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A capacidade que cada indivíduo tem de se autoconduzir é uma característica da liberdade natural verificada por Samuel Pufendorf. Conforme o teórico, não estando sob o domínio de outro homem, nem tendo alguém sob seu comando, o homem estaria no estado de natureza. Mesmo que tivesse desenvolvido uma certa afinidade que lhe permitisse o convívio social, ainda dependeria única e exclusivamente de si mesmo, ou seja, cada homem contava apenas consigo para assegurar sua vida e seus bens.
Pufendorf observou que, mesmo que a lei natural não fosse incompatível com a razão, o seu estado (de natureza) não propiciava o usufruto das comodidades adquiridas por cada um, o que só uma sociedade civil organizada poderia garantir. Isso porque, sendo universal e conveniente, permitiria ao homem contar com os outros homens para se defender e se preservar (e preservar o que é seu também, isto é, seus bens), já que as paixões que predominam no homem no estado de natureza levam aos vícios e às guerras, enquanto, por outro lado, a sociedade civil pode promover a paz, a riqueza e as comodidades convenientes a todos (e que também são buscadas no estado natural).
Segundo Pufendorf, existem dois estados: o estado de natureza e o segundo estado ou segunda natureza. Para ele, o estado de natureza, concebido racionalmente, pode ser compreendido das seguintes formas:
- Em relação ao deus criador, o homem reconhece seu autor e também se reconhece como o mais excelente dos animais e deve se conduzir pela razão, pois, sem ela, não se conceberiam nem direitos nem deveres, ficando todos, portanto, em estado oposto ao da sociedade civil;
- Em relação à triste condição do homem abandonado a si mesmo e destituído da segurança de seus semelhantes, condição na qual o homem não sobreviveria, o que impossibilitaria a vida civilizada;
- Em suas relações morais advindas de afinidades naturais à sociabilidade, sem nenhuma convenção nem subjugo a outrem, nem lhes causando bem ou mal.
Disso depreendemos duas hipóteses que poderiam ser apontadas como justificativas dos fundamentos da sociedade organizada: ou todos os homens são independentes entre si e, mesmo as sociedades se dissolvendo, cada um seria capaz de se conduzir como bem entender; ou aqueles que, unidos em sociedade particular, não têm nada em comum coletivamente, a não ser a qualidade como criaturas humanas e não se devem nada uns aos outros senão aquilo que se pode exigir precisamente como homem (conceito de humanidade). Para Pufendorf, a primeira opção é fictícia, e a segunda deve ser a condizente com o real, isto é, foi o que aconteceu.
Essa segunda hipótese mostra, inclusive, como viveram os membros de diferentes famílias separadas e independentes; e hoje ainda se vê, nas sociedades civis e particulares, que não são membros de um mesmo corpo político. Isso porque, conforme Pufendorf, nem todo gênero humano se encontrava no estado de natureza. O primeiro homem e a primeira mulher (alusão à Bíblia?!) tiveram suas crianças submetidas ao poder paterno. Para povoar o mundo, os descendentes desses se juntavam e se dispersavam, aumentando o número de famílias independentes. Os parentescos e as afeições evoluíam. Não resta mais que uma ligação geral de natureza comum. Quando já se multiplicou bastante os inconvenientes de se viver em particular, o poder paternal obrigou os que eram vizinhos a se reunirem sob um mesmo governo (pequenas sociedades). Essas primeiras sociedades eram unidas por ligação de natureza, comum a todos que a compunham.
Portanto, o direito vinculado ao estado de natureza, já que neste os homens são independentes entre si (e tendo uma relativa dependência de Deus) é o direito de liberdade em que cada um é mestre de si e todos são iguais. A lei natural é a que convém invariavelmente à natureza racional e sociável do homem, que sem a observação dessas máximas, não poderia existir entre o gênero humano.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP