cada um com suas características... Preferimos destacar a diversidade das culturas brasileiras e das culturas africanas – sempre no plural! Não se pode falar de cultura no singular. É isso que gera tantos equívocos. Mas se querem que destaquemos alguns aspectos de aproximação clara entre a cultura dessa aldeia da Guiné-Bissau com alguns pontos brasileiros, podemos lembrar da culinária apimentada da Bahia, da sua musicalidade, das suas festas – só para não deixar de fazer as aproximações requeridas.
- Vocês concordam com a forma de abordagem do continente africano nos livros didáticos? O que deveria ser mudado?
Tanto não concordamos, que decidimos começar por esse livro. Cada imagem foi pensada na perspectiva de desconstrução de estigmas. Cada frase foi escrita com o intuito de deflagrar perplexidades e colocar em xeque as verdades anteriores, construídas pelo senso comum. Se cada livro fizesse isso, a imagem e a relação com a cultura do outro, não só da Guiné-Bissau, mas de qualquer outro lugar, seria diferente. O que desejamos é contribuir para um universo de maior respeito à diversidade em todos os sentidos.
Por Wagner de Cerqueira e Francisco
Graduado em Geografia
Equipe Brasil Escola