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Terra sonâmbula

Terra sonâmbula, de Mia Couto, é um livro moçambicano do período pós-independência. A obra conta a história de Muidinga, Tuahir e Kindzu, que se passa durante a guerra civil.

Capa do livro Terra sonâmbula, de Mia Couto, publicado pela editora Companhia das Letras. [1]
Capa do livro Terra sonâmbula, de Mia Couto, publicado pela editora Companhia das Letras. [1]
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Terra sonâmbula é um romance do escritor moçambicano Mia Couto. O livro foi publicado, pela primeira vez, em 1992 e conta a história do menino Muidinga e do velho Tuahir, que, fugindo da guerra civil, acham abrigo em um machimbombo (um ônibus) abandonado em uma estrada. 

Muidinga encontra os cadernos de Kindzu, cujos relatos estão relacionados ao passado do menino. Desse modo, a obra, em meio a acontecimentos fantásticos, mostra os elementos da cultura moçambicana, de forma a enaltecer a identidade nacional, a partir de um olhar lírico, mas também crítico.

Leia também: Niketche — uma história de poligamia: análise da obra da escritora moçambicana Paulina Chiziane

Tópicos deste artigo

Resumo da obra Terra sonâmbula

  • Romance moçambicano do período pós-independência.

  • Seu autor é o escritor Mia Couto.

  • Contexto histórico: guerra civil moçambicana.

  • Protagonistas: Muidinga, Tuahir e Kindzu.

  • Apresenta traços de realismo mágico ou fantástico.

Análise da obra Terra sonâmbula

  • Personagens da obra Terra sonâmbula

  • Assane

  • Carolinda

  • Estêvão

  • Euzinha

  • Farida

  • Junhito

  • Kindzu

  • Muidinga

  • Nhamataca

  • Quintino

  • Romão

  • Siqueleto

  • Taímo

  • Tuahir

  • Virgínia

  • Tempo da obra Terra sonâmbula

O romance se passa em algum momento durante a guerra civil moçambicana, que durou de 1977 a 1992.

  • Espaço da obra Terra sonâmbula

A maior parte da história de Muidinga e Tuahir se passa em um ônibus abandonado em uma estrada de Moçambique. Já o relato de Kindzu menciona vilas desse país, como Matimati.

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  • Enredo da obra Terra sonâmbula

Muidinga e Tuahir

O narrador descreve uma “estrada morta”, onde apodrecem “carros incendiados” e “restos de pilhagens”. Nessa estrada, um velho e um menino de aspecto miserável caminham. O velho Tuahir deu o nome de Muidinga ao jovem. Ambos fogem da guerra civil que tomou conta de Moçambique.

Eles encontram um machimbombo (ônibus) queimado, cheio de corpos. O velho decide se abrigar ali, mas os corpos carbonizados incomodam o rapaz. Então, decidem enterrar aqueles cadáveres. Ao voltarem, encontram mais um; porém, é um homem morto a tiro. Ao seu lado, está uma mala e, dentro dela, alguns caderninhos, que contam a história de Kindzu.

Interior de um ônibus abandonado com bancos queimados.
Durante todo o romance, Muidinga e Tuahir encontram abrigo no machimbombo abandonado.

Na sequência, o velho Tuahir conta como conheceu o menino. Em uma ocasião, lhe pediram para ajudar a enterrar seis crianças mortas, mas uma delas, Muidinga, estava viva e muito doente, de tal forma que o velho tinha certeza de sua morte, quando “se passou ao inverso do esperado”:

E foi assim. Nos princípios, o miúdo só pronunciava estranhas gemências. Passaram-se dias, sem outro alimento que não fosse água. O menino permanecia dobrado em si, vomitando, dolorido da cabeça aos pés. Sem se mexer, ele já trincava seu fim. Tuahir lhe pedia que se levantasse e se mantivesse de pé, nem que fosse por breves tempos. Com ajuda, o moribundo se sustinha.

O narrador volta ao tempo presente, quando Muidinga e Tuahir são presos em uma rede e levados para a casa do velho Siqueleto. Mais tarde, Siqueleto libera seus prisioneiros e, então, “mete o dedo no ouvido, vai enfiando mais e mais fundo até que sentem o surdo som de qualquer coisa se estourando. O velho tira o dedo e um jorro de sangue repuxa da orelha. Ele se vai definhando, até se tornar do tamanho de uma semente”.

Tuahir encontra o velho Nhamataca, com quem trabalhou no passado. Porém, após violenta tempestade, Nhamataca é levado pela correnteza. Mais tarde, Muidinga se depara com algumas velhas, as quais o agridem e abusam sexualmente dele. Na sequência, o jovem e o velho falam sobre mulheres.

E, antes de Tuahir adoecer e morrer, ele conta por que Muidinga não se lembra do passado:

Tuahir lhe diz a verdade. O miúdo tinha sido levado ao feiticeiro. O velho lhe pedira para que tudo fosse retirado da cabeça dele.

Pedi isso por causa é melhor não ter lembrança deste tempo que passou. Ainda tiveste sorte com a doença. Pudeste esquecer tudo. Enquanto eu não, carrego esse peso...

Leia também: Júlio Cortázar — autor argentino cujas obras possuem marcas do realismo fantástico

Os cadernos de Kindzu

Kindzu se apresenta, fala de sua infância e de seu irmão Junhito. Conta que, tempos depois, sozinho, foi em busca de uma vida melhor. Assim, embarcou em uma canoa e, durante o percurso no mar, seu pai — Taímo — lhe apareceu em sonho. Finalmente, chegou a uma vila, onde conheceu Assane, o “antigo secretário do administrador”.

Expulso da vila, Kindzu volta para o mar, mas um fantasma o leva até um barco abandonado, onde conhece Farida. Ela conta que, na infância, ficou sozinha, sem a mãe, e foi cuidada pelo casal de portugueses Romão Pinto e dona Virgínia. Mas, quando ela se tornou mulher, virou alvo dos desejos lascivos de Romão.

Por fim, Virgínia levou Farida para viver sob os cuidados de um padre. Porém, insatisfeita, Farida decidiu voltar à aldeia de sua infância. No caminho, foi visitar Virgínia, mas só encontrou Romão e acabou sendo violentada por ele. Depois, partiu para a vila natal, onde descobriu que estava grávida.

Quando Gaspar nasceu, ela o entregou para a igreja e nunca mais o viu. Assim, ela pede a Kindzu que ele encontre Gaspar para ela, e eles acabam tendo um envolvimento sexual. Em seguida, Kindzu volta à vila e reencontra Assane. Além disso, acaba tendo relações sexuais com Carolinda, a esposa do administrador Estêvão Jonas.

O marido descobre e prende Kindzu. Porém, Carolinda solta o amante, mas ele não sai da vila. Kindzu resolve “espreitar a velha Virgínia”, no caso de ela ter informações sobre Gaspar. Mais tarde, a velha conta que um dia apareceu um menino em seu quintal, e ela colocou a criança dentro de um poço. Quando decidiu levar Gaspar para sua casa, ele fugiu depois de uns dias.

Kindzu decide sair da vila em um machimbombo. Porém, na noite anterior, adormece e sonha:

Eu sentia que a noite chegava ao fim. Qualquer coisa me dizia que me devia apressar antes que aquele sonho se extinguisse. Porque me surgiam agora alucinadas visões de uma estrada por onde eu seguia. [...]. Me surgiu um machimbombo queimado. Estava derreado numa berma, a dianteira espalmada de encontro a uma árvore. De repente, a cabeça me estala em surdo baque. Parecia que o mundo inteiro rebentava, fios de sangue se desalinhavam num fundo de luz muitíssimo branca. Vacilo, vencido por súbito desfalecimento. Me apetece deitar, me anichar na terra morna. Deixo cair ali a mala onde trago os cadernos. [...]. Mais adiante segue um miúdo com passo lento. Nas suas mãos estão papéis que me parecem familiares. Me aproximo e, com sobressalto, confirmo: são os meus cadernos. Então, com o peito sufocado, chamo: Gaspar! E o menino estremece como se nascesse por uma segunda vez.

  • Características da obra Terra sonâmbula

Obra moçambicana do período pós-independência, Terra sonâmbula apresenta caráter sociopolítico, ao demonstrar os sofrimentos causados pela guerra civil. Além disso, procura evidenciar os elementos multiculturais de Moçambique, de forma a valorizar a identidade nacional.

Com uma linguagem marcada pelo lirismo e pela coloquialidade, o romance conta com a presença de neologismos, alegorias e elementos do realismo mágico ou fantástico. Traz também uma narrativa de tom memorialístico, que dá voz aos seres anônimos que lutaram pela sobrevivência durante o conflito armado.

Quanto à sua estrutura, o livro contém onze capítulos:

  • A estrada morta

  • As letras do sonho

  • O amargo gosto da maquela

  • A lição de Siqueleto

  • O fazedor de rios

  • As idosas profanadoras

  • Mãos sonhando mulheres

  • O suspiro dos comboios

  • Miragens da solidão

  • A doença do pântano

  • Ondas escrevendo estórias

E apresenta onze cadernos de Kindzu:

  • O tempo em que o mundo tinha a nossa idade

  • Uma cova no tecto do mundo

  • Matimati, a terra da água

  • A filha do céu

  • Juras, promessas, enganos

  • O regresso a Matimati

  • Um guia embriagado

  • Lembranças de Quintino

  • Apresentação de Virgínia

  • No campo da morte

  • As páginas da terra

Adaptação de Terra sonâmbula

  • Terra sonâmbula (2007) — filme dirigido por Teresa Prata.

Leia também: Pepetela — o primeiro angolano a ganhar o Prêmio Camões

Mia Couto, o autor de Terra sonâmbula

Mia Couto (Antônio Emílio Leite Couto), filho de portugueses, nasceu em 5 de julho de 1955, em Beira, cidade moçambicana. Mais tarde, iniciou a faculdade de medicina, em Maputo, capital do país. Abandonou o curso e passou a se dedicar ao jornalismo. Depois, fez faculdade de biologia e ingressou na carreira de professor universitário.

Mia Couto, na foto de capa do livro Poemas escolhidos, publicado pela editora Companhia das Letras.[2]
Mia Couto, na foto de capa do livro Poemas escolhidos, publicado pela editora Companhia das Letras.[2]

Paralelamente às suas funções de jornalista e de biólogo, desenvolveu sua carreira de escritor. Desse modo, publicou seu primeiro livro — Raiz de orvalho — em 1983. Mas foi em 1992, com a publicação de seu romance Terra sonâmbula, que o autor experimentou o sucesso literário. Por fim, foi consagrado, em 2013, com o famoso Prêmio Camões. Para saber mais sobre o autor, leia: Mia Couto.

Contexto histórico de Terra sonâmbula

A independência de Moçambique em relação a Portugal foi oficializada em 25 de junho de 1975. Em seguida, o Estado passou a contar com um modelo de partido único. Assim, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), de ideologia marxista-leninista, assumiu o governo do país.

No entanto, aproximadamente dois anos depois, em 30 de maio de 1977, foi iniciada uma guerra civil. Para combater o governo da Frelimo, surgiu uma força de oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Assim, o conflito só teve fim em 4 de outubro de 1992, quando os dois lados assinaram o Acordo Geral de Paz.

Créditos das imagens

[1] Companhia das Letras (reprodução)

[2] Companhia das Letras (reprodução)


Por Warley Souza
Professor de Literatura 

Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUZA, Warley. "Terra sonâmbula"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/terra-sonambula.htm. Acesso em 10 de dezembro de 2024.

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